Cidade responde à galvanizante demonstração de ambição da equipa. Caldas e Barroso doseiam apetite: contenção que não inibe sensação de inevitabilidade; Figuras marcantes da história do clube encontraram-se no emblemático Café Vianna, onde se cozinhou a fundação do clube e onde confluem hoje sonhos de tantos adeptos bracarenses.
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São vitórias robustas e musculadas, são tropeções do Benfica e sinais de um FC Porto pouco efusivo no seu jogo. São seis pontos que separam a equipa do topo, dois, então, do acesso direto à Champions. Inflama-se a paixão a reboque de firme perseguição e fervem as pistas de um Braga campeão na batuta de António Salvador.
Abrem-se as portas para a glória, apressa-se a colocação das escadas para o céu. São múltiplos estímulos graciosos que invadem a cidade, contagiam o adepto comum e espalham a febre. Chamam-lhe febre ardente, delírio ou epifania. Já não vale mais a pergunta "és de Braga?", que tem abrigo histórico no Arco da Porta Nova, bem aberto, nunca fechado, hoje mais do que nunca a semear ilusões entre bracarenses, os convictos de toda a vida e os mais recém-enamorados por um élan guerreiro e vencedor, premiado nos últimos anos com duas Taças de Portugal e uma Taça da Liga.
Olha-se para as contas do campeonato e olha-se para o apetite do adepto e cada um, de soslaio, olha para o lado entre a certeza e a ordem de ser ou passar a ser: "és do Braga". Deixou de ser questão, mesmo que uma paixão menos vestida do que em Guimarães, mas com trunfo relativamente aos rivais minhotos, a média de adeptos do Braga é em 2022/23 superior à do Vitória, um estimulante sinal dos tempos. Quase 15 500 contra os 14 200 de 2009/10, quando a equipa então orientada por Domingos Paciência fechou a Liga no segundo lugar.
A queda do Benfica e a pressão guerreira sobre dragões e águias domina as conversas em Braga, tenta-se adivinhar o arcaboiço para algo épico e inaudito. Dos cafés históricos, epicentro de confronto de opiniões, aos encontros mais casuais, há um vislumbre dessa tentação, imagine-se um baile minhoto aos ditos grandes.
Cidade está empolgada e o Braga merece o título
António Caldas e Barroso, figuras queridas em Braga, foram descobertos nesse frenesim. Sem choque ou divisão na ambição reinante, mas com prudência de muito futebol vivido: "O terceiro lugar está garantido, parece-me! Agora tem de se apontar ao segundo e ao primeiro, não sendo fácil esperar que falhem dois. Este Braga só pensa em chegar o mais alto possível e a cidade está empolgada, quer muito que algo aconteça. Há um apoio fortíssimo que ainda pode ser maior", avisa Barroso. "Mais cedo ou mais tarde, o Braga vai ser campeão. Isso é merecido pela cidade, pelos adeptos e pelo presidente", destaca o antigo médio.
António Caldas também se rende à mistura de sabores da época arsenalista. "O acreditar é mais forte do que nunca, as pessoas largaram as conversas técnicas ou negativas, trocam só ideias, pensam na Champions ou no título, não se encontram culpas no árbitro ou treinador. O momento da equipa, a luta pelo melhor lugar do pódio, mudou o modo de sentir. Tudo é possível, se derem abébias estaremos lá, embora me pareça que o segundo será um pouco utopia", alerta o ex-guarda-redes, agarrando o contexto. "Há muitos estímulos, não é só esta luta na Liga, toda a incerteza envolvida, há uma final da Taça de Portugal. Isso gera uma energia enorme para o futuro, aumenta as responsabilidades, no sentido que o quarto lugar deixou de motivar os adeptos", explana.
O namoro de Braga e do Braga por um título que efeito teria, afinal, com a sua materialização? "Se isso acontecesse, era viver o momento. Eu não extravaso tanto a minha felicidade, fica mais no íntimo, mas emociono-me com a alegria dos adeptos. Ver o Braga campeão seria uma loucura durante semanas", exulta Caldas, com Barroso a alinhar na projeção de um banquete: "Temos uma música que é "ainda quero ver o Braga ser campeão...", debita o som por detrás de um sentimento que perdura. "É o único troféu que falta na vitrina do clube. É imprevisível. Para mim, e para todos os adeptos do Braga, será um momento histórico", afirma ainda Barroso, que cortou o cabelo e se pintou de azul e branco quando foi campeão ao serviço do FC Porto. "Nunca poderia fazer menos do que isso agora!"
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Cortes gratuitos e muita cerveja
Percorre-se Braga e abraça-se confiança, estado de graça levado pela equipa à cidade. É esse mundo que é desbravado a partir da barbearia Vasconcelos, onde se apresentam Sérgio Xavier e Nélson Rodrigues, que tratam do cabelo dos clientes sem deixarem de transmitir provas da sua paixão. "Há esperança e temos de lutar. Estamos a mostrar mais andamento. Nestas últimas semanas aqui só se fala do título e do que faria se isso acontecesse! Eram cortes gratuitos e muita cerveja para todos. Seria a cereja no topo do bolo, algo que nunca senti!", partilha.
Apoio de craque de 2009/10
Aos 39 anos, Mossoró joga no Potiguar, mas não esquece a casa onde viveu dias sorridentes. "Vejo uma equipa muito forte com Horta, Ruiz e Pizzi, capaz de conseguir o ansiado título. Mas há dois grandes adversários pela frente. Esse embate com o Benfica pode dizer muita coisa. Acredito no potencial do Braga e na intensidade alta do seu jogo sempre com muitos golos."
Mossoró puxa a fita da memória atrás para contextualizar as lutas do Braga pelo título. "No meu tempo, na reta final, sempre vinha algum deslize, mas este Braga está muito forte, mental e fisicamente. Esse título é o sonho do Salvador, se chegar com esta recuperação incrível, será uma grande emoção para ele. Ele e Alan sabem como conter a euforia, já viveram isso antes", diz.
"Um mergulho no chafariz"
Paulo Padeiro leva anos de devoção às cores do Braga, vivendo a paixão até ao limite
É chamado de Paulo Padeiro, assim dá nome ao seu restaurante, carregando esmagadora paixão pelo Braga, documentada também no seu espaço, decorado a rigor com protagonistas da história recente. O sonho alavanca-se também nas palavras deste carismático adepto, nos anos 90 pertencente à claque "Red Boys".
"É um orgulho ver este Braga. Até arrepia falar e sonhar! A cidade está junta com o clube, é algo fantástico. Noutras ocasiões não se acreditava tanto, agora acredita-se muito. E não é por acaso, há um grande trabalho que está a ser feito nas escolas e na academia. Os bracarenses têm-se multiplicado. As condições são fantásticas e atraem qualquer jogador. Estamos à frente em quase tudo e preparados para sermos campeões", relata.
"Hoje está enraizado o fervor bracarense, as outras simpatias esmoreceram. Já disse há uns anos que fechou a casa do Benfica no Minho, tiveram de ir para Famalicão comemorar! Agora não há divisões, há sofrimento bracarense. Nada de braguismo, isso foi uma invenção do Presidente da República", frisa, espreitando um Benfica-Braga que pode aquecer corações guerreiros quanto à escalada na Liga. E antecipando um sucesso estrondoso, não esconderá a sua maluqueira: "Certamente iria mergulhar no chafariz da avenida. Se já corri de Guimarães até ao pavilhão de Fermentões, tudo pode ocorrer", brinca. E junta: "Rezo para que as arbitragens não sejam falaciosas; se tudo correr normalmente, somos campeões ganhando os jogos todos."
Cabrito e a dobradinha
Amigo de longa data de Artur Jorge, assim se define, e próximo dos jogadores, Paulo Padeiro tem as paredes do restaurante pejadas de imagens que exaltam encanto pela história do clube e pelos seus protagonistas, inclusive os mais recentes.
"Eles são os meus meninos. Quando decidem vir aqui comer, é festa total. Já fechei o restaurante para comemorações do Braga. Nunca lhes posso dizer que não. Agora gostava de recebê-los como campeões!", graceja, certo de uma escolha incondicional. "Não tenho dúvidas que iam querer o cabrito. É mesmo muito bom! Mas para eles tudo o que quisessem", reporta Paulo Padeiro, desafiado por uma reclamação imediata. E afinal se a temporada terminar em dobradinha, como os premiar à mesa? "Quem come tripas aqui na casa, sabe que são bem boas. Também é boa escolha, haverá de certeza absoluta se existir essa proeza", transmite a garantia, olhando aos méritos de António Salvador. "Durante anos contestei-o, mas tive de ter a humildade de lhe pedir desculpas. É um trabalho incrível, acreditou sempre, fez muitas apostas com investimento exorbitante. Somos um clube sério e à séria."