Árbitros mostraram menos cartões amarelos às equipas visitantes, nos principais campeonatos europeus retomados à porta fechada, incluindo o de Portugal. Alemanha foi exceção
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O futebol de bancadas vazias da era da covid-19 mostrou que, sem o ruído dos adeptos a julgar os lances, o número de faltas e de cartões amarelos para as equipas visitantes teve tendência para diminuir. Estudo da RunRepeat demonstra-o, e a Universidade de Reading (Inglaterra) também. Futuro anuncia desafio para os árbitros.
Após o regresso da I Liga, em junho, para serem disputadas as dez jornadas, o número de amarelos aos visitantes baixou para 2.25 por jogo. Antes, a média era de 2.85
A imparcialidade nas decisões é treinada pelos árbitros desde o início da formação e representa um desafio constante, posto à prova de cada vez que a bola rola. Em circunstâncias normais, na avaliação do que os olhos deles veem numa simples falta junta-se a reação dos protagonistas, mais ou menos acentuada pela tentação de dramatizar o lance, e o furor do julgamento feito pelos adeptos.
Abstrair-se de tudo isso não é fácil e a análise aos principais campeonatos europeus e à I Liga revela que, nos jogos à porta fechada, condição para retomar a competição, depois da suspensão imposta pela pandemia de covid-19, em março, os árbitros foram mais benevolentes com os jogadores das equipas visitantes. O que leva a questionar até que ponto são justas as decisões tomadas com casa cheia - e essa reflexão será um desafio para os árbitros, quando os estádios voltarem a encher-se.
Por agora, ficam os números dos especialistas da RunRepeat. Analisados 1283 jogos das quatro principais ligas europeias - a conta habitual faz-se ao top cinco, no entanto, em França, a Ligue 1 foi dada por concluída quando o surto pandémico atingiu o país e já não foi retomada -, a que O JOGO acrescentou os da I Liga, num total de 1589 desafios, os especialistas da RunRepeat concluíram que a vantagem das equipas da casa nas decisões dos árbitros se desvaneceu na retoma. O número de faltas cometidas por jogo manteve-se em linha com o da fase anterior à paragem imposta pela covid-19.
As consequências disciplinares, essas, mudaram. Enquanto os cartões amarelos exibidos aos jogadores visitados não registaram alterações substanciais, a média dos exibidos por jogo às equipas visitantes diminuiu de 2.49 para 2.02.
Em três dos quatro principais campeonatos europeus, houve menos cartões amarelos nos jogos sem público. Só na Premier League, o número de advertências por partida caiu 28 por cento, de 3.5 para 2.53 cartões por jogo. Foi a descida mais acentuada, numa tendência acompanhada por Espanha e Itália. Na La Liga, a média baixou de 5.34 para 4.83, menos 9.6 por cento e na Serie A passou de 5.5 para 4.52 por jogo, menos 17.82 por cento.
A Alemanha foi a exceção a esta tendência: com os jogos à porta fechada, os árbitros exibiram mais cartões do que antes, com a média a passar de 3.95 para 4.15 por jogo (mais 5.1 por cento).
Pequenas variações
Nas advertências às equipas da casa verificam-se pequenas variações, com um decréscimo na Premier League e com a Alemanha a destacar-se novamente: sem público, os árbitros da Bundesliga foram mais rigorosos com os visitados. No entanto, já não mantiveram essa tendência com os visitantes e acompanharam a tendência geral para se revelarem mais complacentes. Foi em Inglaterra, porém, que o fator casa mais se diluiu, no capítulo disciplinar: a média passou de 1.88 cartões por jogo para quem está em terreno alheio para 1.24, correspondente a um decréscimo de 34 por cento.
O registo disciplinar do campeonato português revela um comportamento dos árbitros semelhante ao das principais ligas europeias analisadas pelas RunRepeat, com menos cartões amarelos exibidos por jogo - de 5.22 passou-se a 4.97 - e na tendência para serem menos benevolentes com os atletas da casa. Neste item, de 2.41 cartões por partida, antes da suspensão da prova, passou-se a 2.72 nas dez jornadas finais, em sentido inverso ao registado relativamente às advertências a visitantes, que passou de 2.81 para 2.25 por jogo.
Num total de 1589 desafios, a vantagem das equipas da casa nas decisões dos árbitros se desvaneceu na retoma
A tendência não é exclusiva das cinco ligas analisadas pela RunRepeat. Invest igadores da Universidade de Reading cruzaram dados de campeonatos profissionais de 17 países - Austrália, Albânia, Áustria, Costa Rica, Dinamarca, Eslovénia, Espanha, Inglaterra, Alemanha, Grécia, Hungria, Itália, Polónia, Portugal, Roménia, Sérvia e Ucrânia - e também identificaram esse comportamento dos árbitros.
Num estudo mais abrangente, que tenta perceber a influência dos adeptos ou da ausência deles no jogo, fazem notar que, no capítulo da disciplina, os dados sugerem que "os árbitros podem ser injustamente influenciados em favor de uma ou outra equipa pela presença de adeptos" e que o fator multidão pode "pôr em causa a imparcialidade dos árbitros". Ter consciência dessa realidade será uma forma de tornar as decisões mais justas, no futebol como em qualquer atividade em que o processo de decisão de um juiz seja acompanhado do veredicto tão ensurdecedor quando parcial dos adeptos.