Já convenceu adeptos e mobiliza paixão. As marcas de Farioli transmitidas pelo seu passado como guarda-redes, em conversa com quem o treinou: Max Magliulo
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Técnico com história singular, Farioli foi analista de vídeo e treinador de guarda-redes antes de se emancipar, sempre jovem, mas correndo contra o tempo na ânsia de traçar o seu caminho. O italiano, de 36 anos, de quem se espera obra vitoriosa no reino do Dragão, oferecendo já sinais excitantes no estilo de liderança e na proposta de jogo, traz um lastro inspirador dos últimos trabalhos na Turquia, França e nos Países Baixos, enquanto timoneiro do histórico Ajax. Numa viagem distinta ao legado e personalidade de Francesco Farioli, multiplica-se matéria de encanto e espanto, ouvindo-se Massimiliano Magliulo, que foi seu treinador no Margine Coperta, de Pistoia, e no Freccia Azzurra, de Pisa, nos escalões de formação, quando o agora técnico tentava ainda decifrar o futuro como jogador.
Foi um encontro de sensibilidades e ambições que aconteceu dos 15 aos 17 anos na vida daquele que, hoje, já eleva os horizontes portistas. “Francesco era um líder desde criança, um trabalhador e alguém extremamente inteligente. Era um dos primeiros a incentivar os colegas nos treinos, mesmo passando menos tempo com o todo do grupo, porque passava mais tempo entre os guarda-redes. Tinha um perfil carismático e queria sempre vencer”, define Magliulo, de 52 anos, hoje técnico do Pontedera Primavera. A relação entre ambos frutificou durante três anos, não esquecendo Farioli um primeiro mentor. Outro seria, mais tarde, Roberto De Zerbi. “Gostava imenso dele, da sua forma de estar, sempre sorridente e sempre positivo. A nossa relação foi sempre excelente, acompanhei o início da sua trajetória e falávamos frequentemente. Com o tempo fomos falando menos, fruto da agenda e dos seus compromissos, mas, ainda hoje, trocamos ideias ocasionalmente”, desvenda.
Max Magilulo reconhece que o apetite de comando sempre foi expressivo e a aprendizagem muito veloz. “O seu sonho sempre foi ser treinador. Começou por ser analista de vídeo do De Zerbi, quando o analista ainda não existia. Foi descoberto, por acaso, pelo próprio De Zerbi, que ficou impressionado com as suas considerações táticas num canal YouTube”, precisa, desenvolvendo um culto e uma bagagem que se revelaram proveitosos. “Escreveu sobre os movimentos do Foggia de De Zerbi, envolvendo cortes e setas. Isso foi parar à mesa de De Zerbi. Passado algum tempo, junta-se a ele, de analista e treinador de guarda-redes. Farioli sempre quis ser treinador. Direi que a sua empatia e carisma o ajudaram bastante, para além de muito estudo e grande força de vontade, que o fez estudar várias línguas”, elogia, servindo-se da ligação ótima do filho com Farioli, quando este treinou o Margine Coperta e o dirigiu.
A luz ofensiva do guarda-redes
Homem corajoso, bravo, amante da beleza e do risco, Farioli deixou transparente o seu cartão de visita sobre as ambições que respirava. Max Magliulo partilha uma história que vai do primeiro ao segundo capítulo, com um comprido intervalo no tempo. “É algo que dá para ver como a sua experiência mais jovem se repercutiu no treinador. Lembro uma meia-final que disputávamos, o jogo estava 1-1 aos 90 minutos, e tivemos um canto a nosso favor. Eu mandei-o para a frente, mesmo sendo pequeno. E não foi preciso que lhe dissesse duas vezes. Foi logo lá à frente para saltar e, certo é, cabeceou à barra. Na recarga, um defesa nosso conseguiu marcar o golo que nos levou à final”, vinca, aflorando esse legado com uma exaltação do mesmo tipo de espírito em 2017. “Ele já era treinador de guarda-redes no Benevento e, com o jogo 1-2, aos 90+5, ele manda, por iniciativa própria, o guarda-redes, que era Brignoli, para a área contrária. Ele chega lá, marca e faz o 2-2, de cabeça. Ligou-me nessa noite a dizer que se tinha lembrado da vez que o tinha mandado para a frente”, recua Max Magliulo.
Filosofia pela sede de conhecimento
Farioli é expressivo na comunicação, detalhista e inquieto no pensamento, e quem se cruzou com ele está ciente de que o perfil advém de uma insaciável sede de conhecimento misturada com a experiência de vida. Tudo converge na liderança do “filósofo” Francesco Farioli. Um desejo académico que se materializou em 2013. “Os seus pais sempre me disseram que ele era muito estudioso. Sinceramente, não estou a par das razões que o levaram à Filosofia, sempre pensei que fosse pelos seus conceitos de beleza e conhecimento, até porque associou o curso às ideias do futebol na tese que apresentou”, avalia.
"Sabe tudo sobre o clube, garanto"
Max Magliulo viu o êxito forjar-se a cada passo dado pelo antigo guarda-redes. “Já tinha estado bem em França, no Nice. Mas ele fez história no Ajax com uma equipa jovem, foi uma pena ter-lhe fugido o campeonato. Acredito que a inspiração dele vem de muitos treinadores, havendo certamente a inflluência do De Zerbi. Mas também garanto que não foi experiência que o definiu. A sua essência tem tempo, de futebol dominante, muita posse e bastante velocidade. Também eu com uma procura de jogo bonito, de posse, em trinta anos de trabalho no futebol juvenil, espero ter ajudado algo”. Virando-se para o presente, Max projeta um novo embalo azul-e-branco. “Se o FC Porto o deixar trabalhar, irá sair-se muito bem e dará o último passo rumo à elite. Conhecendo-o, garanto que ele já sabe tudo sobre a história do clube e vai querer dar o seu melhor pelo FC Porto! Injetará ânimo e dará tudo de si pelo FC Porto!”, assegura.
"Ótimo técnico e pessoa ‘brava’"
Atual guarda-redes do AEK de Atenas, após defender a baliza do Panathinaikos, Brignoli, de 34 anos, viveu um dos seus momentos mais sublimes, excêntricos e galvanizantes ao lado de Farioli, então técnico portista responsável pelos guarda-redes no Benevento, trabalhando com De Zerbi. O guardião resgatou um ponto no último instante dos descontos, subindo à área para marcar um golo de cabeça a Donnarumma, travando o Milan num emotivo 2-2 na época 2016/17. O banco exultou... As memórias do treinador italiano, que encanta na Invicta, ainda guardam uma reflexão sobre esse dia. “Um sábio disse ‘o que é um guarda-redes sem o objetivo de atacar’. Agora compreendi. Foi uma das emoções mais loucas que experimentei.” Numa breve auscultação ao JOGO, Brignoli confessou que seria um orgulho falar de Farioli, o que depois não se revelou possível. Deixou, porém, passar duas impressões fortes sobre o homem que vai fazendo o Dragão respirar outro entusiasmo. “É um ótimo treinador e, sobretudo, uma pessoa ‘brava’ e de grande trato”, confidenciou. O trabalho de Farioli já não está circunscrito à baliza, mas fica no ar se Diogo Costa será capaz de assinar, um dia, tamanho golo libertador.