Entrevista de Villas-Boas: "Chegámos a uma situação de desespero absoluto de salários em atraso"
Presidente André Villas-Boas admite “desespero absoluto”, resolvido com a “grande vitória” da Dragon Notes. Falhas atingiram futebol, modalidades e funcionários. Villas-Boas destacou “credibilidade” da Direção para dar a volta.
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O negócio Dragon Notes terá implicações futuras. Não vai hipotecar o FC Porto?
- Não, de todo. Com essa liquidez, abateu o passivo. Depois, em empréstimos obrigacionistas, a nossa ideia é ter cerca de 100 milhões de euros recorrentes, de “rollover” [prorrogação] de obrigacionistas, apontando a prazo para cerca de 200 M€ de dívida financeira total, com custos da dívida muito controlados entre os 5% e os 6%. Portanto, neste momento estamos a fazer o “rollover” do empréstimo obrigacionista de 50 M€ e estamos muito satisfeitos com os resultados. Há uma grande adesão e confiança de investidores pequenos e grandes sobre esse “rollover”, algo que não tivemos em novembro do ano passado por conta, de certa forma, da incerteza sobre o que significava a Dragon Notes. O que nos falta abater e onde estamos a chegar a acordo é a dívida atual a agentes de futebol, de 90 M€. Fornecedores está resolvido, nos agentes, faltam os diferentes acordos e, depois o resto será essa dívida flutuante, mas que já não estará ameaçada sobre o peso das dívidas que fazem parte do licenciamento do UEFA.
Acha que os adeptos compreendem este insucesso desportivo com a justificação da falta de liquidez?
-Depende. Acho que há adeptos que olham para a situação em que o FC Porto se encontrava e conseguem enquadrá-la no tempo e projetá-la no futuro, conseguem perceber que o FC Porto, enquanto clube de associados, deixaria de existir. Chegámos a uma situação, em novembro, de desespero absoluto, tínhamos salários em atraso nas modalidades, no futebol e nos funcionários. É preciso ter o enquadramento devido. Após novembro, e aqui digo sinceramente, se não fosse a credibilidade desta Direção e desta administração, jamais o FC Porto anterior conseguiria concluir a operação Dragon Notes. É única no futebol português, inédita no futebol europeu e apenas comparada à do Real Madrid. É uma grande vitória desta administração e é o que permite o FC Porto existir nesta época enquanto clube de associados. Especulou-se muito sobre o que faríamos agora com 115 M€ e a realidade é que, de novembro para março, o FC Porto pagou quase 180 M€ de dívidas que tinha. Totalmente impossível num cenário passado, com todo o respeito pela administração anterior. O FC Porto, neste momento, não deve nada aos seus jogadores e aos funcionários, tem os salários todos em dia, não deve nada a clubes, recomprou parte dos direitos televisivos que estavam antecipados até 2028, tem ideia de recomprar ainda mais dívida associada aos direitos televisivos e isto é difícil projetar na cabeça de um associado. Trocámos a maior parte dos empréstimos contraídos com custos elevados, dos quais à Apollo com custo de 11%, por empréstimos em melhores condições, sendo que falta um apenas, relacionado com a Connect e com João Koehler, em que o FC Porto paga um juro de 11%, tem propostas de bancos para pagar apenas 4% e vê-se impedido de liquidar antecipadamente esse empréstimo. O FC Porto usou, e bem, essa liquidez para se recuperar e se reinstalar financeiramente. Ainda não podemos dizer que estamos totalmente a salvo, porque a diferença que vai de uma Liga Europa para uma Champions é fundamental. E temos de qualificar-nos para termos essa subsistência. Atrevo-me a dizer que ela está garantida, também, com o emagrecimento do FC Porto e o redimensionamento do grupo, desde logo o Porto Canal, em que os custos de dez milhões de euros por ano passaram a sete. Tudo isto são vitórias, ainda falta um caminho longo para dizermos que o FC Porto está saneado financeiramente na totalidade, mas demos grandes passos.
“Há uma vergonha que me abraça pela parte desportiva, há sócios que me levantam por todo o resto”
Vários sócios dizem que preferem ver o Museu com troféus do que contas saneadas...
- Na cabeça da maior parte dos associados, é o desportivo que conta. Vou caminhando na rua com alguma vergonha, porque há uma vergonha que me abraça pela parte desportiva e porque me custa ver a equipa em terceiro. Mas há associados que me levantam por todo o resto do trabalho que está a ser feito. Há reconhecimento e o que está a ser feito não é indiferente aos adeptos. Numa eleição ganha com 80% contra 20% de um presidente que foi histórico, gostava de lhes poder ter entregue imediatamente o título de campeão e isso, infelizmente, dificilmente será possível.