"Eu e Reinaldo fizemos Festas passar por motorista e ele deixou-nos num bar do Reinaldo Teles"
Jorge Gomes, nome icónico no futebol português, criador de boas recordações para adeptos de Boavista, Benfica e Braga, numa conversa mais diversa sobre a carreira com passagens mais jocosas
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Figura mítica do Braga, onde fez 199 jogos e apontou 46 golos, chegando oriundo do Benfica, Jorge Gomes prolongou a sua força no ataque do Braga de 1982 a 1989, deixando-se ficar na zona minhota, jogando em mais alguns clubes das redondezas e do distrito. Aos 71 anos, mantém-se a viver na cidade dos arcebispos, oferecendo a Portugal um dos mais talentosos jogadores da sua geração no andebol, no caso André Gomes, ex-ABC e FC Porto, atualmente a jogar no Japão.
O antigo avançado brasileiro, que trocara o Vasco pelo Boavista, quando veio para Portugal, discorreu, em conversa com O JOGO, passagens de tempos idos, não perdendo ensejo de juntar boas histórias da era em que era unidade dominante no ataque dos guerreiros e agitava o 1º Maio, ao lado de Reinaldo. Jorge Gomes será sempre lembrado como o responsável de ter quebrado a tradição do Benfica não ter estrangeiros, reconhecendo nacionais Eusébio e Coluna, e tantos outros, das colónias africanas, que, anteriormente, brilharam nas águias.
"Nem eu sabia o que me esperava nessa altura. Estava a quebrar uma tradição com 75 anos, quando assinei pelo Benfica em 79/80. Fizeram uma assembleia-geral para aprovar a minha entrada. Desse modo ficou um vínculo muito forte e um grande carinho pelo Benfica. Justamente por isso, além de que fui quem ajudou ou abriu portas a muitos estrangeiros. Começaram a vir vários", relembra o antigo avançado, que lidou com históricos dirigentes. E sentiu o peso das suas decisões.
"Comecei por dar nas vistas no Boavista durante quatro anos. Fiz grandes jogos, muitos golos e isso levou ao interesse dos clubes de Lisboa. Mas antes de tudo, a negociação esteve feita para o Sporting, contava juntar-me a eles, estava tudo certo com o João Rocha. Até hoje, não sei como, mas fui parar ao Benfica. Cheguei ao aeroporto para embarcar até ao Brasil, acompanhado de Valentim Loureiro, o que estava combinado era encontrar-me com o João Rocha mas quem apareceu foi o Gaspar Ramos. Não entendi nada, mas terá sido coisa do Major", explica Jorge Gomes, campeão pelos encarnados, e vencedor de três Taças de Portugal, jogando com Bento, Humberto Coelho, Carlos Manuel, Chalana, Toni ou Nené. Era já um avançado expressivo na sua imagem e poderio. Mas foi em Braga que o cabelo o celebrizou como figura black power.
"Chamavam-me Yannick Noah ou Bob Marley. Foi algo repentino, comecei a deixar crescer, ia enrolando aos poucos, doía um bocadinho. Mas foi uma coisa minha, não estava a buscar inspiração em alguém particular, nem pensava num significado maior. Havia pessoas na rua que me pediam que lhes desse uma trancinha, eu dava, eu dava, até que fiquei assim, careca de verdade", partilha Jorge Gomes, lembrando a irmandade com Reinaldo, seu colega na Luz e no Braga.
"Acabavam os jogos no 1º Maio, na entrada do estádio, conversava-se muito com os adeptos. Vivi sete épocas muito boas em Braga, tive o grande parceiro na frente, o Reinaldo, que havia jogado comigo no Benfica. Também o Fernando Festas era um dos mais próximos", confidencia, tomando a palavra sobre temas mais jocosos. A vinda à baila do antigo defesa do Sporting, V. Guimarães e Braga, figura querida dos balneários, também internacional português, potenciou a memória.
"Acho que o Festas ficou mais gago quando saía comigo e Reinaldo... Ele tinha um jaguar. Quando acabavam os treinos, ele convidava-nos, de vez em quando, para irmos de boleia com ele ao Porto. Metíamos muita brincadeira com ele, que ele tinha de ir de motorista e nós atrás. Uma certa vez, fomos para o Porto, ainda paramos na Trofa num café, e pedíamos para ele nos abrir a porta. Até que seguimos para o Porto para um bar do Reinaldo Teles. Depois ficamos ali e o Festas sumiu", relata. Concretizando o desfecho da noite. "Não conseguíamos ir embora, não tínhamos como vir para Braga. E foi o Reinaldo Teles que chamou um táxi para voltarmos. Mais tarde, falamos com ele, alegou que tinha ficado danado por o termos feito passar como motorista pessoal. Que se chateou e foi embora. Mas ele gaguejava muito, nem o conseguíamos entender direito", sublinha, contemplando ainda Quinito de referências muito elogiosas.
"Já conhecia o Quinito de um jogo amigável que fomos fazer a Santander quando ele jogava lá. Apanhei-o como treinador, amigo dos jogadores, foi o melhor que tive. Dava liberdade aos atletas, chegavam e cumpriam. Promovia ou aparecia nos almoços de jogadores, foi ganhando muitos pontos connosco", sustenta, recuando a um pormenor mágico de como o setubalense sabia lidar com os atletas, com esse trunfo da psicologia.
"Posso contar uma da liderança de Quinito. Não fizemos estágio, eu tinha saído pela noite para beber uns copos na Póvoa do Lanhoso. É certo que tomei uns copos a mais, passei da hora devida quando vim embora. Quando cheguei no estádio para nos juntarmos às 11 da manhã para irmos almoçar ao Bom Jesus, eu coloquei uns óculos escuros para subir as escadas de acesso ao estádio e ver a relva. Prontamente, o Quinito virou-se para mim, pede-me para tirar os óculos e só diz. 'Sei onde estiveste, as horas que ficaste, e só quero saber se posso contar contigo no jogo'. Ele tinha essa psicologia, eu joguei, rendi e marquei", atira Jorge Gomes, celebrando a história e a memória. Preciosidades do baú emergem em catadupa.
"Há um jogo em Braga com o Penafiel, para a 1ª Divisão. Estava a trabalhar com eles o bruxo Zandinga. Ele disse que o Penafiel ia vencer e começou na frente, com 1-0. Mas eu empatei e o Fontes fez a reviravolta. Fui perto do Zandinga e disse-lhe que a macumba dele não resultava. Ao que respondeu que resultava para a próxima."