FC Porto-Tondela é a parte 3 de um David vs Golias na Supertaça: "Motivação é enorme..."
Tondela será o 13.º rival do FC Porto desde 1979, num jogo disputado outra vez entre o campeão e um clube de uma divisão inferior. Os 22 títulos dos portistas na prova são um recorde em Portugal... e nos países europeus onde o futebol é mais relevante. Beirões tentam o que nem Leixões (2002) nem Beira-Mar (1999) conseguiram.
Corpo do artigo
Sessenta e nove dias depois de se terem encontrado no Jamor com o estatuto de equipas primodivisionárias, FC Porto e Tondela voltam a defrontar-se hoje, em Aveiro, naquela que será a terceira edição da história da Supertaça Cândido de Oliveira disputada entre o campeão e uma equipa de um escalão inferior.
Escusado será dizer que o saldo não é muito favorável para estas equipas, que em 2002 viram o Leixões (II Divisão B) perder com o Sporting e em 1999 o Beira-Mar cair aos pés dos... dragões. De resto, estes têm sido reis e senhores da competição, pelo que a tarefa do clube beirão torna-se ainda mais hercúlea, num jogo em que não restam dúvidas sobre quem veste o papel de David e o de Golias.
Entre os 12 adversários diferentes que o FC Porto defrontou na prova, estreada no ano de 1979, com um dérbi da Invicta (FC Porto-Boavista), apenas outro emblema o conseguiu derrotar sempre: o Sporting. Ainda assim, tanto os leões (nove) como o Benfica (oito) ficam a anos-luz do número de conquistas dos dragões, que já têm 22 no museu. A primeira (1981), a segunda (1983) e a terceira (1984) surgiram contra o rival encarnado e colocaram os portistas no trilho do sucesso na competição, inclusive quando comparado com os países europeus onde o futebol tem mais relevo. É certo que nem em todos o troféu se disputou de forma regular, mas, mesmo assim, o Manchester United (Inglaterra) é, nesta fase, aquele que mais se aproxima dos portistas, com 21.
O palmarés e a divisão que vão disputar, contudo, estão longe de ser as únicas diferenças entre o FC Porto e o Tondela que hoje darão o tiro de partida oficial na época de 2022/23. Ainda que os respetivos plantéis conservem uma boa parte dos jogadores que se digladiaram na final da Taça de Portugal, em maio, o valor do grupo portista disparou em flecha, enquanto que o dos beirões caiu a pique num par de meses. O portal Transfermarkt avalia o dos tondelenses em 5,9 M€ e o dos azuis e brancos em... 257 M€. Otávio, que não poderá jogar em Aveiro por estar castigado - tal como Diogo Costa, Manafá, Fábio Cardoso e David Carmo - surge como o mais cotado entre os campeões nacionais (30 M€). O jovem Tiago Almeida (700 mil euros) veste semelhante pele no recém-despromovido ao segundo escalão.
Sérgio Conceição pode alcançar o recordista Artur Jorge... a dobrar
A Supertaça de 2022 pode elevar Sérgio Conceição a um patamar até agora só atingido por Artur Jorge, tanto na prova como na história do FC Porto. Depois de ter erguido o troféu em 2018 e 2020, frente ao Aves e ao Benfica, respetivamente, o técnico de 47 anos pode chegar à terceira conquista, as mesmas do Rei Artur. Além disso, pode ainda igualar o ex-treinador, de 76 anos, como o mais titulado de sempre dos dragões, com sete troféus. Ainda assim, ontem preferiu não valorizar as possíveis proezas. "Só estou preocupado com o título de amanhã [hoje], que é o mais importante", atirou.
Crença e coração guiam o não favorito
A missão do Tondela, que enfrenta o campeão e vencedor da Taça como clube de escalão inferior, foi vivida por Carvalhal e António Sousa. Em 1999, Sousa, então técnico do Beira-Mar, que descera à II Liga, perdeu, a duas mãos, com o FC Porto. E em 2002, Carvalhal, pelo Leixões, que militava na II Divisão B, foi derrotado pelo Sporting.
A missão de Tozé Marreco, esta noite, foi vivida por outros dois treinadores portugueses. A 18 de agosto de 2002, ao leme do Leixões, Carlos Carvalhal orientou a equipa que militava na então II Divisão B na Supertaça perdida para o Sporting (1-5, em Setúbal), e em agosto de 1999, António Sousa, treinador do Beira-Mar, que descera à II Liga, perdeu com o FC Porto na final disputada a duas mãos (1-2 em Aveiro, 3-1 nas Antas).
Carlos Carvalhal ganhou duas das sete finais que disputou, uma pelo V. Setúbal (Taça da Liga, ao Sporting) e outra pelo Braga, na Taça de Portugal, ante o Benfica.
"Em todas elas nunca foi na condição de favorito", recorda o agora treinador do Al Wahda, da Arábia Saudita. "A motivação é alta nas duas equipas, a que é favorita está com maior segurança. Por outro lado, jogar de uma forma mais descomprometida, sabendo que o favoritismo está do outro lado, pode retirar alguma carga emotiva e descomplexar mais os jogadores", sublinhou o técnico, antecipando a motivação do Tondela, que esta época vai competir na II Liga.
"Importa que o treinador consiga transmitir que é possível vencer, mas com crença e coração. E depois explicar como vencer o adversário, a forma de jogar da equipa e a estratégia para o jogo. O adversário é melhor, mas onze jogadores unidos podem perfeitamente ganhar", aponta.
Há 23 anos, António Sousa conduziu o Beira-Mar à conquista da Taça de Portugal (vitória sobre o Campomaiorense, por 1-0, com um golo do filho Ricardo, atual treinador do Mafra), pouco depois de ter descido à II Liga. Nessa Supertaça, a motivação era forte, recorda.
"Já tinham passado dois meses, estava tudo debelado. É uma época nova, há que encarar o futuro. A motivação do Tondela é enorme, vai fazer pela vida, será extremamente difícil, porque têm pela frente o campeão nacional, mas vão tentar começar bem para voltar de novo ao patamar onde estiveram nos últimos anos."
O facto de o Tondela estar impedido de inscrever jogadores, entre outros contratempos, "são fraquezas que têm de ser trabalhadas pela equipa técnica no sentido de fazer delas forças", defende Carvalhal.
"A tarefa é hercúlea, o adversário é forte, está num plano de inferioridade, mas, mais uma vez, é focar os jogadores no acreditar e saber conduzi-los no que fazer para vencer", salienta o ex-treinador do Braga. Uma ideia corroborada por António Sousa. "Nos grandes as coisas são mais fáceis de gerir, porque o plantel é vasto. As equipas com menor dimensão têm mais dificuldades, mas devem seguir o nosso exemplo: os jogadores estavam motivados desde a primeira hora e demos uma imagem muito positiva nos dois jogos", defende Sousa, que entende Tozé Marreco, quando este disse que "não perguntaram sobre o Tondela ao Sérgio, ninguém acredita em nós". "É a tentativa de demonstrar aos jogadores que têm qualidade, e de criar motivação extra no grupo", sustenta.