39.º Aniversário d' O JOGO| Desporto sem limite de idade: uma nova lição de bem estar
39.º ANIVERSÁRIO D'O JOGO - No dia em que assinala o 39.º aniversário, O JOGO oferece-lhe uma edição especial, dedicada ao desporto sénior, que cresce a olhos vistos nas vertentes recreativa e de competição, tornando-se um elo de boas práticas decisivas até para a saúde pública
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Os ganhos à vista no Desporto Sénior e o impacto do Walking Football. José Soares explica muitos dos benefícios que podem ser encontrados, embora ainda veja o número de praticantes como uma gota no oceano. Competências cognitivas e sociais encaradas como vitais.
Comemorando o 39º aniversário, O JOGO debruça-se de forma especial nesta edição sobre a proliferação de atividades ligadas ao Desporto Sénior, destacando-se o Walking Football como fenómeno em voga. Fintando as amarras da vida ou garras do tempo... proporcionando uma segunda juventude, o Walking Football veio cimentar a modalidade com outra beleza e profundidade, sem ditaduras táticas ou obsessão de resultados. É o bem-estar que está em jogo, os afetos, a camaradagem, um princípio coletivo que é essência de qualquer prática desportiva.
Numa conversa com José Soares, professor da Faculdade de Desporto da Universidade do Porto (FADEUP) e autor do livro Running - muito mais do que correr, um “manual completo”, com ligações diretas ao futebol como fisiologista do Boavista e da Seleção Nacional - procurou-se o detalhe das mais-valias associadas ao Walking Football.
“Todas as atividades que impliquem qualquer pessoa deixar de estar sentada são altamente recomendáveis. Os 30 minutos de exercício não chegam quando se chega a determinada idade e a tendência é a maioria do dia ser passado sentado ou deitado. Para quem não faz nada, correr ou caminhar pode parecer aborrecido, pois lidam com excesso de peso ou problemas articulares. Se puderem participar em algo deste género vão buscar benefícios cardiorrespiratórios, musculares, de coordenação e equilíbrio”, sustenta José Soares, fazendo sobressair as vantagens mais determinantes, pois mentes mais arejadas prometem ser mais duradouras.
“O mais importante é ainda a componente de reforço da capacidade cognitiva, pois o exercício puro de correr, de nadar, aumenta a produção de substâncias a nível cerebral, enriquecedoras do nosso nível cognitivo. Melhora atenção, criatividade e memória e ajuda a reparar ultra-micro lesões que se vão formando pela idade e pelo sedentarismo. É algo que melhora funções e atrasa a demência precoce”, argumenta José Soares, procurando definir grupos de riscos, que devem acudir a estas tendências.
“A ideia é levar isto a quem não teve hábitos de exercício. Temos uma taxa de penetração em ginásios muito baixa. E quem lá anda, por norma, não precisa. Faltam os obesos, hipertensos, diabéticos. Temos um problema generalizado: quando se reformam as pessoas têm tempo, mas quando têm tempo não têm vontade. Se o Walking Football ajudar essas pessoas, é uma vitória”, reclama o académico, partilhando outra ideia.
“Temos de juntar outro aspeto vantajoso, os contactos sociais, que são uma riqueza enorme. Não é só tratar o coração, a massa muscular, o aspeto respiratório, as defesas e a saúde mental. As competências sociais determinam muito o nosso futuro, pois com a reforma, perdem-se colegas de trabalho e há isolamento. O desporto sénior pode ser rico nestas variáveis”.
Medicamentos fora de jogo
Projeto na AF Porto do Walking Football apela ao exercício físico e tem praticantes com 90 anos!
Com a envolvência de 500 praticantes e com a colaboração dos municípios de Amarante, Marco de Canaveses, Gondomar, Porto e Gaia, a AF Porto e a FPF desenvolvem o projeto piloto do Walking Football. “É importante não parar. Somos um país que consome medicamentos em excesso, porque a nossa atividade física é diminuta. Estamos na cauda da Europa em termos de prática de exercício físico”, aponta José Manuel Neves, presidente da AF Porto.
Esta iniciativa procura, acima de tudo, contribuir para que os “medicamentos fiquem fora de jogo”, como resume o líder da AF Porto. “Pretendemos que esta seja uma prática de medicina preventiva, nomeadamente no combate à diabetes, arteriosclerose e outras doenças associadas à terceira idade, pois temos praticantes com idades que variam entre os 50 e os 90 anos. Temos verdadeiras surpresas a praticar esta modalidade e muitas mulheres”, sublinha.
Este projeto está a superar “as melhores expectativas” e a cumprir os objetivos inicialmente traçados. “O nosso objetivo é pôr as pessoas numa idade sénior a praticar exercício físico condizente com as suas idades. As nossas instituições tendencialmente não fazem exercício físico. Estão muito voltadas ao isolamento. Queremos que as pessoas sejam muito ativas, menos individualistas, tenham mais trabalho em equipa, aproveitando para uma sã convivência e camaradagem”, conta José Manuel Neves.
A pretensão da AF Porto é levar o projeto aos 18 municípios do distrito do Porto no inicio da próxima temporada, em setembro. “A construção da nossa academia será uma âncora também para receber esta modalidade”, refere.
No próximo sábado, em Gondomar, no segundo torneio organizado pela maior associação de futebol do país - terá a colaboração dos cinco municípios que se associaram ao projeto - estarão presentes Instituições Particulares de Solidariedade Social, universidades seniores, instituições da Santa Casa da Misericórdia, juntas de freguesia e os clubes filiados da AF Porto.
Rio Tinto foi palco do primeiro torneio
Numa organização exclusiva da AF Porto, o primeiro torneio decorreu no campo do Sport Rio Tinto e contou com cerca de 100 praticantes. O próximo será no sábado, em Gondomar, envolverá 300 participantes e terá a colaboração dos municípios de Amarante, Marco de Canaveses, Gondomar, Porto e Vila Nova de Gaia.
Saúde física e muito fair-play
Projeto do Farense gera muito orgulho. Miguel Serôdio rendido à partilha com jovens de 70... Pedro Gonçalves foi mentor do projeto do Farense, que tem competido no Algarve com equipas do Reino Unido e Espanha. Antigo central dos leões de Faro também já se juntou ao Walking Football.
Para quem tem mais de 55 anos, este é o momento de tomar uma decisão, sem lugar a exclusões: homens e mulheres comungam do gosto em conjunto. O Walking Football acautela a saúde, física e mental, e a inclusão, libertando a mente das angústias, do isolamento ou do sedentarismo. É um envelhecimento leve e ativo que promove sorrisos e redescobertas, e convívios sem o pecado da gula. Sem jogo aéreo, carrinhos ou acrobacias, mesmo que a entrada neste mundo seja um genial pontapé acrobático. Transformador e revelador.
Iniciado no Reino Unido, o Walking Football foi ganhando força em Portugal e já nos visitam alguns exemplos encorajadores, que exibem na perfeição o ponto de contacto entre a promoção e a aceitação. Os praticantes têm subido em flechas e vários clubes, animados pelas associações, têm sabido alistar-se neste meio.
No Algarve, é o Farense tem sido um motor e bandeira da modalidade. Pedro Gonçalves explica-nos os alicerces. “Partiu-se da experiência de um grupo de amigos, onde estavam dois diretores do Farense. A envolvência foi crescendo e fomos convidando pessoas no boca a boca. Somos hoje 38 jogadores no ativo com dois treinos por semana. Os horários é que são difíceis, pela carência de campos”, relata Pedro Gonçalves.
“Existe a condição obrigatória de serem sócios do clube e do pagamento suplementar de uma quota para fazer face a custos dos campos”, junta o diretor, dando conta dos contornos da missão.
“Sabemos que a AF Algarve está a preparar um campeonato regional e já estamos inscritos. Nos torneios organizados no Algarve temos sido a única equipa portuguesa. Temos amantes do futebol, que procuram atividade e alguma competição, respeitando o fair-play e cuidados físicos, pois há regras que protegem a integridade de cada um”, explica Pedro Gonçalves, admitindo que existe o rótulo ‘jogo de velhos’.
“Temos escalões etários que compreendem os 50-60, os 60-70 e depois os mais de 70”. Otimista, Pedro Gonçalves traça conclusões. “No Algarve está a ter um desenvolvimento acentuado, que se prende também com o envolvimento de comunidades estrangeiras na região, que têm uma legião de praticantes o que faz aumentar o número de inscrições. Envolvem-se centenas de jogadores e muitos familiares. Há equipas do Reino Unido e da Espanha. O Farense, por sua vez, já foi a Bilbao e têm surgido outros convites. Acreditamos muito no potencial do campeonato que está por chegar”, revela, paradigmático sobre o êxito alcançado, sem depender de golos em balizas de três metros de largura por um de altura.
“O sucesso começa no adequar da atividade às idades, faz milagres em termos mentais, no que eram convívios perdidos. O jogo assenta em receção e passe com máximo de três toques por jogador, pede mobilidade e alguma técnica. Estamos orgulhosos de que o Farense seja hoje um clube que vai dos 4 aos 75 anos...”, atira, descrevendo uma equipa com médicos, enfermeiros, bancários, gestores, empresários e reformados. E também antigos símbolos do Farense, como Manuel Balela e Miguel Seródio. Este, antigo central, hoje a treinar o Olhanense 1912, anda rendido.
“É algo seguro e saudável para todas as idades, criando em cada um vontade enorme de ganhar e conviver dentro do futebol. Regenera a parte física, mental e psicológica. Adoro ver estes jovens de 60 e 70 partilharem esta alegria do futebol, sem nunca terem jogado. Pratiquem! Fazem novos amigos e preservam a saúde. E não é fácil, não se pára um segundo.”
“Sensação útil e viciante”
Também em Aveiro, a modalidade tem avançado depressa com esforços da associação, por nós testemunhados, a partir do AD Taboeira. Numa conversa com Jaime Paulo, fomos atrás de mais sensações. “Do desafio lançado pela AF Aveiro nasceu o projeto e somos hoje nove homens e oito mulheres com idades que vão dos 52 aos 72 anos. Fomos escolhidos para representar o distrito na cidade do futebol, em julho passado. Temos treinos semanais, um ou dois, conforme disponibilidade de campos, porque o Taboeira tem cerca de 400 atletas de formação e 18 equipas entre vários campeonatos”, relata Jaime Paulo, elogiando o trabalho concertado a nível superior, junto de escolas e autarquias, em prol do dinamismo do Walking Football.
“Destaco, como vertentes deste jogo, o bem feito à saúde e o facto de ser viciante, não negando outro dado importante, que é a sensação de sermos úteis. Vemos a prática prosperar e espero que, em pouco tempo, possamos falar de muitos mais praticantes”, perspetivou.
“Os atletas têm de fazer vários exames, eletrocardiograma, prova de esforço. Há cuidados imperiosos com a saúde e é gratificante estarmos na vanguarda com uma média de 64 anos. Temos na equipa um antigo profissional do Boavista e uma atleta que representou o Estrela Azul de Cacia e que foi vice-campeã nacional.”