ENTREVISTA - Caetano decidiu terminar a carreira aos 29 anos de idade. Escolheu um palco especial e acabou por ser uma despedida em grande estilo com um golo decisivo para o Varzim contra o clube da sua terra
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Pediu para se despedir em Penafiel e a ideia era entrar na parte final do jogo. Foi aposta aos 77 minutos e acabou por se tornar no herói dos poveiros, ao apontar o 2-1 e oferecer uma vitória que fugia desde setembro.
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Quais foram as razões para terminar a carreira aos 29 anos e neste jogo em particular, contra o Penafiel?
-Foi um jogo memorável que vai ficar marcado para sempre na minha vida. Duas semanas antes, tinha pedido ao presidente do Varzim para terminar a carreira em Penafiel, por ser o clube da minha família, da minha namorada, porque o meu pai jogou lá, o meu avô foi dirigente, eu joguei lá muitos anos e tenho o Penafiel no coração. Queria que a minha mãe estivesse presente, como aconteceu desde as escolinhas até ao último jogo, incluindo quando joguei a Liga dos Campeões, na Rússia. Estava confiante que iria marcar e pedi ao Rúben, o técnico de equipamentos, para me dar duas camisolas, porque iria fazer um golo e iria dar uma à minha mãe. Há coisas inexplicáveis e inacreditáveis. Tudo isso aconteceu e não podia estar mais feliz pela forma como acabei. Sinto-me em plena forma e foi apenas uma decisão familiar, porque, nos últimos tempos, o meu pai já me tinha pedido para terminar e ir trabalhar com ele.
"Era uma vitória importantíssima para o Varzim e só no dia anterior ao jogo é que disse ao grupo que iria terminar a carreira"
O que recorda do golo e dos festejos?
-Entrei com a ideia de resolver o jogo. Em toda a carreira sempre gostei de entrar e mexer com o jogo, como na época do Paços de Ferreira, com o Paulo Fonseca, em que o resultado se alterou em 14 jogos após a minha entrada. Quando o Fatai fez o cruzamento, vi a bola e não pensei em mais nada, enchendo o pé e metendo-a lá dentro. Não queria festejar por ser contra o clube da minha terra e apenas queria correr para dar a camisola à minha mãe, mas os meus colegas não deixaram e amarraram-me. Depois, lá consegui entregar a camisola e veio-me tudo à cabeça, sentindo muita emoção e jogando os últimos minutos a chorar. Era uma vitória importantíssima para o Varzim e só no dia anterior ao jogo é que disse ao grupo que iria terminar a carreira. Os meus colegas demonstraram o carinho que têm por mim e isso é o que me deixa mais feliz, assim como as mensagens que recebi de jogadores, treinadores, dirigentes e todas as pessoas com quem me cruzei no futebol. Por onde passei toda a gente gostou de mim e vão dizer que o Caetano é um grande homem. No Varzim foi isso que senti quando terminou o jogo e não posso estar mais agradecido a um grupo de trabalho que me lançou ao ar, algo que vai ficar marcado para sempre na minha memória. Vou levar este grupo e o Varzim no meu coração depois de uma despedida memorável.
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Já descobriu quem foi o realizador que escreveu o guião deste filme?
-Acredito que o realizador deste filme possa ser Deus. Há coisas que não se explicam e penso que sou um abençoado por tudo o que tenho na minha vida e por tudo o que me tem acontecido. Fui sempre acarinhado em todos os clubes por onde passei e por todos os adeptos. Lembro-me de que ia jogar fora de casa nos meus primeiros anos de Paços de Ferreira e, quando era substituído, os adeptos adversários batiam palmas. Eu acho que era consensual também por ser baixinho, porque consideram-me querido e engraçado, e estou superagradecido pela forma como fui tratado por todos os adeptos.
"DISSE QUE NÃO QUERIA RECEBER"
Durante a pandemia, Caetano recusou receber do clube e explica as razões para essa atitude pouco habitual no futebol.
É verdade que abdicou do dinheiro que tinha a receber do Varzim?
-Não me quero gabar disso. A minha vida financeira está estabilizada e, felizmente, a do Varzim também, e em tempo de pandemia, quando houve a redução de salários, falei com o presidente e disse que não queria receber aqueles quatro meses. Só tinha feito um ou dois meses no clube e não me sentiria bem ao receber oito meses quando só tinha jogado dois. Podem dizer que não preciso, mas todos precisamos. Era um momento difícil, a crise chegou também ao futebol e abdiquei da totalidade do meu salário nos meses de pandemia. Agora, quando tratei da rescisão, disse ao presidente que não queria receber nem mais um euro, porque sempre fui assim na minha carreira. Os meus pais construíram um grupo forte, mas os meus avós vêm do nada. O meu avô era carpinteiro, a minha avó tinha uma mercearia e o meu pai, quando era jogador, começou a construir umas casas com o meu avô. Ou seja, eu não, mas o meu pai vem do nada e por isso é que tenho esta postura na vida. Não me sentia bem com a minha consciência receber por algo que não trabalhei.
"A crise chegou também ao futebol e abdiquei da totalidade do meu salário nos meses de pandemia"
O que leva do futebol?
-Do futebol levo muitas amizades e foi a melhor licenciatura que poderia ter tirado. Aprendi o que é ser líder, o que é trabalhar em equipa e ser um grupo, e tudo no futebol é um exemplo para as empresas, como o trabalhar sobre pressão. O melhor que o futebol me podia ter dado foram os ensinamentos que nenhuma licenciatura dá.
Como olha para o futebol português, agora como ex-jogador?
-Portugal está recheado de talentos entre jogadores e treinadores. O nosso país pode estar agradecido pela qualidade do futebol que temos.
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"O MEU PAI FOI MELHOR JOGADOR DO QUE EU"
O pai, Agostinho Caetano, antigo jogador de FC Porto e Tirsense, é o seu ídolo por se tratar de "um exemplo dentro e fora do futebol", mas Caetano não consegue dizer quem foi melhor. "Somos jogadores diferentes. Ele também acabou a carreira aos 29 anos e com um golo no último jogo pelo Espinho, contra o Marítimo. Deixou marca em todo o lado, porque era um jogador com muita raça, enquanto eu sou um jogador mais tecnicista e tenho um pouco mais de qualidade. Mas ele foi melhor jogador do que eu, até porque foi internacional A e isso é o ponto mais alto de um jogador".