Reciclou garrafas e jogou ao lado dos vizinhos armados: a história de um prodígio alvo do Sporting
Potencial reforço do Sporting através da parceria firmada com os citizens não renega às raízes num dos bairros mais problemáticos dos subúrbios de Buenos Aires. Agora, tem Alvalade e...Manchester no horizonte.
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O "Barrio Ejército de los Andes" é um complexo de edifícios nos subúrbios de Buenos Aires, a poucos quilómetros da capital argentina. É conhecido popularmente como "Fuerte Apache" e não é fácil caminhar pelas suas ruas estreitas. É o sítio onde nasceu Carlos Tévez, a grande referência dos seus habitantes. E há alguns anos começou a surgir um sucessor para o capitão do Boca Juniors. Um jovem habilidoso e atrevido, hoje já com 18 anos, que, apesar da sua tenra idade, já se misturava com os mais velhos nos jogos quentinhos do bairro nos quais se jogava a dinheiro. "O bairro dá-te um pouco de calo e fome, o querer ser ganhador. Também vês coisas más. Havia pessoas a fumar ao meu lado e outras a andar pela rua de pistola na mão", contou há tempos Thiago Almada, o futebolista do Vélez que pode ser o próximo reforço do Sporting pela mão de uma proposta do Manchester City.
Os primeiros passos do "Guayo", como o conhecem em Fuerte Apache, foram dados no Santa Clara, o mesmo clube onde começou Tévez. Os vizinhos juntavam-se para ver Thiago a jogar. Também os treinadores de várias equipas o queriam contratar, mas ele não queria sair do bairro que hoje ainda visita quase diariamente, apesar de se ter mudado com os pais e os quatro irmãos para um apartamento em Liniers, perto do campo do Vélez. "O meu sonho é ser o próximo Carlos Tévez do bairro", confessou ao chegar à seleção argentina de sub-20, com apenas 16 anos. Já prometia ser um jogador distinto desde pequeno, a tal ponto que a Nike o patrocina desde os 12 anos. Os caminhos destes dois futebolistas estão tão alinhados pelo destino que o pai de Tévez é o padrinho do tio de Thiago e, dessa forma, várias vezes se cruzaram em eventos familiares nos quais o jogador do Vélez não deixava passar a oportunidade de tirar uma fotografia com a sua referência.
Referência, e não ídolo, porque esse estatuto especial tem-no reservado para Juan Román Riquelme, o 10 que observava para imitar e aprender. Criado numa família humilde, com a mãe, Lorena, que vendia roupa no bairro até se dedicar a cuidar dos filhos, e com o pai, Diego, que ainda hoje se levanta de madrugada para subir a um camião e entregar refrigerantes, Thiago sonha com a evolução profissional que sirva para mudar a realidade dos seus: "Não acredito que o meu "velhote" queira deixar de trabalhar, mas, pelo menos, espero poder ajudá-lo para que não tenha de acordar tão cedo." E foi precisamente Diego que lhe transmitiu a paixão pelo futebol: canhoto, lateral-esquerdo, fez a formação no San Lorenzo, ao lado do ex-leão... Leandro Romagnoli. Aliás, esteve mesmo em testes em clubes portugueses, mas não foi contratado. As necessidades levaram o "Guayo" a ajudar um vendedor ambulante a vender frutas e legumes pelas ruas de Fuerte Apache - "Ia com um carrinho de mão e tínhamos um megafone para gritar, depois as pessoas aproximavam-se e faziam as compras", contou Thiago - ou a juntar garrafas para trocar por dinheiro num centro de reciclagem para depois gastar no quiosque: "Comprava caramelos e refrigerantes".
Capítulo Vélez
Aos cinco anos vestiu pela primeira vez a camisola do Vélez nas escolinhas e rapidamente o seu nome começou a ser repetido no clube. O cartel de grande promessa sobrepôs-se ao seu físico mirrado que só começou a encorpar quando se juntou ao plantel profissional. Desde muito jovem tinha claro onde e como gostava de jogar: "A minha posição sempre foi de organizador, a distribuir jogo. Gosto de jogar com dois avançados à frente e eu mais encostado à esquerda, o que me deixa perfilado para rematar com o pé direito. Tento posicionar-me bem em campo e pensar rápido. Fixo-me nas costas do médio centro adversário e quando está fixo, atiro-me para as alas para ter mais mobilidade". A sua qualidade fê-lo saltar rapidamente etapas de formação. Ainda como juvenil, chegou à equipa principal: estreou-se a 10 de agosto de 2018, com apenas 17 anos, entrando contra o Newell"s para o lugar de Robertone, justamente o outro futebolista do Vélez que o Sporting tentou contratar neste mercado de transferências.
Isso aconteceu depois de Almada, que também admira Eden Hazard, ter integrado o restrito grupo de jovens jogadores que trabalhou com a seleção da Argentina - como convidado - e até viajou com esta para o Mundial da Rússia. O juvenil era o preferido de Jorge Sampaoli, selecionador naquela altura que, em privado, o apontava como a máxima promessa do futebol argentino. Gabriel Heinze (treinador do Vélez) promoveu-o gradualmente, primeiro no banco de suplentes, mas não tardou muito em dar-lhe a titularidade, e Thiago não demorou em demonstrar tudo o que dele se dizia e a confirmar os atributos que o apontam ao estrelato no futuro.
Subida e... saída
Na primeira titularidade (o seu quinto jogo) marcou dois golos a Defensa y Justicia. Não lhe pesou ombrear com os grandes devido ao seu atrevimento e desfaçatez, além de apoiar-se no seu drible para o desequilíbrio individual, a precisão para os passes em profundidade e a potência nas bolas paradas. Pelo meio, teve o desgosto de não ter ido ao Mundial de Sub-20. O técnico, Fernando Batista, levou-o ao Sul-Americano que se disputou em janeiro e foi ganho pelo Equador de... Plata, mas deixou-o de fora da viagem à Polónia, numa decisão que ninguém entendeu, dadas as qualidades de Almada. Essa ausência do Mundial, porém, permitiu-lhe continuar a somar minutos pelo Vélez, ser eleito uma das 60 promessas do futebol mundial pelo jornal "The Guardian" e entrar no radar de Pep Guardiola, olho clínico que pode trazê-lo para a Europa antes de completar um ano como profissional para ter uma escala em Lisboa.
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