A dança de treinadores vai animar e fora dos bancos há muita gente ilustre que colecionou troféus sem que isso seja garantia de abertura de portas. Ou das portas que interessam...
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O que vale no mercado de trabalho corrente um troféu no currículo de um treinador? Não existe uma resposta objetiva para isso, mas há 66 motivos válidos para desconfiar que talvez não valha de grande coisa.
André Villas-Boas disse que o mercado de treinadores está saturado, muito virado para a procura de novos talentos (Portugal é o segundo dos seis campeonatos mais importantes com média de idades mais baixa, só atrás da Alemanha) e alguns técnicos com provas dadas estão sem projetos. Afinal, o que vale ter currículo?
É esse o somatório de títulos que faz parte do currículo de uma longa lista de técnicos portugueses atualmente no desemprego, ou oficialmente a caminho disso, como são os casos de Paulo Fonseca e Luís Castro, mesmo que essa condição possa ser anulada a curto prazo, num mercado que começa a agora a acertar agulhas para a próxima época.
De momento, considerando apenas títulos de escalões principais (com a exceção da Youth League, conquistada por Mário Silva, e contabilizada aqui por ter notório reconhecimento internacional), 66 títulos não deram a estes treinadores acesso sem interrupções a emprego garantido. Mas, importa sublinhar que, neste contexto de desemprego, mais ou menos prolongado, há camadas a levar em conta, entre as quais o facto de muitos deles fazerem da pausa uma opção. À espera de melhores projetos, presume-se.
Bem cotados por cá e também internacionalmente, Leonardo Jardim e Marco Silva, por exemplo, passaram a época que agora termina sem projetos. Estão ambos já num longo período de inatividade, e desconfia-se que não por falta de propostas. Leonardo Jardim serve de exemplo para juntar outro detalhe importante, porque fez parte substancial de um dos campeonatos que o Olympiacos ganhou, mas já não estava no banco quando foi matematicamente confirmado.
Há outras passagens episódicas de portugueses que viriam a resultar em troféus - o mais importante foi a Champions do Chelsea que teve Villas-Boas no arranque - que também não foram creditados aqui. E importa frisar a situação específica de Rui Barros, cuja experiência de banco se circunscreve ao FC Porto, primeiro numa transição da equipa principal que deu troféu e depois nos bês. É um facto que já não está a treinar, mas, tecnicamente, também não está desempregado, porque, com outras funções, continua integrado na estrutura portista. E não deu sinais de que a carreira nas funções noutros projetos esteja nos planos.
O critério da idade
Mais título, menos título, as provas objetivas de competência, em diferentes latitudes, são incontestáveis, como se verifica na listagem detalhada ao lado, nem todos com a mesma visibilidade ou importância, é verdade, mas a balança objetiva dos números pesa-os da mesma forma. E, sendo verdade que a carreira de treinador não tem um prazo de validade, foi acrescentado outro critério claro de idade na pesquisa, porque há muitos ex-treinadores que continuam de boa saúde, não se retiraram oficialmente e podia parecer estranho não os encontrar aqui: optou-se por limitar a pesquisa a técnicos ainda dentro da idade de reforma oficial de um trabalhador comum em Portugal - que é de 66 anos e seis meses, em 2021. Augusto Inácio (completou 66 anos no final de janeiro) garantiu, assim, entrada na listagem.
O alerta de Villas-Boas
A idade foi precisamente um dos reparos feitos por André Villas-Boas no alerta que fez durante a última semana sobre a atual situação que vivem muitos técnicos portugueses, alerta que, de resto, serviu de pontapé de saída nesta pesquisa.
"O mercado do treinador está inundado, os clubes apostam cada vez mais em jovens"
"O mercado do treinador está inundado, os clubes apostam cada vez mais em jovens" - entre os seis campeonatos europeus mais bem cotados, Portugal tem a segunda média de idades mais baixa (49, 4 anos) entre os técnicos no ativo, registo apenas superado pela Alemanha (47,05).
"O paradigma que estamos a atravessar não é bom, com muitos treinadores portugueses fora de projetos desportivos"
Mas Villas-Boas, de 43 anos, que até tem um projeto de vida que passa por se reformar cedo, não se ficou por aqui no reparo: "Era um bom momento para a ANTF [Associação dos Treinadores] nos juntar, o treinador português tem uma marca no futebol europeu. O paradigma que estamos a atravessar não é bom, com muitos treinadores portugueses fora de projetos desportivos. Seria um toque de atenção para os mesmos, não é fácil juntar-nos todos para discutir, mas é um alerta. Fomos a referência no futebol europeu, mas o paradigma está a mudar."
Vem aí dança de cadeiras
É uma questão de dias, talvez até horas, para que esta lista sofra retoques. Nos dois sentidos. Entre estes ilustres desempregados com títulos no bolso há movimentações para um regresso imediato às lides, sendo o caso de Bruno Lage o mais evidente: é o mais provável sucessor de Nuno Espírito Santo no comando do Wolverhampton.
A dança de cadeiras, porém, afetará previsivelmente outros emblemas. Dos quatro primeiros da Liga NOS, apenas o FC Porto mantém um cenário indefinido. Todos os outros têm contratos firmados. Dois deles, Jorge Jesus e Carlos Carvalhal, até disputam hoje o troféu que encerra a temporada.
Franceses são os mais experientes
É em França que se verifica a média de idades mais elevada entre os treinadores do top-6 das ligas europeias, com 55,2, anos. Na Alemanha [ver peça ao lado] predomina a juventude (média de 47, 05), seguida de Portugal (49,4). Curiosamente, o rácio na Liga SABSEG é ainda mais baixo: 45,3 anos.
Ingleses gostam de ex-jogadores
André Villas-Boas afirmou que os clubes apostam "cada vez mais em jovens", mas também em "mais ex-jogadores de futebol". A Premier League tem 19 ex-jogadores profissionais de futebol entre o quadro de treinadores, e só Brendan Rodgers (Leicester) foi amador. Curiosamente, a Liga NOS tem vários sem passado como jogadores profissionais: Julio Velázquez (Marítimo), Miguel Cardoso (Rio Ave), Manuel Machado (Nacional) e Vasco Seabra (Moreirense).
Portugueses em alta cá dentro e não só
Rúben Amorim ganhou a Taça da Liga e a Liga NOS, Sérgio Conceição levou a Supertaça, Pedro Martins foi campeão na Grécia, Abel Ferreira levantou a Taça dos Libertadores e a Copa do Brasil e José Morais festejou a a Liga e a Taça da Coreia do Sul mas pode garantir também o campeonato da Arábia Saudita. E ainda falta o treinador português que vai ganhar a Taça de Portugal, hoje.
Quatro exceções fora dos grandes
Há quatro treinadores desempregados - e longe da idade da reforma - com títulos conseguidos fora da esfera de FC Porto, Benfica, Sporting e Braga. Rui Vitória ganhou uma Taça no V. Guimarães, Pacheco foi campeão no Boavista, Sousa deu a prova-rainha ao Beira-Mar e Inácio levou uma Taça da Liga para o Moreirense.