Namoro do Sporting não deu em casamento, porque o FC Porto atuou mais rápido e levou-o para o Olival. Nos quatro anos seguintes, Tomás percorreu mais de 250 km por dia para poder treinar
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Quando Tomás Esteves ergueu o troféu de campeão nacional de juniores, coberto com uma bandeira do FC Porto, a homenagem era para o avô, José Emílio Pontes, "um grande portista, que ele nunca esqueceu", conta-nos Adelino Esteves, pai do lateral do FC Porto, que conduziu O JOGO num regresso ao passado para dar a conhecer o percurso do filho de 17 anos, que também venceu a Youth League esta época, em Nyon. Atrás destes dois troféus que marcam, para já, a curta carreira de Tomás Esteves, há, no entanto, uma história de um certo sacrifício conjugada com um feliz acaso.
"Quando foi campeão nos juniores levou a bandeira do FC Porto do avô"
Arrancou tudo na Associação Desportiva e Cultural de Aboim Sabadim (ADECAS), onde o lateral dos azuis e brancos começou a dar pontapés na bola às ordens de Sérgio Barbosa, treinador que entretanto emigrou. "Ia ele e os irmãos, o Gonçalo [agora jogador da equipa sub-15 do FC Porto], e o Rodrigo, o mais velho, que também jogava no ADECAS", recorda o pai. O tempo passou até Tomás ser detetado pelo Sporting num jogo do ADECAS.
"Abordaram-nos e disseram que o nosso filho reunia as condições e o talento desejado, só que vivíamos a 400 quilómetros. Seria uma espécie de namoro que podia dar em casamento. A ideia dos treinadores do Sporting era introduzir o Tomás nos torneios de verão onde eles iam participar, para ver como reagia, antes de tomarem uma decisão", conta Adelino Esteves.
Só que havia mais alguém atento: "O professor Mário Cláudio tinha ligações ao FC Porto e passou-lhes a informação de que o Sporting andava por cá. Apareceram, entretanto, e aí as coisas foram mais rápidas. O Tomás ficou e o Gonçalo, dois anos mais novo, seguiu-lhe os passos", explica.
"Tínhamos de fazer 126 quilómetros nos dois sentidos para os treinos no Olival"
Jogar no FC Porto tinha outras implicações e foi preciso fazer um grande sacrifício: "Tínhamos de nos deslocar ao Olival praticamente todos os dias para os levar aos treinos. Durante quatro anos, eu e a minha mulher revezávamo-nos para os transportar de Aboim das Choças ao Olival, fazendo 126 quilómetros nos dois sentidos". Com os pais ao volante havia outras necessidades para colmatar. "A ajuda da avó Rosinha foi fundamental, porque cozinhava as refeições para que todos pudéssemos alimentar-nos devidamente na carrinha", recorda. Durante quatro anos, raros foram os dias em que não se fizeram viagens, isto até os dois irmãos ficarem alojados na casa do Dragão, no Porto. "Se não fosse a minha mulher, não sei se teríamos conseguido", elogia. Mas ambos acreditaram nos filhos. "Costuma dizer-se que amigo é aquele que fere com verdades e não o que me alegra com mentiras, daí que eu sempre tenha pedido aos responsáveis do FC Porto que fossem sinceros connosco e quando os meus filhos não estivessem ao nível do que eles pretendiam, que nos dissessem e os deixassem ir embora, simplesmente", acrescenta Adelino Esteves, numa altura em que os representantes do Tomás negoceiam a renovação de contrato com os azuis e brancos.
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Entre as funções de lateral-direito e de médio, Tomás foi jogando em todos os escalões da formação do FC Porto e foi aprendendo a construir-se como atleta e como homem. "Quando subiu aos sub-17 não jogava, defrontou os antigos colegas do escalão mais abaixo e festejou os golos como se estivesse em campo. Fiquei admirado, pensava que ele ia estar no banco amuado, mas não. E disse uma coisa que nunca esqueci: "pai, são os que não jogam que fazem o balneário. Com os que jogam está tudo bem, mas com os suplentes amuados o grupo só ia sair prejudicado e nós temos de estar ali para os apoiar"", conta.
Antigo treinador foi a Nyon
O problema não é de agora, mas é um facto que, atualmente, Aboim das Choças é uma freguesia cada vez mais deserta. O sossego da paisagem bucólica só é perturbado pelo movimento que atrai a ecovia de Sistelo, percurso que fica às portas do talho que Adelino Esteves gere hoje e que está na família há cinco gerações. "Aboim das Choças é uma freguesia marcada pela desertificação, com muitos idosos que ficam para trás, quando os mais jovens decidem emigrar. E não faltam exemplos.
Sérgio Barbosa, o primeiro treinador do Tomás, teve de emigrar para a Suíça, mas assim que soube que ele estava na final-four da Youth League foi ver os jogos a Nyon", contou. O pai do defesa é um dos poucos resistentes: "Tenho o talho e 50 cabeças de bovinos de raça Cachena, que pastam no monte e me permitem produzir carne biológica."
ADECAS pelo futebol saudável
A Associação Desportiva e Cultural de Aboim Sabadim (ADECAS) prepara-se para instalar um relvado sintético, de modo a continuar a promover o futebol entre os jovens da freguesia. E não só. Filipe Brito, presidente da associação, não coincidiu com Tomás Esteves no clube, mas tem guardados os cartões de atleta do lateral do FC Porto. O clube não se fica pelo futebol e até tem um palco para o teatro. "Aqui promove-se o desporto para todos e o respeito pelos adversários, de modo que convidamos os nossos opositores a petiscar no final dos jogos", contou. Venha o sintético...