Zé Carlos agrediu De Wolf nas Antas e o ambiente incendiou para Roterdão. Houve alerta de bomba, mas Pinto da Costa não avisou a equipa. No túnel, antes do jogo, por pouco não se chegou a vias de facto
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O FC Porto e o Feyenoord andam nisto das provas europeias desde o início, mas só por uma vez se cruzaram numa eliminatória europeia, no acesso à fase de grupos da Liga dos Campeões.
Domingos Paciência marcou um dos três golos mais bonitos da carreira ao Feyenoord, numa eliminatória da Champions de 1993/94 com muitas histórias que o próprio recorda
Estávamos no arranque de 1993/94 e Ivic era o treinador dos dragões. Nas Antas, Domingos Paciência marcou o único golo da partida já nos descontos, já depois de um holandês ter sido expulso e de o central Zé Carlos ter agredido De Wolf, que antes tinha aberto a cabeça a Kostadinov.
A viagem a Roterdão foi por isso tudo menos um passeio. O ambiente escaldante da "Banheira" tornou-se verdadeiramente infernal, as câmaras perseguiram o central portista, houve uma ameaça de bomba no hotel da equipa, no túnel apertado de acesso ao relvado por pouco não se chegou a vias de facto. Segurar a vantagem com unhas e dentes foi a tática de Ivic, que surpreendeu ao apostar num onze ultradefensivo, com quatro centrais de início.
O herói da eliminatória acabou por ser Domingos Paciência, que, a O JOGO, recorda alguns dos episódios mais marcantes que aconteceram há 26 anos.
"Nas Antas, recordo um jogo muito difícil em que o Ivic optou, numa fase inicial, por jogar apenas com o Kostadinov na frente. Entrei ao intervalo e depois o Jorge Couto. Foi um outro jogo, mas não houve muitas oportunidades, tivemos um golo mal anulado em que eu estava em linha, não havia VAR na altura... Nos momentos finais, o Fernando Couto avança para ponta de lança, com o Feyenoord a jogar com dez, e o golo aparece já nos descontos, numa jogada em que o Baía chuta lá para cima e a bola anda pela entrada da área, sobra para mim e faço um dos três golos mais bonitos da minha carreira", conta-nos.
Na primeira mão, Domingos fez a diferença a fechar uma partida em que Kostadinov (na imagem) acabou com a cabeça ligada devido a uma entrada de De Wolf
O golo tardio e uma agressão de Zé Carlos a De Wolf incendiaram os ânimos para o segundo jogo. "As imagens apareceram e os holandeses usaram isso. No aeroporto, as televisões estavam sempre em cima do Zé Carlos, seguiram-no desde que chegámos para tentar criar tensão e pressão. Recordo-me que ligaram ao presidente de madrugada a dizer que havia uma bomba no hotel, estávamos numa zona de floresta, mas ele nem nos incomodou. Continuámos a dormir e só soubemos mais tarde. Depois, tivemos um ambiente muito hostil na "Banheira" de Roterdão, que, em termos europeus, era um dos estádios que tinham adeptos mais fervorosos", frisou.
Em causa estava a entrada na Liga dos Campeões e por isso era fundamental segurar a magra vantagem. "Era um jogo muito importante na história daquela geração de jogadores e do próprio FC Porto. Financeiramente era muito vantajoso entrar na fase de grupos. Ficou para a história até em termos de prémio de jogo; se bem me recordo, era fabuloso", atirou.
Ivic pediu basicamente para não sofrerem golos. "Com aquela equipa, os jogadores perceberam logo que aquilo era para defender o 1-0. A primeira oportunidade até foi nossa, do Kostadinov, mas depois foi um grande sofrimento até ao fim", referiu sobre um jogo em que Fernando Couto fez talvez a melhor exibição da carreira. "Defendemos com tudo. Foi sofrimento puro", insistiu.
"Com aquela equipa, os jogadores perceberam logo que aquilo era para defender o 1-0"
Mas mesmo antes do apito inicial já os nervos andavam à flor da pele. "Houve confusões no túnel. À entrada para o jogo, já estava tudo picado, quase lado a lado num túnel pequeno. Estava tudo superquente. O Feyenoord tinha uma belíssima equipa, os centrais foram dos mais duros que defrontei na carreira, sobretudo o John de Wolf, que tinha um estilo Sandokan, com cabelo cumprido", atira o antigo avançado.
O FC Porto aguentou e seguiu para a fase de grupos. Na altura eram só dois e os dragões chegaram às meias-finais, acabando eliminados pelo Barcelona, já com Bobby Robson.
Depois disso, o FC Porto e o Feyenoord defrontaram-se num torneio, organizado pelos holandeses no verão de 2007, em jogo que terminou sem golos.
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Recorde todos os protagonistas do último confronto em Roterdão:
Data: 3 de novembro de 1993
Feyenoord-FC Porto: 0-0
Estádio De Kuip (Roterdão)
Árbitro: Kim Milton Nielsen (Dinamarca)
FEYENOORD: Ed de Goey; Ulrich van Gobbel, Errol Refos, Henk Fraser (Dean Gorré, 80"), John de Wolf, Regi Blinker, Rob Witschge, Arnold Scholten (Mike Obiku, 70"), Rob Maas, John van Loen e Gaston Taument.
Treinador: Wim van Hanegem.
FC PORTO: Vítor Baía, João Pinto, Jorge Costa, Fernando Couto, José Carlos, Aloísio, Rui Jorge, Secretário, Semedo, Jaime Magalhães (Rui Filipe, INT) e Kostadinov (Domingos, 90").
Treinador: Tomislav Ivic.
"Ligaram ao presidente de madrugada a dizer que havia uma bomba no hotel, estávamos numa zona de floresta, mas ele nem nos incomodou"
"FC Porto é candidato à Liga Europa"
Passaram-se 26 anos desde essa eliminatória e muito mudou nas duas equipas. "Este Feyenoord está longe daquele Feyenoord", considera Domingos. Por isso, diz, "o FC Porto, mesmo jogando fora, tem algum favoritismo". Aliás, não apenas para este jogo como na competição. "O FC Porto é de Liga dos Campeões e, nesta Liga Europa, é olhado como um dos sérios candidatos a vencê-la. Claro que muito pode acontecer, vão cair as equipas da Liga dos Campeões e que podem também complicar. Nesta altura é mais forte do que o Feyenoord."