Estrela FC, emblema de Vendas Novas, é o clube com menos pontos, com o pior ataque e a pior defesa dos campeonatos nacionais. Realidade é difícil num plantel “completamente amador”
Corpo do artigo
Pior ataque, pior defesa e pior registo pontual nos campeonatos nacionais: é essa a realidade do Estrela FC, emblema de Vendas Novas, que só tem um ponto na Série D do Campeonato de Portugal. São dez derrotas em 11 jogos, oito delas consecutivas e o único triunfo foi na Taça de Portugal, nos Açores, frente ao Madalena. Serginho, 42 anos, é o mais experiente do plantel e a O JOGO deu a conhecer o reverso da medalha de quem tem de lidar permanentemente com o insucesso.
“De fora, pode parecer um fiasco o que estamos a fazer, mas internamente sabíamos que íamos ter uma época muito complicada”, começa por explicar. “Fomos campeões da AF Évora, mantivemos a maior parte do plantel, reforçámos com alguns jovens do Distrital. Temos o Hélio Vaz, que partiu a perna na pré-época e que nos podia ajudar muito. Entretanto, já saíram quase todos os reforços, estamos há dois meses a treinar com 12/13 jogadores e meninos da equipa B; não é fácil competir contra clubes com SAD e investidores”, acrescenta.
No plantel orientado por Cipriano Madeira há personal trainers, administrativos, trabalhadores nas obras ou em casas de rações e... o pescador Serginho. “Tenho semanas que durmo uma média de duas a três horas por noite. Levanto-me às 3 da manhã, vou treinar pelas 20h00, chego pelas 23h00 e nunca adormeço antes da meia-noite”, revela. “Cansaço? Quem corre por gosto não cansa. Na véspera do jogo descanso mais e melhor. Aos 42 anos, tenho de fazer uma vida regrada. Faço bastante treino invisível para estar bem”, sublinha.
Segundo o avançado, o orçamento do Estrela FC ronda os seis mil euros mensais contra “15 a 20 mil euros” de quem também está a lutar para não descer. “Vamos tentar reforçar-nos em janeiro, mas sou realista e [a permanência] é uma tarefa muito difícil”, admite. “Ainda agora, para o jogo no Barreiro, houve jogadores que levaram os carros. Isso não serve como desculpa, mas vamos com pedras contra tanques de guerra. No entanto, já ganhei com pedras a porta-aviões”, lembra. Evitar a descida é um “milagre” a tentar, mas nada que seja catastrófico. “Se descermos, para o ano vamos lutar por outros objetivos. Os diretores e o staff também se dedicam em part-time e dão a cara por nós. Por isso, vamos com o que temos com dignidade máxima. Representamos a cidade com orgulho e afinco”, termina.
Lesão grave levou-o a optar pela pesca
Serginho deu nas vistas em duas épocas no U. Leiria (2012/13 e 2013/14), mas, na última delas, sofreu uma lesão meniscal que o acabou por atirar para fora dos relvados durante 17 meses. “Estávamos a disputar a fase de subida e pediram-me para aguentar, para ajudar a equipa. Entretanto, fui operado, mas, mesmo assim, renovaram comigo. Só que a operação correu mal, o médico deu-me um toque na cartilagem e estive 17 meses sem jogar”, recorda. Foi aí que o “pós-futebol” começou a pesar na cabeça, assim como o rendimento que podia tirar noutra atividade. “O meu irmão tem um barco e, nessas férias, quando estava em recuperação, fui experimentar com ele e percebi que ganharia mais dinheiro na pesca do que no futebol no patamar do Campeonato de Portugal. Entretanto, fui pai e assim tenho-me mantido pela pesca no Tejo”, explica.
O atacante está a cumprir a nona época em Vendas Novas (a quarta consecutiva). “É o clube da minha zona, mais perto de casa e que sempre me deu as melhores condições. Sempre que não me correu bem noutro clube, voltei ao Estrela para ganhar ânimo e recuperar forças”, sublinha ainda.
Apesar de ser amador, a preparação continua a ser moldada por princípios de um profissional. “Não é qualquer um que tem rendimento na minha idade. Cheguei a ser treinado por Jorge Jesus, Carlos Manuel, Bizarro, Toni Pereira e tive um treinador que me dizia que profissionais eram aqueles que trabalhavam oito horas por dia e depois disso ainda iam treinar como leões ao fim do dia”, comenta o avançado.