A expulsão de Luis Díaz foi o impulso para a derradeira celebração, dividida entre o autocarro e um arraial numa fábrica perto de Coimbra.
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Terminar a época mais longa e atribulada de sempre com uma dobradinha só podia resultar nisto: um extravasar de emoções que tomou conta dos jogadores do FC Porto, dos mais tranquilos aos mais extrovertidos.
"Sofrimento" foi uma palavra repetida na viagem de autocarro até à Carlos Nunes & Irmãos Limitada (CNI), uma fábrica de equipamentos hoteleiros, em Condeixa, que acolheu um autêntico arraial dos portistas madrugada fora.
Pode parecer estranho, mas é uma tradição de Sérgio Conceição, que desde os tempos em que treinava o Olhanense por ali parava para uma refeição organizada por grandes amigos. "Os jogadores que foram treinados por mim sabem da grande disponibilidade desta gente. Aquilo que apreciamos é a humildade e a forma de estar e de nos receber, é fantástico", afirmou o treinador ao microfone do Porto Canal. "Já estou a dar confiança a mais. Entrevista ali o engenheiro [Luís Gonçalves]", atirou Sérgio, divertido e sorridente. No piso superior do autocarro, por entre conversas com a família e momentos de introspeção, sobressaía uma certeza: a expulsão de Luis Díaz, aos 38 minutos, foi a gasolina para a vitória. "Unimo-nos mais e conseguimos fazer os golos. E essa é a força desta equipa, sem dúvida", vincou o capitão Danilo, muito sereno e com agradecimentos "para o staff que trabalha no Olival, até os senhores dos relvados". "Não nos vamos esquecer dessas pessoas."
Também Tiquinho Soares garantiu que a equipa saiu do balneário para a segunda parte com a "certeza" que ia ganhar o jogo. "Unimo-nos cada vez mais", repetiu o avançado, que nem ouvira o que Danilo dissera momentos antes, por estar a conversar com familiares no Brasil. Mais para a traseira do autocarro, uma espécie de velha guarda: Alex Telles, Sérgio Oliveira, Pepe e Casillas... e Manafá ali ao lado, um dos mais tranquilos. Por oposição, Corona e um diálogo desconcertante. "Eu quero uma cerveja! Não quero entrevista, quero uma cerveja, depois falamos." "É merecido", perguntaram. "Claro que é merecido, f... depois de tudo o que nos roubaram", atirou, indiferente ao aviso de que estava em direto: "Não importa..." O mexicano ainda ensaiou o início daquele cântico anti-Benfica, mas a velha guarda mudou-lhe a rota e Sérgio Oliveira deu-lhe um desconto: "Deixa estar, dói-lhe as costas. Transportar isto tudo às costas... também estava na hora de aparecer!"
A cerveja sabia-lhes pela vida, mas rapidamente atacaram a comida na mesa que os esperava na zona de cargas e descargas da CNI. Comida e bebida para dentro, toda a tensão acumulada em 12 meses para fora. Foi uma mistura de copo de água de casamento com arraial de São João: músicas do FC Porto, música popular portuguesa, um comboio iniciado por Sérgio Oliveira com a taça na mão, e muita dança, com Conceição, que contou com a companhia da esposa e de quatro filhos (um deles, Francisco, revelaria depois que o pai prometera a conquista quando perdeu há um ano), a mostrar dotes até então desconhecidos. Até o artista apareceu: Soares deixou todos sufocados em gargalhadas e a vítima só podia ser o herói da final, Mbemba. O brasileiro pegou no microfone e imitou o congolês a falar, com parecenças demasiado divertidas, antes de lhe pregar uma partida: começou a cantar "You"re Beautiful", de James Blunt, numa espécie de inglês macarrónico, e Mbemba acabou encharcado com água. Enquanto isso, a 17.ª andava de mão em mão, e as crianças dos anfitriões desfrutaram de um meiinho com alguns dos mais jovens do plantel, que nem ali dispensaram a bola.
Antes de muitas fotografias para gravar uma noite inolvidável, a comitiva seguiu viagem por volta das 3h00 para chegar às 4h30 ao Dragão, onde cerca de 200 adeptos resistiram ao sono para receber os campeões nacionais com potes de fumo e cânticos. A Taça, que não fazia esta viagem há nove anos, entrou pelo P1 colada ao vidro da frente.