Éder Jann regressou a Melgaço para comandar no gabinete e no campo. Consciente dos dois papéis, deixou o treinador à vontade para qualquer decisão
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Em Melgaço prevalece cenário nada convencional, já que Andrés Madrid, o treinador, tem o presidente em duas distintas hierarquias, como dirigente decisor, mas também como atleta, no papel de defesa-central, que recusa atirar a toalha ao chão, aos 41 anos. O rosto do Melgacense é Éder Jann, um brasileiro que trocou o Paraná pelo Alto Minho há 20 anos. Foi jogador do clube em quatro fases e, neste último regresso, aceitou ser também a cabeça de uma Comissão Administrativa.
O clube de Melgaço joga a 1.ª Divisão da AF Viana do Castelo, procurando estabilizar num cenário de fortes dificuldades financeiras.“Cheguei cá muito novo, estabeleci a minha vida durante 16 anos em Melgaço. Ficou a ligação e o carinho com o clube e a cidade. Surgiu a hipótese de ser o presidente, dentro duma Comissão Administrativa. Aventurei-me, mesmo conhecendo a situação problemática, procurando ajudar o clube”, assume Éder Jann, que nunca descurou uma vida para lá do futebol, tendo uma empresa de construção civil e uma carpintaria. “Saí da minha cidade-natal, Toledo, no Paraná, com o sonho de fazer carreira. Um jogador acha que está sempre preparado, mas nem sempre é assim, não damos o nosso melhor quando as oportunidades surgem. Depois percebemos que o comboio só passa uma vez”, lamenta o agora presidente, inabalável a moldar-se.
“Sempre tive um pé atrás com o futebol, tendo o cuidado de dar qualidade de vida à família por outra via. Consegui isso em Portugal, uma vida estabilizada e um filho que já segue o mesmo sonho”, destaca Éder Jann, rebatendo qualquer tipo de constrangimento nas relações laborais. “É tudo normal, estamos todos aqui para dar o melhor, os números estão para quem quiser consultar. Quero ajudar em qualquer papel ou diferentes funções, seja monetária, como presidente ou jogador. Sei da pressão que me recai nas costas, mas encaro sem problemas”, explica.“Se falho como jogador, falho também como presidente. O treinador sabe que me pode tirar, mal veja que não estou em condições. Quem vê de fora pode pensar que jogo por ser presidente, mas nada disso é verdade”, argumenta o líder, orgulhoso pela oportunidade de comandar o Melgacense. “Temos estrutura de fazer inveja a outros clubes. Quem vier, no futuro, ainda pode fazer mais.”
“Só falhei três treinos”
Éder Jann, que acaba de cumprir suspensão de três jogos por discussão com um árbitro, diante do Castelense, refuta problemas em compatibilizar as funções. “Não vejo qualquer complicação, nem pela idade como jogador; cada pessoa sabe dos seus limites e até onde pode chegar. Gosto de desafios. Ser presidente e jogador é interessante”, vinca Éder Jann, puxando galões dos seus créditos na época do Melgacense. “Só falhei três treinos esta época, sou dos jogadores com mais minutos. Outros assuntos e compromissos ficam fora do horário de treino. O que assumo, gosto de cumprir. Tudo se diferencia, sou amigo de todos os atletas”, frisa.
“Estranham as minhas indicações mais duras”
Andrés Madrid, antigo médio de Braga e FC Porto, tem feito carreira de treinador nas divisões inferiores. Chegou ao Melgacense após passar por Vianense, Rebordosa, Tirsense, Pedras Salgadas e Âncora Praia. Aos 43 anos, vive uma experiência diferenciada, treinando o presidente. “Tudo foi bem definido desde a pré-época, cada um assumiu o papel correspondente em função do momento. Se estávamos no campo ou balneário, a relação treinador/jogador era igual ao trato com o restante plantel. Fora isso, resolvíamos no momento com naturalidade”, evidencia o argentino, valorizando as competências do defesa-central.“Foi preciso, inicialmente, melhorar a sua capacidade física e conceber uma linha mais baixa para facilitar adaptação à ideia de jogo. Quando conseguimos isso, os três centrais assumiram uma linha mais subida e a organização melhorou. Ele tem sido peça importante, até como elemento mais utilizado”, elogia Madrid, identificando o lado mais inusitado da relação. “É curioso talvez quando, durante o jogo, tem de ouvir uma indicação mais dura. Noto que as pessoas olham à volta com alguma surpresa”, diz, desfazendo melindres. “Nunca é tema no balneário, porque é um grande homem, que sabe distinguir cada coisa”.