As leis do futebol foram sendo retocadas e a pergunta é: qual o impacto dessas alterações na forma de se jogar? As novas tendências já estão no papel, foram aprovadas e serão aplicadas a partir de 1 de junho.
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Um jogo de futebol em meados do século XIX seria, no mínimo, algo bizarro para os atuais adeptos da modalidade. Não existiam guarda-redes e árbitros, as balizas resumiam-se a postes laterais (quando aconteciam golos, as duas equipas discutiam a sua validade em função da altura das estacas) e era expressamente proibido fazer passes verticais, por influência do râguebi.
Tem sido assim: no arranque, ainda no século XIX, não havia sequer balizas com traves, guarda-redes ou árbitros
Muito mudou desde essa altura e há pano para muito mais em nome do fair play, do dinamismo, do aproveitamento do tempo de jogo e, sobretudo, dos golos. À boleia das regras que foram sendo implementadas, o futebol nunca parou de se reinventar e adivinha-se um novo salto estilístico, como consequência das alterações às Leis do Jogo (consultar abaixo) já aprovadas pelo International Football Association Board (IFAB) e que entrarão em vigor a 1 de junho.
Enquanto essas não chegam, vale a pena tentar perceber o impacto de algumas das mais marcantes alterações introduzidas na forma de se jogar e planear as estratégias de jogo.
A pressão alta dos atrasos ao guarda-redes
Um dos principais clarões que iluminou o futebol, tornando-o propício à estratégia da pressão alta, verificou-se em 1992, com a proibição de os guarda-redes agarrarem bolas passadas por companheiros com os pés. Manuel Machado viveu como treinador esse momento e não tem dúvidas de que se tratou de uma "mudança" preciosa.
"Antes matava-se muito tempo com os atrasos para o guarda-redes: eram vários os jogos em que isso se verificava de forma sistemática. O futebol tornou-se mais rápido e dinâmico, propiciando os golos. Quando se fazia um atraso para o guarda-redes, ninguém atacava essa bola; depois passou a valer a pena. Essa nova regra agilizou os jogos e facilitou a ocorrência de golos, porque, de facto, os guarda-redes não estavam habituados a jogar a bola com os pés. Eram frequentes os deslizes, como aconteceu com o Neno, ao serviço do V. Guimarães, num jogo em Penafiel: chutou na atmosfera e o atacante adversário aproveitou para fazer golo. Os guarda-redes evoluíram muito nesse sentido, mas ainda recentemente o Courtois, um guarda-redes de top [do Real Madrid], enrolou-se com a bola e sofreu um golo", assinalou o treinador.
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Atual scout do Montpellier, Palatsi era guarda-redes quando o International Board resolveu atacar o anti-jogo e aplaudiu a medida. "Mudou tudo. Os guarda-redes "pezudos" perderam espaço. Antes, pouco importava que não jogassem bem com os pés, atualmente isso tornou-se fundamental. O guarda-redes passou a ser o primeiro atacante da equipa e uma unidade indispensável numa tática que privilegie a posse de bola. Por um lado, passou a estar mais exposto aos erros, por outro passou a ser mais uma solução para as equipas, em situações defensivas", explica.
Abençoadas três substituições...
São vários os treinadores especializados em ganhar partidas à custa de substituições. Tudo se tornou mais fácil a partir de 1995, quando foram autorizadas três mudanças por equipa. Já nos primórdios da modalidade, era aguentar... até cair para o lado.
"Um jogo em que as duas equipas têm, até ao fim, os respetivos 11 jogadores é sempre pautado pelo equilíbrio e pela competitividade. As substituições permitem sempre compensar questões físicas, alterar estratégias ou modelos táticos e mesmo evitar expulsões. São meios indispensáveis para o treinador", sustenta Manuel Machado.
Há mais novidades nas Leis do Jogo que começam a ser aplicadas a partir de 1 junho.
... e a quarta veio mesmo a calhar
Já nesta época, as equipas que participam (ou participaram) nas competições europeias, como a Liga dos Campeões e a Liga Europa, puderam fazer uma quarta alteração em jogos com prolongamento. Outra nova medida que Manuel Machado também aprova. "Numa situação de exceção como é um prolongamento, parece lógico que, excecionalmente, se possa acrescentar mais alguém. Um jogador fresco faz sempre toda a diferença quando quase todos já estão em défice físico. Permite compensar situações físicas mais agudas ou até mesmo explorar fragilidades do adversário", refere.
Golo de ouro mereceu o fim
Por entre avanços (novas regras), verificaram-se alguns recuos no futebol. Foi o que se verificou, por exemplo, com o golo de ouro (igualmente apelidado de "morte súbita", introduzido em 1993 para decidir prolongamentos e desaparecido após o Mundial da África do Sul, em 2010. "O golo de ouro tentava proteger os jogadores do tempo - esse era o lado positivo dessa regra. Por outro lado, o adversário nunca tinha a possibilidade de responder ao golo sofrido, o que criava alguma injustiça do ponto de vista desportivo, pelo que foi uma boa medida a anulação dessa regra, até porque os jogadores já são preparados para aguentarem 30 minutos de tempo extra", avalia o técnico Manuel Machado.
Apesar de algum conservadorismo, o International Board tem avançado com alterações às leis originais, moldando o futebol praticado pelas equipas.
Crítico do conservadorismo do International Board, o órgão que determina as regras do futebol, o treinador demarca-se igualmente dos que defendem o encurtamento do tempo de jogo para que o futebol para se torne mais dinâmico e intenso. "Só seria viável a redução do tempo de jogo para 60 minutos, por exemplo, se o cronómetro parasse sempre que acontecesse uma paragem de jogo. Só assim é que esses 60 minutos seriam tempo útil de jogo", observa Manuel Machado, apontando, em Portugal, para uma questão mais pertinente.
"Nem se joga muito durante os 90 minutos, nem se joga muito ao longo de uma temporada. Excetuando as grandes equipas, que nem sempre chegam longe a nível internacional, os clubes fazem uma média de 12 treinos por semana para um único jogo. Isso não acontece em Inglaterra ou Espanha", assinala.
AS PRINCIPAIS ALTERAÇÕES
Mão na bola: será livre direto sempre que um golo for precedido de mão/braço (do autor ou de quem assiste), quando a bola tocar na mão/braço de jogador que aumentar o corpo de forma antinatural ou a bola tocar na mão/braço se estiver acima dos ombros (exceto se a bola for à mão/braço do jogador depois de este a ter jogado).
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Penáltis: o guarda-redes deve ter um pé em cima da linha de golo, não pode estar atrás desta e não se pode mexer antes da marcação. O batedor do penálti, em caso de lesão, pode receber assistência antes de rematar.
Se a bola tocar num elemento da equipa de arbitragem e daí resultar golo, mudança da posse ou o início de um ataque promissor, a partida é interrompida e recomeça com bola ao solo.
Atrasos para o guarda-redes: se este falhar o pontapé sem pretender infringir a regra, poderá agarrar a bola com as mãos.
Livres: numa barreira com pelo menos três jogadores, os adversários terão de se posicionar a pelo menos um metro da barreira, sob pena de livre indireto.
Pontapé de baliza: a bola entra em jogo ao ser pontapeada, não precisando de sair da grande área. O adversário tem de estar fora da área até a bola ser tocada.
Substituições: o jogador substituído terá de deixar o campo pelo ponto mais próximo e não pelo meio-campo, a menos que assim indique o árbitro.
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"O International Board poderia ir mais longe"
"São medidas muito leves. Julgo que o International Board poderia ir mais longe, mas é sempre bom quando se agiliza o futebol. Dessas alterações, destaco a substituição do jogador pelo caminho mais curto - é uma medida muito positiva. O ideal seria não parar os jogos para se efetuarem substituições. O quarto árbitro, por exemplo, poderia ter essa incumbência, à imagem do que sempre se fez no andebol. Já a regra de anular lances devido a bolas tocadas pelo árbitro parece-me negativa: acrescenta paragens inconvenientes ao jogo."
Sugestão: Uma nova linha
A sensação de falta de espaço é um problema crescente no futebol. Para acabar com essa impressão, Manuel Machado gostaria de sugerir ao International Board que a linha que determina o fora de jogo, na perspetiva da equipa que defende e reconquista a posse de bola, fosse para além daquela que divide os campos. "Acredito que isso seria ultrapassado com a linha dos dois terços. Os contactos entre jogadores e as interrupções iriam desde logo diminuir, ao passo que passariam a verificar-se mais jogadas de ataque e golos", estima. Até essa linha de dois terços, um jogador nunca estaria fora de jogo.