Pressão FC Porto é a equipa mais sufocante da Europa na recuperação de bola. E isso também se trabalha em casa. Conceição e Dembelé explicam tudo a O JOGO.
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Se há marca que o FC Porto de Sérgio Conceição tem é a agressividade defensiva. Terá outras, é certo, mas nenhuma tão regular desde 2017/18, já lá vão quase três épocas. Tem sido sempre a melhorar e em 2019/20 não há nenhuma equipa europeia tão forte na reação à perda.
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O mote foi uma estatística que a "GoalPoint.pt" publicou há alguns dias e que o nosso jornal refinou com recurso ao portal "Wyscout". Em resumo, o FC Porto é quem menos permite ao adversário jogar. Ou seja, que menos passes permite antes de recuperar a bola. Cerca de seis, em média, por jogada.
Nesta fase, porém, como se mantém essa identidade quando a competição parou? Primeiro a questão física, trabalhada em casa todos os dias. Isso não é novidade. Mas além desses planos, os jogadores recebem vídeos para analisar o seu desempenho anterior, seja nos movimentos individuais ou coletivos. A equipa técnica filtra o que considera ser mais importante que cada jogador observe, não só para que evite cometer erros anteriores, como para estar mais preparado e familiarizado com os processos da equipa e de todos os colegas. E esses incluem, e bastante, os momentos de reação à perda de bola e tudo o que se segue para a recuperar. No Olival, essa análise começa por ser individual e, depois, em sessões de grupo. Em casa também, embora com recurso às ferramentas tecnológicas disponíveis. O grupo reúne-se, debate com a equipa técnica e mantém-se alerta em relação a uma das características mais importantes da equipa para que no regresso ao campo as rotinas de movimentos não estejam esquecidas. "Personalidade", chama-lhe Sérgio Conceição.
Os adversários fazem pouco mais de seis passes antes de o FC Porto conseguir recuperar a bola. Nenhuma outra equipa na Europa é tão rápida a voltar à posse de bola
Os dragões são, não só a equipa mais "asfixiante" de Portugal, como da Europa dos maiores, aquela que inclui os seis principais campeonatos (Inglaterra, Espanha, Alemanha, Itália, França e Portugal). "Como treinador fico feliz por saber que somos a equipa que menos passes permite ao adversário após perda de bola, é um sinal de que os jogadores interiorizam o principio básico da equipa. Ser intenso exige muitas horas de trabalho e dedicação por parte de todos", congratula-se Sérgio Conceição, contactado por O JOGO.
Rival demora mais três passes até recuperar
Há dois índices estatísticos que medem a reação à perda de bola. O mais valioso é o índice PPDA (Passes por ação defensiva permitidos ao adversário) e calcula-se pela oposição dos passes de quem começa a construir e as ações de quem se predispõe a defender.
"Fico feliz por saber que somos a equipa que menos passes permite ao adversário após perda de bola, é um sinal de que os jogadores interiorizam o principio básico da equipa"
"Todos sabem que o meu principio de jogo é a intensidade. Como jogador sempre fui assim e sempre tive sucesso em equipas que assentavam o seu modelo de jogo e a sua identidade nessa forma de jogar. Como treinador, felizmente, tenho conseguido passar isso aos meus jogadores através do trabalho diário. Diria que uma equipa intensa é uma equipa com personalidade forte que quer por uma dinâmica com ritmo elevado no seu processo ofensivo e que não quer deixar jogar o seu adversário (no seu processo defensivo) apostando na rápida recuperação da bola", resumiu o treinador. O Benfica, por exemplo, permite ao adversário tocar mais três vezes na bola antes de a recuperar. Na Europa as diferenças são, claro está, menores.
O Braga também faz parte do top-10 e o perseguidor mais direto dos dragões é o Getafe. O pequeno e terceiro clube de Madrid é quinto na Liga espanhola, o que de alguma forma sublinha a importância deste tipo de ações. Aliás, neste lote há sete equipas que ocupam os primeiros cinco lugares dos respetivos campeonatos.
Bayer também no topo explica Liga Europa
Há um outro dado também muito relevante: o índice de intensidade. E tem muito a ver com o primeiro que descrevemos. Se o PPDA opõe os passes de quem ataca pelo número de ações defensivas no mesmo período, a intensidade é precisamente avaliada pelo somatório de ações defensivas (duelos individuais, duelos sobre a bola, recuperações, "tackles", interceções) por minuto. O Bayer Leverkusen é, a este nível, a equipa mais intensa da Europa. A segunda o FC Porto. Muitas repetem-se e sete ocupam os principais lugares da classificação. O Bayer integra os dois rankings analisados. Curiosamente eliminou os dragões da Liga Europa. Assim se explicam, também, as dificuldades sentidas pelos portistas quando apanham um rival de características idênticas.
Vídeos e a base da auto-análise
Siranama Dembelé é o adjunto de Sérgio Conceição que faz a ponte entre a informação recolhida e a transposição para o terreno de jogo. Tudo começa no vídeo e na análise junto do departamento de observação. Esse é um trabalho decisivo para a equipa se conhecer melhor a si própria, perceber os movimentos que realizou e adequá-los ao que o próximo adversário exige.
É o adjunto de Conceição que faz a ponte entre a informação recolhida e a transposição para o terreno
"Seja dentro ou fora do relvado, essa identidade trabalha-se em várias vertentes. Enquanto equipa técnica exigimos muito aos jogadores quer física quer intelectualmente", aponta o líder. Dembelé não rejeita a responsabilidade. "Para uma equipa como a nossa, a auto-análise é o mais importante e os jogadores sabem que têm oportunidade de crescer e aprender a cada dia de briefing que fazemos. Visualizamos o nosso comportamento durante os jogos, se foi de acordo com aquilo que foi trabalhado/ planeado. Perguntamos se conseguimos ter sucesso ou não coletivamente. Se sim, como o conseguimos. Se não, o que falhou", explicou o francês ao nosso jornal. A verdade é que, a julgar pelos números, o FC Porto poucas vezes é surpreendido. Em que medida mais concreta o vídeo ajuda?
"Qualquer equipa tem que ser humilde e dar importância à identidade do adversário, apesar deste poder mudar em função do jogo ser contra nós. Daí que tentemos saber tudo sobre quem vamos defrontar ponto por ponto e até antecipar possíveis mudanças do adversário. Isto ajudará os nossos jogadores a estar mais preparados e não serem surpreendidos. A nossa equipa de observação está sempre em busca de identificar cada pormenor para que possamos demonstrar através de imagens aquilo que o treinador pretende ver posto em prática, primeiro no treino e depois no jogo", descreve, feliz porque as coisas mudaram muito em relação ao seu tempo de jogar. "Felizmente o jogador é muito mais disponível e focado do que antigamente a nível da reflexão de jogo, do seu interesse na elaboração da tática do posicionamento coletivo", sorri. Nem sempre as coisas correm bem, mas o processo passa por aí. "O conteúdo de jogo é que permite dar consistência à equipa, independentemente da vitória ou da derrota", conclui.