Henrique Martins, médio-defensivo de 27 anos, fala a O JOGO sobre a ambição e a pressão que conduziram o Lourosa à II Liga e a uma retumbante consagração
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Esteio nas últimas duas épocas, num total de 60 jogos, Henrique Martins brinda eufórico à subida do Lourosa à II Liga. O médio-defensivo, formado no Boavista, agarrou a sua etapa mais vibrante num clube que se afirmou e vai fazer parte do mapa profissional pela primeira vez na sua história em 2025/26. Henrique Martins, já com contrato com o Felgueiras para a nova época, fez-se notar como um dos melhores na Liga 3, abrindo asas para outros mundos. De regresso aos durienses, não lhe falta licença para sonhar. Afinal, batalhou com sucesso por uma licenciatura e um mestrado, abnegado e interessado nas lides académicas, nunca diminuindo o seu empenho na causa futebolística, lidando também com a grande deceção dos corticeiros em 2024/25, que tiveram a subida nas mãos, mas percalço a percalço, nas rondas finais, atraíram a desgraça. Henrique é um caso singular e exemplar, emprestando o seu modelo a outros.
A felicidade pelo Lourosa atingiu o clímax, foi fogo de artifício que durou semanas, da promoção matemática à confirmação do título. “Foi algo incrível, difícil de descrever. Em apenas duas semanas concretizámos dois objetivos que pareciam distantes no início da época e improváveis em novembro. Ficam na memória momentos de verdadeira união, o balneário em festa, o estádio em euforia, o cortejo no autocarro a ser recebido pelos adeptos com uma energia inesquecível. Tantos sorrisos e abraços! Este grupo merecia tudo isto. Lutámos muito, ultrapassámos muita coisa juntos e sabíamos bem o peso que este objetivo tinha para o clube e para toda a cidade”, regista Henrique Martins, conhecedor da agonia da época transata. “O primeiro ano foi muito duro. As coisas não correram como queríamos e isso deixou marcas. Mas preparou-nos para o que vivemos esta época. Aprendemos, crescemos e chegámos a esta fase final com uma mentalidade completamente diferente. Este segundo ano foi especial”, revela. “Viveu-se uma energia distinta e fomos recompensados”, valoriza o médio, abraçando os pilares do sucesso.“Desde a Direção aos adeptos, todos respiravam ambição. E essa energia passou para os jogadores. O presidente foi muito claro nos objetivos e fez tudo para nos dar as melhores condições. Mesmo quando parecia difícil, nunca deixou de acreditar e de investir nesta equipa. Também contou com um excelente trabalho do Nuno Correia, do Ricardo Ramos e de toda a equipa técnica”, identifica, dedicando o tributo às bancadas. “Os adeptos foram absolutamente incansáveis, em casa e fora. Havia uma pressão boa, que nos puxava para cima. Sentíamos que estávamos a representar algo maior. Isso faz deste clube um caso especial, pela forma como vivem o futebol, como apoiam a equipa e acreditam de forma incondicional.
”O lado bairrista do Lourosa, o calor humano que escudou o objetivo frutificou numa proximidade inspiradora. “Fomos acolhidos, respeitados e constantemente apoiados. E não é só dentro de campo. Os adeptos falam connosco na rua, os funcionários do clube tratam-nos como membros da família. Há uma paixão genuína, uma ligação emocional que nos faz querer dar sempre mais. Jogar com esta camisola tem um peso especial. Sente-se orgulho a cada vez que se entra em campo, porque sabemos que representamos algo maior do que nós próprios”, detalhou Henrique Martins, expondo a magnitude tomada pelas comemorações em Lourosa e também na receção na Câmara Municipal. “É um conjunto de momentos que ficam para sempre na memória. Desde o apito final do jogo que nos garantiu a subida foi sempre a festejar. Um estádio explodiu de alegria, depois os cortejos na cidade em autocarro aberto. E, mais recentemente, as receções aos campeões na Junta de Freguesia e no Município. Um ambiente incrível de união entre cidade, clube e jogadores. Foi quase a euforia de um cortejo académico, mas apenas fumo amarelo e preto, unicamente as cores do Lourosa”, desvenda Henrique, tranquilo quanto ao futuro, “com vontade de continuar a crescer”. As negociações para permanecer em Lourosa ainda estiveram em cima da mesa, mas o convite do Felgueiras, que representou em 2022/23, vingou.
Engenheiro quer a I Liga
Além do contributo nas operações do meio-campo, Henrique Martins responde como mestre em Engenharia Eletrotécnica e de Computadores, prolongando o estofo académico para lá da licenciatura. Um manual de conhecimentos que lhe acautela o futuro, mas um caminho difícil de adivinhar para um jogador. “Foi um percurso exigente. Tinha treinos, jogos e, ao mesmo tempo, aulas, exames e projetos. Mas sempre acreditei que era possível conciliar as duas coisas, com muito planeamento, disciplina e, acima de tudo, força de vontade. Muitas vezes saía direto dos treinos para a faculdade; houve dias realmente longos e cansativos. Mas valeu o esforço”, confessa, expondo o seu amor a uma profissão que só ainda pode explorar a espaços.
“A Engenharia é uma paixão que nunca deixei de lado. Já dei alguns passos nessa área, com projetos pessoais, e estou a pensar em explorar formas de ligar a tecnologia ao desporto. Talvez um dia venha mesmo a desenvolver algo nesse sentido, depois de terminar a carreira nos relvados. Quem sabe o futuro não passa por aí?”, especula, consciente e animado pelos horizontes envolvidos. O futebol, agora, até pede um investimento suplementar. "A subida à Liga 2 é uma nova porta que se abre. Aos 27 anos, sinto-me no auge, física e mentalmente, e quero continuar a crescer. O sonho de chegar à I Liga continua bem vivo. Se surgir a oportunidade certa, cá ou fora, estarei preparado. Ainda tenho muito para dar e muita vontade de conquistar mais", admite o médio, que se iniciou no Coimbrões e fez toda a restante formação no Boavista. Arouca, Leça, Felgueiras e Lourosa seguiram-se no percurso.
Faculdade faz pensar rápido
Capaz de gerar instantes de surpresa, com falas assertivas e pensamento escorreito, Henrique Martins também reflete sobre a sociedade, olha em redor para desmascarar as ferramentas que podem propiciar enquadramentos e encaixes sólidos, depois de vencida a ficha do futebol. “Acredito que posso ser um exemplo de que é possível conciliar o futebol com os estudos. Muitas vezes os jogadores sentem que têm de escolher entre um caminho ou outro, mas, com organização, disciplina e apoio, é possível fazer ambos. O futebol é uma carreira com um tempo limitado, e ter uma base sólida fora das quatro linhas é cada vez mais importante", ressalva, dando eco à mensagem, em jeito de conselho.
“Invistam em vocês próprios. Aproveitem o tempo fora do campo para crescer em outras áreas, sejam elas académicas ou profissionais. Não é fácil, mas vale muito a pena. E há vantagens que muitas vezes não se veem logo. Estudar ajuda-nos a manter a cabeça ocupada, a lidar melhor com a pressão e o stress competitivo. E, por outro lado, a exigência da faculdade, na resolução de problemas, faz-nos pensar mais rápido e com mais clareza, o que se reflete em campo. O cérebro também é um músculo que se treina", sustenta, numa distribuição de bola, com clarividência estonteante.
Já ensinou robôs a jogar
Articulado e realizado, engenhoso certamente, Henrique Martins já vai vendo forma de cruzar o futebol com o mundo que tem à janela para outro ciclo, ou acumulado no quarto, entre arrumos e ideias. “Durante o percurso académico, procurei aplicar os conhecimentos que adquiria fora. Aliás, a minha tese de mestrado focou-se no ensino de robôs a jogar futebol, através de inteligência artificial. A junção perfeita das duas paixões”, invoca, partilhando outras incursões. “Desenvolvi alguns projetos pessoais ligados à programação e automação, nomeadamente em áreas como a análise de dados e a criação de ferramentas e aplicações. É uma área que me motiva bastante e que, quem sabe, no futuro, posso vir a explorar de forma mais profissional, depois da carreira no futebol”, vaticina, testado por colegas no seu talento, ou vocação escondida. “Já me perguntaram se arranjo telemóveis e computadores. Até me pediram para ver o que se passava com um router no estádio! Há quem venha com dúvidas sérias ou engraçadas, pouco comuns num balneário”.