A vida de Pote no Braga: foi apanha-bolas e mascote e saída para Valência provocou azia
O JOGO conversou com Agostinho Oliveira, Luís Ricardo e Carlos Mangas, todos preponderantes no percurso do criativo de Vidago, que apanhava bolas e que era a mascote dos escalões superiores. Pedro Gonçalves formou-se no Braga e saiu porque o clube não era a força que é hoje. A ida para Valência foi surpresa, a qualidade não
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Pedro Gonçalves tem apetite pelo Braga: em seis jogos ganhou cinco e empatou um e em três das cinco vitórias acabou por ser preponderante ao marcar. Do Minho guarda carinho, pois foi lá que se formou, dos 12 aos 16 anos. E quem o recrutou pormenoriza, a O JOGO, a saudade e a saída surpresa para Valência.
"O Braga tinha condições muito más naquela altura. Há uns dez anos, as infraestruturas, as condições da relva natural, não eram boas e o próprio sintético não tinha qualidade", conta Agostinho Oliveira, um vulto em Portugal por ter levado as seleções de sub-16 e sub-18 a títulos europeus, tendo sido coordenador técnico do Braga de 2010 a 2013. Lembra como o período anterior à academia bracarense ir para a frente motivou que alguns talentos saíssem do clube.
"Tivesse nascido um ano mais tarde e estaria com o Luís Maximiano, que depois foi para o Sporting, com o Francisco Moura ou com o Trincão. Não teve as outras trutas para puxarem por ele. Depois, acaba por rumar a Valência e tenho a ideia de existirem dificuldades na negociação para que ele tivesse um contrato como profissional. O Braga não chegou aos valores e o clube não esperava que aparecesse um Valência", explica quanto à saída Carlos Mangas, que esteve em Braga uma década, tendo sido coordenador da formação minhota no período de recrutamento de Pedro Gonçalves ao Chaves, depois da recomendação de Jorge Pires, ainda hoje agente do jogador.
Certo, é que a saída do jogador acabou por gerar alguma azia nos minhotos, que viam nele um valor seguro para o futuro. "Conhecia-o. Aliás, todos o conheciam. Treinei-o mais tarde nos sub-17, ele ainda era sub-16. Já tinha qualidade para jogar acima e promovemo-lo à equipa A de juvenis", lembra Luís Ricardo, técnico da formação bracarense durante 19 anos e míster de Pedro Gonçalves nos juvenis.
"Hoje o Braga tem uma academia que permite ter jogadores de todas as regiões. Na altura não era bem assim. Toda a gente concordou que ele podia jogar um ano acima. Era um dos grandes projetos da formação. Da minha parte vi isto tudo com alguma surpresa, os anos passaram e nunca soube a razão. Foi uma situação que nunca percebi. Foi um miúdo que rapidamente conquistou toda a gente, era querido por todos os treinadores. Eu levava-o a casa às vezes, mas havia sempre quem o levasse se eu ou outro colega não pudéssemos. Fazia parte da família", detalha com carinho o atual coordenador da formação do Gil Vicente.
Pedro Gonçalves tomou a decisão de deixar a casa dos pais aos 11 anos e foi acolhido por uma senhora, em Braga, para poder sonhar com a carreira de jogador.
"Raramente não tinha jogo ao fim de semana, portanto muitas vezes não ia a casa", diz Luís Ricardo. "Não tivemos muita oportunidade para falar com os pais do Pedro, as pessoas dizem que Vila Real fica a uma hora de carro de Braga, mas às vezes faltam possibilidades até para isso. Eles não tinham muitas facilidades económicas e há uma pessoa muito importante: o empresário Jorge Pires acompanhou imenso o jogador e sempre o amparou. Vinha duma zona que não era sequer um centro habitacional [Vidago] e, quanto a nós, bem, gostávamos do miúdo. É de uma generosidade... apetecia-nos falar com ele, colaborava sempre. Ele pressionava-nos, dizia-nos que nós tínhamos de ajudá-lo a ser melhor, porque o objetivo dele era ser profissional de futebol. Guardava os ensinamentos e passava-nos o desejo de que a sua promoção viesse de todos nós. Éramos pais dele, verdadeiramente", nota Agostinho Oliveira, mestre na formação de jovens talentos.
"Fazia coisas com a bola que ninguém pensava e era brincalhão. Isso ajuda à integração. Os colegas levavam-no a passar fins de semana com eles e estava sempre no clube. Era apanha-bolas nos seniores ou nos jogos de juniores e os mais velhos tratavam-no como uma mascote", termina Carlos Mangas.
Mandava os outros correrem por ele
Numa academia, os jovens são integrados numa rotina diária com outros adolescentes e lá amenizam a saudade de casa. Pote viveu de forma diferente. "Veio para casa de uma senhora que acolhia os miúdos. Aliás, ficar a viver com uma família convenceu os pais. Até porque o Braga não tinha academia", conta Luís Ricardo. "Ele estava deslocado. Até por isso, o processo não foi nada fácil", revela Agostinho Oliveira.
"Toda a gente gostava dele. Mas era malandro quanto baste. Era um menino da aldeia. Nunca foi mal educado, mas fazia umas macacadas, até porque os mais velhos achavam piada às parvoíces dele", lembra o coordenador Carlos Mangas.
"Ele, às vezes, tirava do sério a senhora que o cuidava. Era o psicólogo do clube que geria essa situação. Também às vezes teve de ir à escola falar com os professores", adianta.
Com o passar da idade melhorou, revela Ricardo, treinador de Pote nos sub-17. "Era um rapaz muito vivaço. Não era um miúdo que criasse problemas na escola, mostrava sempre responsabilidade e não tinha grandes problemas nas notas", confessando depois onde tinha de dar uns berros ao atleta: "Entendia muito bem o jogo, mas tinha de apertá-lo porque na fase defensiva relaxava bastante. Gostava era de ter a bola no pé e mandava os outros correrem por ele quando era para defender [risos]. Tornou-se um jogador completo e foi uma surpresa vê-lo a defender tão bem como médio no Famalicão."
"Implicava muito tempo com ele porque desembrulhava as jogadas, mas não as tornava úteis. Dizia-lhe para transformar a qualidade individual na qualidade para a equipa", comenta Agostinho Oliveira quanto ao individualismo.
Quiseram mudar-lhe a alcunha
"Era redondinho, a primeira vez que o vi", recua mais de uma década Carlos Mangas, recordando que Pedro Gonçalves tinha uns quilinhos a mais. Quando Agostinho Oliveira se cruzou com ele, Pedro estava fisicamente mais apto. "Já não era tão gordinho, mas já vinha com o nome de Pote do Chaves. Tentámos corrigir isso, mas o nome até lhe assenta bem. Ainda bem que ficou."