"Centralização? O Sporting não joga sozinho, nem vai ganhar mais a jogar sozinho"
Francisco Salgado Zenha, vice-presidente e administrador da SAD do Sporting, foi um dos convidados da 3.ª Conferência Bola Branca, da Rádio Renascença
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O Sporting teve um ano quase perfeito, com a conquista de um bicampeonato e de uma Taça de Portugal. Em 2018, o clube atravessava dificuldades. Como foi feita esta transição pela administração atual? “É uma resposta difícil, mas acho que tudo se resume ao trabalho em equipa. É mais difícil quando se entra num clube de futebol, que estava a passar momentos bastante difíceis, e garantir que há união na tomada de decisão, e que os planos que são definidos pela direção são concretizados. Hoje, estamos num momento fantástico da vida do clube, um momento desportivamente fantástico, mas também passámos momentos difíceis, nomeadamente no início do primeiro mandato em 2018. Em 2019/20, tivemos uma época que, do ponto de vista desportivo, ficou amplamente aquém das nossas expectativas, e das dos sportinguistas, mas não foi por isso que deixámos de ter um compromisso com o plano definido inicialmente. Baixámos, inclusivamente, o orçamento para a época 2020/21. O que aconteceu? Acabámos por ser campeões nacionais passados 18 anos, fomos campeões europeus de futsal e de hóquei em patins, ganhámos o campeonato nacional de futsal, ganhámos vários títulos nessa época. Aqui, a chave, não é só para o financeiro – é fácil o financeiro definir planos e orçamentos – mas é, sobretudo, importante também perceber que as direções que estão por trás suportam estas estratégias, mesmo nos momentos difíceis. O que era fácil nesse momento para quem liderava essas áreas desportivas era dizer 'eu preciso de mais investimento', mas não era o momento para isso. Era o momento de um ciclo de reestruturação, redução de custos, que, felizmente, foi ultrapassado com sucesso. Agora, estamos num ciclo de expansão. Isto resume-se a trabalho de equipa, união e saber cumprir os planos definidos por nós para o médio e o longo prazo, conseguimos fazê-lo bem.”
Este é o momento ideal para um maior investimento? O sucesso desportivo traz sucesso financeiro? “O sucesso desportivo, o sucesso financeiro e o sucesso de negócio estão sempre de braços dados. Não conseguimos ter sucesso financeiro se o futebol não tiver um bom desempenho desportivo, é impossível, ou, pelo menos, muito difícil. A mesma coisa aplica-se às receitas. Vendemos muito mais bilhetes e merchandising, e gero mais negócio se, desportivamente, estivermos bem, e se, financeiramente, também estivermos bem para termos a capacidade de investir nessas áreas. Estamos numa situação muito melhor do que aquela em que estávamos há uns anos, estamos a fazer o nosso caminho de expansão, estamos a investir e a crescer. Não há dúvidas de que, para este crescimento, precisamos que tudo funcione bem. Se tivermos uma área de negócio a funcionar bem, mesmo tendo menor desempenho desportivo, conseguimos mitigar a redução de receita que, por sua vez, permite mantermo-nos mais competitivos. O contrário também é verdade. Se tivermos um desempenho desportivo melhor, e tivermos uma área de negócio bem trabalhada, vamos conseguir aproveitar melhor o desempenho desportivo. As áreas estão sempre ligadas, isso é a base do nosso modelo.”
O Sporting tem alguns dos jogadores mais valiosos do futebol português. Estão obrigados a vender, apesar do sucesso desportivo? “Estou na direção do Sporting, nesta função, há sete anos. Se formos fazer uma retrospetiva, nos anos em que o Sporting foi campeão nacional, diria que fizemos menos vendas do que noutros anos. Obviamente que o facto de termos sido campeões nos dá uma maior capacidade de reter os jogadores, por um lado. Por outro lado, pode ter sido coincidência, ou não, mas a verdade é que não tivemos que vender nenhum jogador nesse momento, porque não chegaram propostas, que podiam ter chegado, nem bateram cláusulas de rescisão, que já aconteceu noutros anos. O mercado não é controlado por nós exclusivamente, estamos sempre dependentes do que vier do mercado.”
Estão previstas vendas no mercado de verão? “O nosso plano não vai ser diferente do plano do ano passado. Passa por manter os melhores jogadores e reter o talento que temos. Queremos continuar a ser campeões, queremos continuar a ter equipas competitivas, e queremos continuar a lutar em todas as frentes. Para conseguirmos isso, temos de ter os melhores jogadores, isso vai continuar a fazer parte da nossa estratégia.”
Viktor Gyokeres só sairá pela cláusula? “O Viktor Gyokeres tem mais três anos de contrato. Neste momento, não há propostas, ele tem mais três anos de contrato, a resposta está dada.”
Se Portugal descer mais posições no ranking da UEFA, e eventualmente a liga portuguesa deixar de ter direito a colocar uma equipa diretamente na fase de liga da Liga dos Campeões, será uma situação que preocupa um clube como o Sporting? “É, e tem de ser, uma preocupação de todos. É preciso perceber qual é o modelo de negócio do futebol português, e dos clubes portugueses. É um modelo de negócio que assenta, necessariamente, no acesso às competições europeias. Grande parte do rendimento dos clubes portugueses vem do acesso às competições europeias e da venda de jogadores, nos grandes clubes, sobretudo. Porém, há uma coisa ainda mais relevante: nos últimos dez anos, se forem ver os países e as ligas que estiveram no top-7 da UEFA, são as big 5, a Holanda que veio lá de trás e já nos passou, a Rússia que já esteve acima de nós, e entretanto desapareceu por causa da guerra. Se formos ver o ranking europeu de PIB (Produto Interno Bruto), curiosamente, estes outros sete países com estas ligas estão entre os países que produzem mais riqueza da Europa, não necessariamente pela mesma ordem, mas são os sete maiores. Portugal está abaixo do vigésimo lugar. Há um motivo pelo qual nós estamos lá, temos de perceber esse motivo, é fundamental para o futebol português. Há vários motivos, um deles passa pelas competições europeias, e a capacidade que os clubes grandes tiveram de gerar riqueza nestas competições, gerar a visibilidade, no futebol europeu, que, por sua vez, gera interesse dos clubes europeus em comprar jogadores aos clubes portugueses, o que, por sua vez, beneficia os clubes das ligas profissionais, não só os três grandes ou os outros clubes que participam nas competições europeias. O clube mais pequeno da primeira liga portuguesa tem, hoje, uma maior capacidade para vender jogadores porque os clubes portugueses fazem boas exibições nas competições europeias, isto é um facto. No tema da centralização, isto também é verdade, temos de ter cuidado quando formos fazer a centralização, para não fazer um ajustamento da competitividade do futebol português por baixo, se não, vamos estar todos a jogar na Conference League. Se estivermos todos a jogar na Conference League, ninguém liga ao nosso campeonato, e ninguém vem aqui comprar jogadores. Precisamos de um equilíbrio para perceber quais são as forças e as fraquezas do futebol português, e onde estamos. Em termos de rendimento, estamos muito abaixo dos nossos concorrentes diretos na Europa.”
O Benfica tomou recentemente uma posição relativamente à centralização dos direitos televisivos, o que vê o Sporting como inegociável nesta negociação? “Não podemos, para o bem do futebol português, pôr travões a nada sem conhecimento de causa, nem colocar restrições. Algum clube em Portugal sabe qual é o melhor formato competitivo para gerar mais receitas para os clubes de Portugal? Sabe qual é a chave de distribuição ideal para tornar a liga portuguesa mais competitiva? Vou dar um exemplo: acho que é óbvio que há uma concentração, em Portugal, maior do que aquela que há noutras ligas, vê-se pelas assistências nos estádios, são muito menores fora dos clubes grandes do que nas outras ligas, onde há uma maior homogeneidade nisso, até nas segundas e terceiras divisões inglesas. Precisamos de ter a capacidade de perceber como funciona a liga portuguesa, a cultura portuguesa, conhecer a nossa realidade e fazer essa análise. É preciso muito trabalho, a Liga Centralização (braço da Liga Portugal) já o fez mas vai ter de fazer mais, para apresentar aos clubes as ideias e os formatos certos para maximizar e otimizar os direitos televisivos, que é o que todos os clubes querem. É fundamental porque vai gerar, por um lado, mais receita, e, por outro, esse formato também tem de ajudar a perceber como melhoramos o nosso produto, a liga portuguesa. Uma das ideias óbvias que defendemos é um maior controlo financeiro, não podemos injetar dinheiro da centralização dos direitos televisivos nos clubes portugueses para os acionistas dos clubes levarem o dinheiro para casa. Parte desse dinheiro tem de ser investido na infraestrutura dos clubes, e para garantir que temos as melhores condições possíveis, porque quem vê um jogo de futebol no estádio ou na televisão tem de ter as melhores condições, só assim se gera mais receita.”
Como vê o comunicado do Benfica a retirar-se da mesa de negociações da centralização? “Não posso falar pelos outros, posso falar pelo Sporting. Da parte do Sporting, há uma total abertura, como sempre houve, para sentar à mesa com os outros clubes para promover o melhor para a liga portuguesa. O Sporting não joga sozinho, nem vai ganhar mais a jogar sozinho, precisa de rivais fortes, precisa de ter mais concorrentes, de clubes da liga portuguesa mais competitivos, que tornem o campeonato mais competitivo. É um objetivo para o qual todos temos de nos sentar à mesa, e todos temos de chegar a um entendimento sobre o que é melhor para o futebol português. Naturalmente, isso compete a quem tutela o futebol português, neste caso, à Liga Portugal. Temos de ajudar a liga para tomar essas decisões.”
O imediatismo dos resultados prejudica o objetivo da centralização? “O Sporting não coloca à frente os resultados desportivos a curto prazo em detrimento do resultado de longo prazo, e sobretudo da valorização do produto da liga portuguesa. Sempre lutámos pela transparência no futebol, sempre tentámos promover alterações ao regulamento que promovessem a transparência no futebol. A postura do Sporting foi sempre a de trazer transparência e verdade desportiva, o melhor possível para melhorar a liga portuguesa, acho que isso é reconhecido genericamente.”
Que novas fontes de receita têm sido procuradas pelo Sporting? Por que razão deixou o Estádio de Alvalade de ser um recinto para eventos e espetáculos? “Não descuramos poder vir a fazer concertos. Claramente, a nossa estratégia passa por desenvolver a área de entretenimento. Queremos muito melhorar a experiência dos adeptos no estádio, queremos melhorar a experiência dos adeptos fora do estádio, queremos dar mais conteúdos aos adeptos, e acho que temos feito um bom trabalho nisso, mas queremos fazer mais. Este período expansionista está a ser dedicado justamente a isso, a desenvolver as áreas de negócio. O foco do nosso core-business não é unicamente jogar futebol dentro do campo, tem de ser também a parte do entretenimento, dar espetáculo às pessoas. Não vamos fugir ao negócio core do Sporting, que é um negócio de entretenimento e desporto.”