A saída de Fábio Silva para o FC Porto acabou por ter um efeito dominó na carreira de Jorge Silva, conta o próprio. No Boavista, o tratamento também não foi o melhor, diz o central agora no Tirsense, que garante ter ultrapassado as mágoas.
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Sente que o seu percurso faz com que olhem de forma diferente para si?
-Sinto, sou sincero. Foi isso que procurei nos últimos dois anos. Tomei algumas decisões erradas ao não optar por um ou outro clube. Como tinha estado num nível muito alto na Lázio, preferi esperar e acabei por ficar algum tempo parado. Nessa fase, não apareceram projetos à medida do que eu ambicionava e, tanto no ano passado como neste, quis integrar um projeto em que me sentisse valorizado. No Tirsense, percebi que iam olhar para mim como alguém experiente. Sinto-me bem e estou a recuperar esse gostinho que tinha perdido por decisões que tomei, mas também por questões extrafutebol. Fui quase obrigado a sair da formação do Benfica...
Obrigado em que sentido?
-Eu e o meu irmão [Fábio Silva] fomos do FC Porto para o Benfica, mas ele nunca escondeu que o clube do coração é o FC Porto. Quis regressar. Eu estava no segundo ano de júnior no Benfica e tinha sido nomeado capitão. O Fábio decidiu voltar e o Benfica castigou-me por isso. Houve pessoas que me disseram: “Não conseguimos fazer o teu irmão mudar de ideias, mas vamos castigar-te para chegar ao coração dele”. O Fábio, ao saber disso, quis voltar atrás. Disse-lhe para ir, que eu aguentava. Chamaram o João Tralhão, que era treinador dos juniores, e disseram-lhe que, a partir daquele momento, eu só ia correr à volta do campo. Sabia que a Lázio tinha interesse e foi esse o caminho que segui. O Benfica foi um clube que me recebeu muito bem e onde não me faltou nada. Não queria sair, mas fui obrigado. Foi injusto e sinto que fui prejudicado, porque o meu irmão tinha o direito de sair sem que me prejudicassem. A história poderia ter sido outra, mas já passou. Ainda vou muito a tempo.
Como lidou com o regresso ao futebol português?
-Eu queria criar nome em Itália, mas apareceu o Boavista. Como cheguei no último dia de mercado, disseram-me que ia começar nos sub-23 só para ganhar ritmo, mas acabei por ficar lá a época toda. O meu pai tinha colocado o Boavista em tribunal e como alguns diretores ainda eram desse tempo, não cumpriram o prometido. Voltei com a condição de ir para a equipa principal de um clube do qual sempre gostei e onde o meu pai foi campeão. Só que algumas pessoas lá dentro quiseram fazer-me a vida negra e criaram uma imagem minha que não corresponde ao que sou. Uma imagem de ovelha negra, que fez com que treinadores como Vasco Seabra e Jesualdo Ferreira nunca contassem comigo para a equipa principal. É preciso sorte até nesse aspeto.
“Mostrei que não era impossível”
Ao período difícil no Benfica, seguiu-se uma experiência para mais tarde recordar na Lázio. A O JOGO, Jorge Silva não esconde as saudades do clube romano, destacando o trato de Simone Inzaghi e uma história de superação.
Que memórias guarda das três temporadas que passou na Lázio?
-Foram três anos incríveis. Chegar a um país onde sempre quis jogar e que representa tanto para o futebol foi um sonho concretizado. Aprendi muito na formação da Lázio e, quando passei à equipa principal, apanhei o Simone Inzaghi, atual treinador do Inter. Marcou-me, porque, além de perceber imenso sobre o jogo, tem uma parte humana incrível, estava sempre preocupado com os jogadores. Também houve alguns episódios negativos, desde logo a pandemia de covid-19. Itália foi o primeiro país a fechar tudo e eu sentia que estava a viver um autêntico filme, com as prateleiras dos supermercados vazias e tudo esgotado. Foi um choque, não há melhor forma de descrever. Em termos positivos, se houve algo que me marcou foi estar de férias em Portugal depois de dois anos na formação da Lázio e, sem ainda saber o que me ia acontecer, receber uma chamada do diretor desportivo a dizer-me que ia fazer a pré-época com a equipa principal. Houve gente a dizer-me que não chegaria à equipa principal, como tinha acontecido com outros jovens portugueses em Itália. “Eles não promovem ninguém estrangeiro da equipa Primavera”, cheguei a ouvir. Respondi com um “vamos ver”, e consegui. Foi bom para mostrar às pessoas que, afinal, não era impossível.