Aos 23 anos, Maria Pardelhas teve de deixar o futebol feminino, mas encontrou um projeto à sua medida que ajuda estudantes a encontrarem bolsas de estudo num país em que a ligação clube/escola é distinta de Portugal
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Com apenas quatro anos, Maria Pardelhas foi viver para a América Central. Foi lá que praticou futebol durante oito anos, até ao regresso a Portugal, onde teve os infantis do Estoril como destino para prosseguir o percurso nos relvados. Impedida de continuar a jogar com rapazes, interrompeu o trajeto aos 14 anos, antes de ingressar nas seniores canarinhas um ano e meio depois. Corria a época 2011/12 quando uma lesão lhe precipitou o final de uma curta carreira como defesa-central. Operada duas vezes, teve de viajar até à Bélgica para realizar um implante de menisco há quatro anos.
Depois de recuperar, ainda voltou a jogar no Malveira da Serra, mas as dores persistiam e o adeus foi mesmo consumado, de forma precoce. Licenciada em Gestão do Desporto, arregaçou mangas, enviou currículos e o destino levou-a à Next Level, empresa de consultoria especialista na localização de bolsas de estudo em universidades norte-americanas para atletas/estudantes de várias modalidades. Elaborou um projeto sobre futebol feminino e hoje é responsável por todas as modalidades femininas nesta área. Há cerca de ano e meio na Next Level, Maria Pardelhas destaca a importância do projeto. "Em Portugal é difícil conciliar os estudos com o desporto, porque não há ligação entre clubes e escolas. Nos Estados Unidos é muito mais fácil, porque é tudo dentro da universidade e os atletas estudantes fazem ambas as coisas a um nível alto. Neste primeiro ano enviámos para os EUA a Inês Freitas (Marítimo) e a Fátima Ribeiro e a Rita Pereira que jogaram no Fofó e Quintajense. Temos mais cinco jogadoras para enviar no próximo ano", conta Maria Pardelhas a O JOGO.
Entre deslocações a clubes/escolas, a resistência vai sendo quebrada aos poucos. "Há imenso medo e o nosso maior desafio, principalmente no futebol feminino, é diluir esse medo barreira medo, porque são miúdas e nunca saíram de casa dos pais e vão para os EUA. E do lado dos pais, também é sempre mais fácil se forem rapazes. Jogam à bola e são os seus Cristianos Ronaldos", diz. As inscrições começam a ser feitas a partir do 11.º ano, até porque nos EUA os treinadores recrutam cada vez mais cedo. "O objetivo principal não é criar jogadores profissionais que e cheguem à MLS ou NBA, embora isso já acontecido com o João Moutinho, número 1 do draft e que hoje joga com Nani. O objetivo é preparar para o futuro, de forma a que haja pessoas ligadas ao desporto com uma formação que só se consegue nos EUA", completa, com um outro exemplo elucidativo.
"Aqui, os juniores treinam de manhã e deixam a parte académica, ou vice-versa. Principalmente no feminino, a taxa de abandono da prática desportiva ou académica é gigante. Se têm teste, no dia seguinte não vão ao treino e se não vão treino, não são convocadas. É uma bola de neve e falo por experiência própria, porque via isso, como adjunta das seniores B e sub-19 do Estoril", sublinha.
Entusiasmada, Maria lembra que nos EUA "as condições são do outro mundo". "Os pais começam logo a pensar o que os filhos podem jogar para terem uma bolsa boa e lá as universidades já estão viradas para o desporto. Os estudantes/atletas são tratados como se fossem profissionais, é como se as universidades lá fossem o Benfica, Sporting ou FC Porto", evidencia Maria, que voltou dos EUA há menos de duas semanas.
Em termos físicos, o crescimento é diferenciado e não só. "Voltam a Portugal mais experientes a todos os níveis. Um dia normal lá é uma loucura total e tem haver maturidade e responsabilidade para conseguir acompanhar tudo. De manhã pode haver ginásio, seguido de uma aula e posterior reunião de equipa para planear o jogo, relatórios de scouting a preencher, treino de campo. Em Portugal, raras são as equipas que fazem treinos físicos", refere, dando conta das metas futuras. "Até em agosto, nas nossas sete modalidades futebol masculino, feminino, ténis, atletismo, basquetebol, voleibol e pólo aquático colocámos 40 estudantes e a meta no próximo ano é 60."
Para já, a esmagadora maioria são rapazes. "Talvez 70/30, mas nas raparigas é para aumentar", aponta a também coordenadora do futebol feminino do CAC, equipa que também representou como jogadora. "Criámos uma equipa do zero e temos muito boas jogadoras", frisa.
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