Vários jogadores do plantel ganharam dimensão com Schmidt, mas há uma mão cheia que deu peso ao título. Técnico implementou uma estratégia que visava dar profundidade ofensiva aos laterais, usando os extremos em movimentos mais interiores. A pressão alta e reação rápida à perda da bola foram essenciais.
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Ao longo de todo a época, Roger Schmidt mostrou-se um técnico agarrado às suas ideias e com confiança total nos jogadores que lançava. A estratégia e a base tática do Benfica pouco mudaram em todos os jogos com o técnico alemão a apostar preferencialmente no 4x2x3x1, com a particularidade de ter dois extremos a jogar mais por dento para dar aos laterais na exploração da profundidade ofensiva, além de uma aposta clara na pressão alta.
Vlachodimos foi o titular indiscutível na baliza, e até nos jogos das Taças só contra o Caldas deu lugar a Helton Leite. Na defesa, Bah na direita, António Silva, Otamendi e Grimaldo na esquerda foram a muralha preferida: inicialmente a aposta no central à esquerda até recaiu em Morato, mas o jovem português foi depois o protagonista. Ristic, substituto na lateral esquerda, esteve sempre entre lesões e o banco, e do lado direito, Gilberto apenas jogou quando Bah esteve ausente.
O meio-campo foi o setor onde ocorreram maiores mudanças: Florentino e Enzo foram apostas iniciais e indiscutíveis, mas a saída do argentino abriu lugar a Chiquinho, Aursnes e ainda João Neves. Mais à frente, João Mário e Rafa pouco saíram do onze com os colegas do lado a variarem entre Neres e o médio norueguês. A frente de ataque foi sempre de Gonçalo Ramos, com Musa a ser um substituto essencial.
A base dos encarnados pouco se foi alterando ao longo da época, com Schmidt a apostar na consistência, mesmo quando o plantel mostrava sinais de que precisava de novos ares. De todos os jogadores, destacamos cinco que, à imagem do que o treinador lhes pediu, foram figuras principais do campeão nacional que teve 32 jogadores utilizados na Liga.
António Silva
Da formação saiu um pilar que até já foi a um Mundial
Promovido da equipa B ainda na pré-época, António Silva ganhou lugar na equipa depois de uma lesão de Morato. Desde o momento em que foi aposta, não mais largou a defesa dos encarnados, quase sempre acompanhado por Otamendi. Marcou cinco golos, dois deles na Liga dos Campeões, e destacou-se como um dos defesas centrais mais promissores da Europa. Foi chamado ao Mundial"22 pelo ex-selecionador Fernando Santos, sendo titular no jogo com a Coreia do Sul. Ainda antes da convocatória, Roger Schmidt descreveu-o como um "jogador especial, com uma grande atitude, muito humilde e sempre focado". Ainda no início da época, renovou contrato até 2027, ficando blindado com uma cláusula de rescisão de 100 milhões de euros. É um dos jogadores com mais mercado do plantel encarnado, mas o Benfica quer tentar mantê-lo, pelo menos, mais uma temporada.
Aursnes
A polivalência é um posto que deu equilíbrio à águia
Contratado ao Feyenoord por 13 milhões de euros (mais dois de objetivos), a chegada de Aursnes levantou dúvidas pelos valores alto da transferência. O norueguês foi um pedido expresso de Schmidt para compor o plantel e tornou-se, ao longo da época, um dos jogadores chave do técnico, que, depois da saída de Enzo Fernández, raramente abdicou dele no onze titular. Médio de raiz, Aursnes começou a aparecer no lado esquerdo do meio-campo, onde jogou a maior parte das vezes, partilhou também lugar na dupla do miolo tanto com Florentino como com Chiquinho e ainda passou pela direita do ataque. Nos últimos encontros da época, e devido à falta de rendimento de Gilberto e à lesão de Bah, assumiu a lateral direita da defesa, mostrando-se como um dos jogadores mais polivalentes do plantel e decisivo no equilíbrio das peças.
João Mário
Um motor que fez equipa acelerar melhor na frente
Com um final de 2021/22 muito apagado, muito se falou da saída de João Mário, no verão passado. Porém, com a chegada de Roger Schmidt tudo mudou para o médio, que se sentiu valorizado e com mais espaço na equipa. A confiança refletiu-se nos números e o internacional português fez a melhor época da carreira com 23 golos e doze assistências em todas as competições. O camisola 20 foi aposta fixa do treinador alemão que o considera um jogador "inteligente, experiente, que faz com que os colegas joguem melhor". Apesar de algumas oscilações no rendimento, especialmente na reta final da temporada com exibições mais apagadas, João Mário foi um dos motores dos encarnados no meio-campo, tanto colocado sobre a direita como no flanco contrário, e afirmou-se na liderança como subcapitão e marcador de penáltis. A conquista do título passou claramente pelo camisola 20.
Rafa
Quebrou barreiras de forma decisiva à velocidade da luz
Não sendo uma novidade em destaque na equipa do Benfica, Rafa foi essencialmente um jogador decisivo em momentos chave da temporada. O veloz avançado marcou os golos solitários em dois jogos "grandes", garantindo pontos importantes na caminhada até ao título, como foi o caso do jogo no Dragão (0-1) e da vitória caseira com o Braga (1-0). Uma lesão muscular afastou-o de três jogos do campeonato e, no regresso, demorou a voltar ao rendimento que tinha habituado os adeptos, tendo sido por vezes contestado, ainda assim, Roger Schmidt nunca abdicou dele e o 27 fixou no currículo 14 golos e nove assistências. A época do jogador de 29 anos ficou ainda marcada pela renuncia à Seleção Nacional, ainda com Fernando Santos como selecionador. Rafa justificou a decisão com a necessidade de se focar no Benfica. A chegada de Roberto Martínez não fez mudar a escolha do dianteiro.
Gonçalo Ramos
Pistoleiro decidiu à frente e carregou nas proteções
Foi o ano de afirmação de Gonçalo Ramos não só no Benfica, mas no futebol internacional. Aposta clara do treinador, o avançado de 21 anos marcou 27 golos e ofereceu ainda outros cinco, completando a melhor temporada da carreira enquanto profissional. Essencial no ataque encarnado não só pelo jogo ofensivo e capacidade finalizadora, mas também pelo complemento no trabalho defensivo dando corpo à pressão pedida pelo técnico, o jovem jogador foi um dos nomes em destaque na campanha europeia na Liga dos Campeões, o que lhe valeu interessados pela Europa fora. Chamado ao Mundial"22, assumiu o papel de substituto de Cristiano Ronaldo e deu nas vistas ao marcar um hat-trick no jogo com a Suíça. Com uma cláusula de rescisão de 120 milhões, Gonçalo Ramos está a ser atentamente seguido por clubes como o Real Madrid e o Manchester United.
MOMENTOS DA ÉPOCA
21 de outubro de 2022 - Schmidt passa o teste do Dragão
O Estádio do Dragão tem sido o terreno complicado para o Benfica: nos últimos 10 anos, em 19 jogos, os encarnados tinham vencido três vezes em casa do FC Porto. Era com este cenário que a equipa de Schmidt chegava à jornada 10 do campeonato, mas também empolgados por uma série vitoriosa que colocava a equipa no primeiro lugar. Sem apresentar novidades no onze inicial, Roger Schmidt surpreendeu ao intervalo ao alterar três jogadores que já estavam amarelados: Bah, Enzo Fernández e João Mário, depois de uma primeira parte muito intensa que tinha levado à expulsão de Eustáquio do lado dos dragões. A partida ficou resolvida com o golo solitário de Rafa aos 72" e garantiu ao Benfica a liderança isolada e mais seis pontos para o perseguidor FC Porto.
30 de dezembro de 2022 - sequência de 13 jogos sem perder
Para o campeonato, o Benfica começou a vencer em agosto e só foi travado a 30 de dezembro em casa do Braga (0-3) num jogo que marcou a primeira derrota da era Schmidt e pôs fim à sequência positiva de 13 jornadas sem perder. Até aqui, as águias tinham apenas empatado com o V. Guimarães, fora, e vencido Arouca, Casa Pia, Boavista, Paços de Ferreira, Vizela, Famalicão, Marítimo, Rio Ave, FC Porto, Chaves, Estoril e Gil Vicente. Foi o primeiro teste, na liga, depois do Mundial"22 e a quebra de rendimento dos encarnados foi visível. A perda de pontos, ainda assim, não teve impacto já que até à derrota na Luz com o FC Porto, em abril, o Benfica esteve mais doze jogos sem perder para o campeonato. Nestes primeiros 13 jogos invencíveis, os encarnados marcaram 37 golos e sofreram apenas sete.
31 de janeiro de 2023 - saída de Enzo Fernández
Em julho de 2022, o Benfica anunciava o triunfo na corrida pela contratação do promissor Enzo Fernández. O médio argentino entrou logo na equipa e nunca mais largou o lugar. Foi o principal elemento do plantel na primeira volta e a ele se deveu muito do sucesso dos encarnados e do avanço que foram ganhando na liga. Com a chamada e a vitória no Mundial"22, Enzo tornou-se no principal alvo do mercado de inverno numa transferência que se tornou numa novela. O argentino rumou ao Chelsea no último dia de mercado (a 31 de janeiro), depois de no último jogo ter marcado e celebrado em jeito de promessa eterna às águias. A saída do ex-jogador do River Plate abriu uma vaga que a SAD não preencheu. Chiquinho foi a aposta para jogar ao lado de Florentino no miolo. Apesar de alguma contestação e reticência dos adeptos às qualidades do médio português, o camisola 22 cumpriu, sem o rasgo e criatividade do argentino, e não mais largou o lugar no onze que fez a festa do título.
15 de abril de 2023 - duas derrotas seguidas
Com dez pontos de vantagem para o FC Porto à entrada para a jornada 27, o Benfica deixou seis pontos fugirem em dois jogos seguidos e fez os adeptos tremerem na reta final do campeonato com quatro pontos a mais do que o segundo lugar dos dragões numa altura em que ainda faltava jogar com Braga e Sporting. A derrota na Luz com os dragões (2-1) iniciou o ciclo mais negativo da época encarnada com quatro jogos consecutivos sem vencer entre campeonato e Liga dos Campeões. Se em casa, com o FC Porto, a equipa de Schmidt mostrou-se cansada num jogo que ainda começou a vencer, em Chaves (15 de abril), a história repetiu-se: os jogadores falharam e deixaram a equipa da casa chegar à vantagem no fim, alimentando o fantasma de outras largas vantagens perdidas no passado.
6 de maio de 2023 - triunfo sobre o Braga na Luz
A quatro jornadas do fim, o embate entre Benfica e Braga, na Luz, era quase o jogo do título: em caso de vitória, as possibilidades da conquista voltavam a estar reforçadas; perdendo, o ponto de vantagem para os dragões podia não ser suficiente e a equipa podia reentrar em fase de quebra. Mas a equipa de Schmidt respondeu. Numa altura em que o miúdo João Neves já tinha assumido a titularidade no meio-campo encarnado e com Neres também a marcar presença no onze - as mexidas de Schmidt para revigorar uma equipa cansada - o Benfica foi mais forte e mais eficaz no jogo com os minhotos. O golo solitário, mas precioso, de Rafa aos 67" deixou o título mais perto.