"Frederico Varandas não sabia de todos os problemas, não queria estar na pele dele"
Fernando Peres falhou um penálti contra o Arsenal, no duelo de 1969/70, e não quer ver repetido o seu erro. A O JOGO falou sobre o duelo com os ingleses e de outros temas numa conversa imperdível.
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Sporting e Arsenal, rivais amanhã na Liga Europa, apenas se defrontaram numa eliminatória internacional, na Taça das Cidades com Feiras, em 1969/70 (os ingleses acabariam por vencer a prova após eliminar os leões com nulo em Alvalade e um 3-0 no antigo Estádio de Highbury). No jogo de Lisboa, há quase meio século, o criativo canhoto Fernando Peres, agora com 75 anos, falhou uma grande penalidade e por isso se penitencia em conversa com O JOGO. Para amanhã, perante o poderio dos gunners, Peres pede através das nossas páginas pressão alta, coragem, atitude mandona dos leões... e que não se cometa erros como o seu naquela partida.
"O jogo com o Arsenal traz-me várias memórias. Foi nesse jogo que falhei um dos poucos penáltis na minha carreira. E porque eu quis inventar! Porque quando eles treinaram em Alvalade nós assistimos porque fazíamos lá o estágio. E vi que atiravam sempre a bola para o lado esquerdo do guarda-redes. Eu, como canhoto, tinha tendência de atirar para o outro lado e pensei: "Amanhã, vou tramar-te e atirar para o lado contrário". Mas atirei de trivela e ele mal se mexeu e apanhou a bola. Foi uma pena, podíamos ter ganho cá... Depois, em Londres foram muito mais fortes", lembra.
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Reconhecendo as enormes diferenças do futebol daquela altura para o de hoje, Fernando Peres considera que o equilíbrio, porém, é agora maior. "Hoje em dia, rivalizamos com o futebol inglês. Naquela altura, o futebol deles era mais retilíneo e musculado, com os matulões na frente a jogar de cabeça; o nosso mais tecnicista, adornado, pausado. Hoje, já temos também futebol mais musculado e podemos ombrear. E em casa quem manda somos nós! Temos de jogar a pressionar no campo deles", atira, embora reconhecendo que a crise que abalou o Sporting nos últimos meses ainda se sente e que o momento para defrontar um rival assim não é o ideal: "A preparação começou mais tarde, alguns foram embora, outros criaram ansiedade por causa das atitudes de alguns energúmenos da claque. E há lesionados. José Peseiro faz milagres. O que interessa é ganhar, mesmo a jogar mal. Vai haver tempo, sem lesões e quando desaparecer a parte psicológica, para se juntar o útil ao agradável e jogar bem. Este Arsenal é fabuloso, das melhores equipas inglesas. Vai ser muito difícil."
Numa análise aos atuais destaques dos leões, Peres salienta a crise de identidade de Bruno Fernandes. "O Nani é uma mais-valia, mas já está mais na curva descendente. O Jovane tem de ser bem polido para ser um grande craque. Gosto muito de ver o Battaglia, um rapaz voluntarioso, esforçado, trabalhador. E o Bruno Fernandes é um craque, só que ainda não fez um único jogo como na época passada, aí dava gosto vê-lo. A qualidade de jogo da equipa estava muito dependente dele. Precisa de tirar de cima o peso que ainda carrega, às vezes torna-se agressivo, vê-se que não está bem em termos mentais. Bem, é o melhor do plantel", aponta.
O louco Bruno de Carvalho e o médico que herdou um amputado
Para Fernando Peres, Frederico Varandas "apanhou um menino nos braços, mas com os dedos cortados". "Sabia de alguns problemas, mas não de todos, em particular da área financeira. Percebeu que havia mais buracos para tapar", junta, antes de visar quem chegou a merecer o seu voto: "Com Bruno de Carvalho tudo era possível, era louco e fomos todos enganados por esse jovem aventureiro que quis ser o dono do Sporting a todo o custo." Peres vê no estado do futebol português o reflexo do que o levou a afastar-se. "Deixei o futebol muito novo porque já não era o meu mundo. Já havia corrupção, compraram jogadores meus! Então, afastei-me", recorda.
Aventura título...e fuga do brasil
Peres foi campeão brasileiro no Vasco da Gama, em 1974, mas sair foi difícil, como relembra: "Queria voltar a Portugal para conhecer o meu filho, que tinha dois meses. Não deixaram. Pedi a um jornalista para escrever que eu queria sair e até escreveram que eu tinha fugido disfarçado de mexicano. O presidente do FC Porto, Américo de Sá, foi lá, meteu umas massas e saí."
Do FC Porto na pré-revolução
Em 1975/76, Peres passou como um cometa pelo FC Porto. Vindo do Rio de Janeiro, acusou a mudança para a Invicta, sem adivinhar a potência que ali começaria a emergir. "A equipa era fabulosa, com Cubillas, Oliveira, eu, Gomes e Seninho, mas Pedroto veio no ano seguinte. O FC Porto antes nem cheirava. Achava que ia singrar, mas nunca que iria dominar", confessa.
Ex-pupilo Jesus voltar é... mistério
Quando Jesus (na foto) se lançou a jogar, Peres lançou-se a treinar. Os destinos cruzaram-se. "Se o influenciei?... Perguntem-lhe", responde o ex-leão, que acentua: "Fui buscá-lo para o Cova da Piedade, Juventude de Évora, Leiria e Atlético. Fazia à risca o que lhe pedia. É grande treinador, sportinguista e só peca ao inventar. Não sei se ele quer voltar ao Sporting. Mais não digo."
Belenenses deve ser um só
Natural da Ajuda, Peres cresceu e revelou-se no Belenenses, antes de se tornar leão. Porém, o antigo 10 não esquece a raiz e diz ser de um só Belém: "É triste ver o Belenenses separado e foi uma estupidez dar a maior parte das ações à SAD. Gosto é do CF Os Belenenses, não da SAD. Não existe, não pode continuar, é inadmissível. Tem de haver bom senso e voltar a ser um único clube."