Depois das passagens por Leixões, Académico de Viseu e Feirense, Vítor Martins abraçou o desafio do Torreense, também do segundo escalão. Numa entrevista a O JOGO, o treinador fez o balanço da última época, falou do longo castigo, que ainda está a cumprir, e explicou o que fez aceitar este desafio.
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O que o levou a aceitar o convite do Torreense?
—É um projeto muito bem estruturado, que me fez sentir seguro nas ideias e no perfil. As coisas estão bem delineadas, sabe-se o caminho que tem de ser percorrido, e isso foi muito importante. Há o objetivo de jogar bom futebol, tal como o Torreense tem feito. Jogar o jogo pelo jogo, dar bons espetáculos, e isso também é muito importante para mim. Quero formar uma equipa que queira muito evoluir e ir para níveis diferentes. Se o jogador acha que está no máximo, não nos serve, tem de querer sempre mais.
Quando se soube que ia deixar o Feirense, ponderou outras possibilidades?
— Sim, houve outras possibilidades. Algumas mais específicas, outras apenas abordagens. Surgiram opções mais exóticas, mais aventureiras, mas procurei dar um passo de sustentabilidade. O Moreirense era uma das possibilidades, mas o Torreense apareceu com muita vontade e encaixou como uma luva no que planeava para a minha carreira. Foi uma decisão muito fácil, olhos nos olhos. Sinto que posso ser uma locomotiva para fazer crescer a equipa e alavancá-la para níveis diferentes.
O Torreense terminou a época no quinto lugar. A fasquia está alta?
— Numa equipa que fica em quinto lugar, que vem dando passos sustentados e que de ano para ano consegue superar-se, a fasquia está elevada, como é óbvio. Vamos com o propósito de continuar com bom futebol, extrair o potencial de toda a prospeção e scouting do Torreense para conseguirmos pôr a equipa num nível diferente. Não é só no futebol [sénior masculino] que o clube tem vindo a crescer. Ainda esta época ganhou a Taça de Portugal feminina ao Benfica. É o atual campeão da Liga Revelação, e quem segue o clube tem de sentir esse entusiasmo de querer fazer sempre mais e melhor.
Em termos de plantel, a equipa será parecida ou haverá maior investimento?
— O que posso garantir é que o Torreense vai ter um plantel competitivo. Está em posição de se reforçar e não de preencher vagas. Há muito critério na contratação e na avaliação do que foi feito. Conheço toda a II Liga e não vou cometer nenhuma inconfidência se disser que muitos dos jogadores mais interessantes em termos de potencial, idade e rendimento estão em Torres Vedras. Sabemos como são os mercados, a qualquer momento começa a mexer. Saia quem sair, teremos capacidade para restabelecer os lugares na mesma linha.
Levar o Feirense ao oitavo lugar foi um desempenho acima das expectativas?
— Acredito que sim, que possamos ter surpreendido algumas pessoas que nos colocavam como candidatos à descida. O Feirense fez um excelente campeonato, mas fica o sentimento de que poderia ter sido melhor. Mais do que o oitavo lugar, foi a qualidade de jogo apresentada, nem sempre com o resultado a transparecer isso. Dominámos muitos jogos, éramos a equipa com mais remates enquadrados, mas a bola não entrava. Sentia-se que iríamos para níveis diferentes. Uma equipa que tinha jogado o play-off de permanência no ano anterior, inicia sempre a época com algumas dúvidas e sobressaltos, até porque não se fez uma mudança tão drástica no plantel. Senti desde a primeira hora que seria diferente, porque vi toda a gente focada. A nível individual, vários jogadores fizeram as melhores épocas de sempre e hoje são mais apelativos para o mercado.
E recusou a renovação porquê?
— A pessoa que mais lutou por mim [Tiago Calisto] saiu, não havia espaço para me manter. Custa-me pelos jogadores e pelos adeptos, mas é um ciclo que se fecha. Vou sentir saudades do Marcolino!
“Até dizia que éramos gangsters”
Depois do jogo de Paços de Ferreira, Vítor Martins foi castigado 113 dias, assim como Banjaqui e Nile John, ambos com 65 dias. A 15 de fevereiro, após a vitória em Paços, o Feirense perdeu dois jogadores influentes, assim como o treinador, punição que Vítor Martins não compreende.
Os castigos de Nile John e Banjaqui, assim como o seu, foram uma grande contrariedade?
— São difíceis de entender. Até brincava e dizia que éramos uns gangsters. Que fizemos de tão grave para ter um castigo exemplar desta magnitude, que nunca se viu? Repetiram-se, jornada após jornada, situações semelhantes, em que os castigos foram claramente diferentes, mais adequados, mas os nossos saíram do padrão. Não vou dizer que não custa, e que não foi um processo difícil. Muita gente que anda no futebol mostrou-se solidária, assim como o Feirense, o que ajudou a ultrapassar tudo aquilo. O certo é que dois jogadores ficaram sem competir e perderam o final de época. Tirei o Nile de uma confusão e fui considerado agressor. Não somos criminosos, somos gente séria e de trabalho. Ninguém agrediu ninguém. Quero continuar a ter uma boa relação com todos os intervenientes do jogo e vou levar a verdade comigo para todo o lado.
A outro nível: a saída do João Costa no mercado de janeiro para o Estrela da Amadora foi uma prova da valorização de ativos?
— Foi uma das provas, e poderá haver mais saídas. Perdemos uma das principais figuras da equipa e ficámos muito contentes pelo passo que deu na carreira, jogando na I Liga, num [clube] histórico. Faz parte do que é o caminho natural do futebol. Depois da saída do João, fomos buscar o Lucas, já tínhamos o Pedro Mateus e ficámos muito seguros também.
Pinto da Costa foi perda dolorosa
A meio da época, Vítor Martins perdeu o sogro, Jorge Nuno Pinto da Costa. Apesar de ter sido um momento doloroso, não deixou que essa dor interferisse no seu trabalho. “São perdas muito difíceis. É um familiar, alguém muito próximo. Além de sogro, era o pai da minha esposa, o avô dos meus filhos. São momentos que ninguém quer passar, e que custam muito. Aqui, um bocadinho mais agravado por todo o mediatismo, mas sabemos que é alguém que, noutro plano, continua a olhar por nós e a torcer. Temos de ir honrando o bom nome e todo o legado que nos deixa”, vincou o treinador, admitindo: “Nunca passei isso muito para dentro do meu trabalho, é a vida pessoal”.