Juan Cruz, 49 anos, leva quatro vitórias seguidas pela Sanjoanense. Chegou a Portugal pouco depois do treinador dos dragões e prepara-se para selar uma permanência que esteve seriamente em dúvida
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Quatro vitórias de rajada meteram ordem no rumo da Sanjoanense, que não quer abrir mão da sua já longa posição na Liga 3. A equipa de São João da Madeira, dona de pergaminhos no futebol português, respira, agora, bem melhor, dispondo de quatro pontos de avanço sobre quem desce, isto numa altura que sobram apenas disputar duas jornadas. Depois de Filipe Gonçalves e Fernando Valente, foi um desconhecido argentino que chegou, viu e venceu, a julgar pelo momento, ainda com a definição de sucesso dependente de um fecho matemático. Juan Cruz, 49 anos, fez subir o nível e a confiança, imprimindo um aguerrido cunho. Chegando com pouca margem de diferença que o compatriota Martín Anselmi, o timoneiro da Sanjoanense tem no seu histórico uma ligação a James Rodríguez, quando este abalou do Banfield para o FC Porto.
Como se apresenta Juan Cruz?
Tenho uma trajetória na Argentina desde 2004, começando em juvenis, depois o profissional, como adjunto e principal. Tive ainda uma passagem pela Colômbia como treinador, diretor-desportivo e observador de uma empresa italiana, fui olheiro para diferentes clubes. Também fui jogador, conheci todas as etapas. Depois de trabalhar tanto tempo na Argentina e Colômbia, decidi, na altura da pandemia, procurar a sorte em Espanha, tinha aí a minha esposa e instalei-me em Palma de Maiorca. Conheci muita gente do futebol, fiz a licença Pro mas não chegaram oportunidades a nível profissional. Fui ao Equador, voltei a Espanha e deu-se este contacto da SAD da Sanjoanense. Chegou-se a bom porto, vinha, primeiramente, para ser observador e conhecer a estrutura mas, face aos maus resultados, tive que avançar mais cedo para tomar conta do plantel.
Que informações podia ter um treinador argentino da Sanjoanense?
Tens de estar sempre ligado ao que se passa por todo mundo, obter informações de várias ligas. Depois há toda uma relação antiga da Liga Portuguesa com o futebol sul-americano, sabemos que é um campeonato prévio aos jogadores que, depois, chegam a Espanha ou Inglaterra. No meu caso tive uma grande proximidade com James Rodríguez quando ele veio para o FC Porto. Estive envolvido em todo o processo, sabia o que era o futebol português. Quando cheguei, passei a conhecer melhor a Sanjoanense, a cidade, a história do clube, adquiri tudo, nutri-me do sentimento que o clube goza dentro da cidade. Estou bem integrado e sinto-me acarinhado pelos adeptos.
E agora como se explica esta grande recuperação, de uma equipa que parecia que ia ter vida muito difícil para fugir à despromoção?
Apanhei um plantel muito golpeado por um ponto em sete jogos. Tivemos de acelerar o processo, mas encontrei um plantel muito disponível, o corpo técnico foi bem armado, também trouxe auxiliares importantes, colombianos no caso. Acho que é uma equipa técnica muito sólida que procurou ser próxima dos atletas, mudar a mentalidade e incutir outra metodologia. É tudo muito diferente do que estava antes, estamos convencidos do caminho, tem dado resultados numa competição muito difícil. Estamos com muita expetativa de salvar a equipa.
Chegar à Sanjoanense, a uma Liga 3, traduz-se também num pensamento de carreira em Portugal?
O caminho é ir com passo firme, passos seguros. Claro que quero dirigir ao mais alto nível mas a minha cabeça está a cem por cento na Sanjoanense, em salvar a equipa de uma descida e ajudar a definir um projeto de crescimento. Quando trabalhas nesta profissão, ambicionas sempre mais, vem de uma preparação feita durante anos. Encontro-me num momento muito bom, quero crescer com o clube, pensando em estar um dia na 1ª Divisão de Portugal ou de outro país.
Chega com curta distância de tempo de Anselmi ao FC Porto. Há aqui um cruzamento de ideias de técnicos argentinos?
Nunca dialoguei com ele, mas conheço muito bem o seu trabalho do futebol sul-americano. Tem estado muito bem por onde tem passado, apresenta muito futuro e chegou ao FC Porto numa situação difícil. Mas vejo nele as ferramentas, a capacidade de recolocar a equipa na direção certa. Está num clube gigantesco, não será fácil, mas tem a capacidade para realizar esse trabalho. Acho que somos os únicos argentinos a treinar cá atualmente, oxalá possamos abrir portas a outros. É algo que leva trabalho, depende de resultados. Em breve tentarei colocar-me em contacto com ele, sendo um FC Porto um clube grande que me interessa conhecer melhor. As cidades estão muito próximas, será positivo trocar ideias e aprender de quem já está a um nível tão alto.
Como se sente um homem das pampas em São João da Madeira?
É uma cidade tranquila onde não me falta nada. Tem segurança, limpeza e tudo o que se precisa para se viver. A adaptação foi ótima, a receção também, estou pertíssimo do Porto e do aeroporto. Espero ficar bastante tempo.
Que avaliação tem do futebol português e da sua história?
É competitivo na Europa, sabemos das conquistas da Champions, de levar tantos jogadores às ligas mais importantes. Para não falar da sua Seleção, altamente competitiva no mundo. Temos de respeitar imensos jogadores e talentos, o Cristiano Ronaldo será sempre a referência. Não é fácil um argentino chegar aqui e entender toda a dimensão, mas estou a desfrutar muito. Já fui ver o FC Porto e o Benfica, mais outros jogos, tenho conhecido estádios e caraterísticas mais singulares do futebol em Portugal. Esta sede vai continuar a alimentar-me e olho para a Liga Portuguesa como muito interessante.
Como argentino respira mais Menotti ou Billardo? E a mesma questão relativa a Maradona ou Messi?
Menotti e Billardo são lendas que respeito muitíssimo, agarrei coisas de um e de outro. Não posso comparar nem separar as influências, o papel deles está à vista no futebol mundial. Temos de aprender de ambos, chegaram ao máximo que se pode lograr. Com Maradona e Messi é igual, dois monstros, os maiores da história. Estou mais identificado com Maradona pela minha idade, pelo que pude viver vendo-o jogar. Mas Messi faz-nos desfrutar imenso, porque é um fora-de-série, que rompe todos os números possíveis nas expetativas sobre jogadores. Quando se fala deles, também de Cristiano ou de Pelé, temos de estar agradecidos por os termos visto. Ver e conhecer a história de todos não tem preço, ver o que fizeram e onde chegaram. São as celebridades do futebol.
Então pode explicar toda a intimidade com James Rodríguez?
De James tenho de falar do jovem com que trabalhei no Banfield. O seu representante Silvio Sandri consultou-me antes de o levar da Colômbia para a Argentina. Vimos as suas condições notáveis e depois foi trabalhar o seu processo no futebol argentino, uma integração excelente. Trabalhei muitíssimo com ele e fez-lhe otimamente a chegada ao FC Porto onde alcançou grandes coisas. Era um jovem muito profissional, muito focado no seu alto nível, em chegar ao topo. Essa passagem pelo FC Porto foi o melhor que lhe aconteceu, deu o salto aos grandes da Europa. Estive muito dentro desse processo e nunca duvidei era o melhor passo para ele, como se confirmou.
Alguma relação com os últimos campeões do mundo argentinos?
Conheço muito bem o Tagliafico da sua passagem pelo Banfield. Um craque e um trabalhador, que merece tudo o que tem tido. O que fez esse grupo de jogadores conjuntamente com Scaloni foi merecidíssimo, trabalharam imenso, encontraram o grupo ideal, tudo bem analisado e onde imperou máxima humildade. Jogaram pela camisola, pelos companheiros e pelo país. Foi uma revolução que continua a marcar distâncias. Um orgulho para nós.
Como olha para os craques argentinos em Portugal e essa tradição de jogarem nos grandes de cá?
Os argentinos em Portugal são de grandíssimo nível, jogam nas melhores equipas cá e passaram por grandes da Europa. Depois vemos outros mais jovens com possibilidades de demonstrarem as suas qualidades. O argentino é muito profissional, adapta-se aos sistemas e à vida noutros países. Isso marca o seu mérito e a sua conquista, temos fome de glória, queremos triunfar. Os argentinos não gostam de perder, querem ir por mais, isso é muito importante na adaptação a outras ligas. É um orgulho ver tantos compatriotas bem estabelecidos nos melhores campeonatos, demonstra que o futebol argentino está vivo. Podemos ainda melhorar, mas quando vai bem no exterior, conseguimos desfrutar o dobro.