A história de um projeto inacabado: deficiências, virtudes e planos de Sérgio para Nakajima
Episódio de Portimão teve muito a ver com o segundo golo sofrido, mas não só. Transição defensiva e dificuldades na pressão em causa. Aulas diárias de português para ajudar na assimilação de conceitos
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A reprimenda pública de Sérgio Conceição a Nakajima no final do triunfo suado em Portimão (3-2) acabou por se manter na ordem do dia de ontem, segunda-feira, entre as reações de quem tentou explicar aquilo de que o treinador se queixou e os outros que condenaram o comportamento do técnico sobre o jogador, a merecer, aliás, a intervenção de jogadores mais antigos, como Otávio, Corona ou Pepe.
O treinador sabe que o japonês tem qualidades únicas que podem valer pontos e quer rentabilizá-lo, mas exige maior rigor defensivo e uma atitude competitiva à Porto
Em resumo, a relação entre Sérgio Conceição e Nakajima pareceu beliscada, mas só o tempo esclarecerá que papel pode o japonês vir a ter no FC Porto. Sérgio quer potenciar aquele que é, à proporção, o maior investimento da história do FC Porto: 12 milhões de euros por metade do passe. E não desiste de o rentabilizar, até porque lhe reconhece virtudes ofensivas capazes de desequilibrar e ajudar a ganhar alguns jogos. Shoya é um dos melhores rematadores de meia/longa distância do FC Porto, por exemplo.
Mas o treinador não admite alguns comportamentos do jogador, especialmente em momento defensivo. Será na aprendizagem dos mesmos que Nakajima tem de apostar forte para ser opção regular. E isso ficou claro para o jogador no último domingo.
A transição defensiva é a maior dificuldade que Sérgio detetou em Nakajima. O treinador não vê o extremo como um bom defensor, mas em momento de defesa organizada, este já vai conseguindo dar conta do recado. O principal problema é mesmo o instante da perda de bola no ataque e a necessidade de começar logo a defender.
O extremo participou em três dos sete jogos disputados pelo FC Porto, num total de 131 minutos, 90 deles na derrota caseira contra o Krasnodar
Sérgio não gostou que Nakajima tivesse deixado Anzai subir com facilidade sem baixar para lhe fechar os caminhos, nem perdoa que em muitos outros ataques rápidos do Portimonense, Nakajima tenha demorado a recuperar e às vezes sem ocupar os espaços previamente designados. No lance do segundo golo do Portimonense, não foi só a lentidão a recuperar, mas a dificuldade em fechar o espaço central, tendo em conta que Alex Telles já havia fechado a linha. Anzai acaba por passar, numa segunda fase, mesmo à frente de Naka antes de rematar.
Tudo isto esbarra na exigência do treinador, que também lhe aponta a dificuldade em pressionar, ora na intensidade, ora no local e adversários certos. O primeiro golo do Portimonense começou dessa forma, embora a jogada se desenrole com muitos outros "culpados".
Há mais, como as perdas de bola em zonas proibidas (frame 2), mas a transição defensiva e a pressão são, claramente, aquilo que mais desagrada a Conceição. É também isso que o tem afastado das primeiras opções. Convém recordar que, contra o Krasnodar, com o ex-Al Duhail em campo, as coisas também não correram propriamente bem aos azuis e brancos.
Atitude à Porto para adquirir
A irritação de Sérgio teve como base precisamente a dificuldade em compreender alguns momentos do jogo, mas também aquilo que o treinador entendeu como falta de atitude competitiva, apurou O JOGO. Sérgio não gostou, por exemplo, de que Nakajima não tivesse sido efusivo a celebrar o golo do triunfo como, aliás, toda a equipa o fez.
E entende que lhe faz falta perceber que está numa equipa grande que não admite perder, o que não sucedia no Portimonense e muito menos do Al Duhail, do Catar, país em que na maior parte das vezes as bancadas estão vazias. Além disso, em clubes menores, a importância de Shoya e a quantidade de golos que saíam dos seus pés permitiam veleidades a outro nível.
A adaptação do jogador é, por isso, cada vez mais urgente. Convém relembrar que, desde que Nakajima começou a época, já esteve quase três semanas no Japão, primeiro para assistir ao nascimento da filha, estadia que teve de prolongar após complicações da mulher pós-parto, depois para representar a seleção nacional. E isso reduziu-lhe bastante o tempo de aprendizagem. Na prática, Conceição teve apenas quatro semanas completas de trabalho, sem jogos a meio.
É nesses que mais e melhor se pode trabalhar. Nakajima faltou a três. Para o treinador campeão nacional em 2017/18, a qualidade individual do jogador faz valer a pena a insistência. O asiático tem qualidade técnica acima da média, remata melhor do que praticamente todos os outros jogadores e tem rasgo para resolver jogos encalhados. Mas, para estar em campo, tem de participar em toda a dinâmica coletiva e essa obriga a defender mais e melhor.
Aulas diárias de português para ajudar
À margem de todo este processo, o jogador está a ter aulas praticamente diárias de português. No Portimonense trabalhava com tradutor em campo, durante os treinos, pelo que o portista nunca sentiu a necessidade de se expressar e compreender. Ao assinar pelo FC Porto, ainda em julho, percebeu que era obrigatório falar e o clube agilizou-lhe aulas praticamente de imediato.
Conceição não admite qualquer corpo estranho à equipa em campo, pelo que Nakajima tem de perceber sozinho e fazer-se compreender. O português e o japonês não têm qualquer ponto de contacto e isso dificulta, bastante, a assimilação de conceitos e a expressão das dúvidas. Treinador e jogador comunicam em inglês, mas a transferência de conteúdos nunca será tão fácil como quando o jogador falar português razoavelmente.