Graças às redes sociais, Telmo Castanheira virou o mais famoso de uma família de hoquistas e todos querem vê-lo coroado rei do golo mais bonito
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Marcar com nota artística não é um exclusivo de Ronaldo, há quem também domine a arte de meter a bola na baliza com um desses pontapés de bicicleta que em poucas horas viajam pelo mundo, chegando aos locais mais improváveis, especialmente se acontecerem no escondido Campeonato de Portugal, durante um Trofense-Mirandês. Telmo Castanheira foi o autor do golo à Ronaldo que fez furor nas redes sociais, onde quem viu ordenou: candidato a Prémio Puskás, já!
O médio de 26 anos recordou o momento de inspiração, partilhando-o com os hoquistas da família, sentados à mesa de um café de praia, o cenário perfeito para esmiuçar o ADN dos Castanheira com sentido de humor. Na conversa, à qual faltaram, por compromissos profissionais, o pai e três primos, o hóquei ficou para segundo plano e a estrela foi o golo de Telmo, que o próprio começou por explicar: "Foi um lance de instinto. É uma questão de em segundos o jogo nos pedir uma reação. É um recurso que tenho, que já ensaiei noutras alturas. Senti que ali era possível e tive a sorte de fazer o golo."
"Talvez o compare a um Lucho. Não tem de jogar depressa, porque a bola chega aos mesmos sítios nos pés dele. Mas só com oportunidades o poderá mostrar"
Um dos primeiros a reagir foi Bernardo, o primo que joga hóquei no Infante de Sagres: "Na altura em que vi golo comentei logo com ele, mandei mensagem e disse para o enviar para vários sites e páginas de Instagram. É um golo de classe mundial." Telmo confirma que foi o seu "melhor golo até à data" e prometeu: "Agora, não posso forçar muito. Quando sai bem, não se deve tentar repetir, senão dizem que foi sem querer [risos]. Se surgir a oportunidade, tento outra vez."
"Na altura, disse para enviar o golo para vários sites e páginas de Instagram. É um golo de classe mundial"
Se lhe dissessem que "aquilo ia acontecer", contou Telmo, acharia que "estavam todos loucos". "Tive noção de que era um golo bonito, mas era um golo bonito na terceira divisão portuguesa. Pensei que ia publicar no Instagram, que os meus amigos iam comentar, mas não. Quando cheguei a casa, o golo estava nos jornais online e comecei a receber centenas de mensagens de pessoas fora de Portugal a enviarem-me links de jornais estrangeiros; nalguns só percebia Telmo Puskas. Inacreditável. Eu perguntei a alguns o que estava lá escrito e diziam: candidato a Puskas aconteceu na Trofa, algo desse género", relatou o médio do Trofense, que até da Tanzânia recebeu mensagens. Mas foram as dos "adeptos mais pequenos que estiveram no estádio" as que mais o comoveram: "Dizerem-me com aquela pureza que nunca tinham visto ali um golo assim, e que tinha valido a pena ter ido ao jogo para mim é o lado mais bonito do futebol." Para sempre guardará a altura exata em que dedicou o golo ao pai, Rui, ex-jogador de hóquei. "Olhei para o camarote que quase ia abaixo. Dedico sempre os meus golos ao meu pai e voltei a fazê-lo, mas só depois de ter corrido quase o campo todo a festejar, afinal é o melhor golo."
Paulo, o tio, antigo hoquista campeão pelo FC Porto, apressou-se a dizer que nada daquilo o surpreende: "Acompanho o Telmo desde as camadas jovens do FC Porto, onde ganhou tudo. Sou das pessoas que mais torcem por ele e sei que ele tem muito talento. O Telmo não é um jogador de características goleadoras. Tem muitos outros atributos, mais valiosos para um desporto coletivo, além do pontapé de bicicleta. Terá sido um clique para olharem para as outras características dele que são: perfecionista com técnica apurada e inteligente na forma como joga e que qualquer equipa valoriza. Talvez o compare um pouco a um Lucho. Não tem de jogar depressa, porque a bola chega aos mesmos sítios nos pés dele. Mas só com oportunidades o poderá mostrar."
Castanheira é um apelido conhecido dos adeptos do hóquei em patins e que um pontapé de bicicleta projeta agora no futebol. Telmo, de 26 anos, médio do Trofense, foi o autor da proeza
Os ídolos Deco e Ronaldo
Igual a Ronaldo ou até a Pelé, no famoso filme "Fuga para a Vitória", o golo de Telmo foi, como ele reafirmou, "um momento" - "não pensei imitar o Ronaldo", sublinhou - e por ter sido num campeonato pequeno poderá, na hora de a FIFA nomear ou aquando das votações, cair no esquecimento, abafado pelos grandes nomes, os grandes palcos e os milhões que falam sempre mais alto. Telmo Castanheira diz-se "agradecido", nada "obcecado", mantendo, contudo, as suas ambições: "O golo por si não mudará nada se não continuar a trabalhar." "Chegar à I Liga" e afirmar-se é um sonho natural, só depois equacionaria "o estrangeiro".
Por enquanto, com o Trofense, quer chegar ao play-off de um modesto campeonato, onde "a vida de luxo que todos pensam que os futebolistas têm" não existe. "Em relação aos outros, temos os mesmos sacrifícios - não tenho um fim de semana livre desde os oito anos -, a mesma exigência, mas menos estabilidade", referiu o camisola 10, acrescentando: "Estou onde o trabalho me trouxe. Se não consegui estar num campeonato acima, tenho de dar mais. Aos olhos dos outros, o que tenho pode ser pouco, aos meus olhos é muito. Desfruto muito do futebol, quero mais, mas tenho orgulho na minha carreira."
Se haverá um antes e um depois do famoso pontapé de bicicleta, é para já a incógnita, mas certo é que continuará a ser fã de Ronaldo "pelo que representa, pelo trabalho e por ter mudado a mentalidade dos que pensavam que o talento chegava", mas o primeiro ídolo foi Deco, que passou pelo FC Porto, quando Telmo lá jogava nas camadas jovens: "Para mim, ele era o melhor jogador daquela equipa que ganhou a Liga dos Campeões." A Ronaldo fica o apelo: fazer um like no golo de Telmo!
Quando lá em casa todos jogam hóquei em patins, Telmo Castanheira enveredou pelo futebol
Uma família com talento para a bola
Na família Castanheira, o hóquei em patins é a principal paixão. Avô, pai, tio e primos cumpriram a tradição do clã portuense, exceto Telmo, que em criança chegou a calçar os patins e a jogar com o primo Tomás, atualmente no HC Braga, só que cedo desistiu da ideia e, agora, recorda: "A minha passagem pelo hóquei foi curta. Tinha seis anos e percebi logo ali que o hóquei era para eles. Lembro-me de fazer um jogo de exibição num intervalo de um FC Porto-Benfica. Fiz um golo, mas não de bicicleta [risos] e percebi que tinha de sair por cima [risos]. Tenho um registo top no hóquei, as portas estão abertas para quando quiser voltar. É preciso saber a altura certa para sair."
A gargalhada, à mesa, foi geral, enquanto Telmo prossegue: "Tinha paixão pelo futebol. Passava a vida a jogar futebol e chegava a casa à noite todo transpirado." Não valia a pena insistir, porque "as birras não eram fáceis", e é então que a família, com humor, se interroga: será que Telmo foi trocado na maternidade? "Já perguntei. Eles dizem que não [risos]." O primo Bernardo, compreensivo, adianta: "O importante é procurar a felicidade, seja no hóquei, ténis, ballet..."; Telmo, arregalando os olhos, pergunta: "É uma dica? Nunca se sabe", enquanto o tio Paulo interrompeu: "Vocês não sabem, mas o Quaresma também jogou hóquei." Telmo, que ainda não marcou de trivela como extremo, gracejou: "É melhor não tentar."
Aos seis anos, trocou os patins pelas chuteiras, fugindo a uma tradição familiar antiga. Com sentido de humor à mistura, o médio já perguntou se não terá sido trocado na maternidade
Saindo em sua defesa, Paulo insiste: "Na família, as perguntas são sempre do género: onde está o Telmo? No ginásio. Porque é que ele não come as porcarias que nós comemos? Vai ter jogo. Honestamente, seria uma pena que esta projeção do golo ficasse por aqui. Não seria justo." Nas frequentes reuniões caseiras, garantem que não se fala muito de desporto e que se "brinca mais com a avó". Telmo diz que "quem manda" é a avó Maria, e Bernardo confidencia: "Ela já viu 1500 vezes o pontapé de bicicleta e disse logo que era a avó do Puskas."
Primo e tio sonham com Telmo "num grande campeonato" e o médio do Trofense agradece, prometendo "continuar a ir ver, sempre que possa, uns jogos de hóquei, mas só do Infante". "Não tenho autorização para ir ver outras equipas [risos]."