Uma das memórias da passagem por Portugal que o ativista dos direitos humanos Albie Sachs guarda é o 25 de Abril de 1974, uma inspiração para a sua luta contra o 'apartheid' na África do Sul.
O antigo juiz do Tribunal Constitucional de África do Sul, considerado um dos pais da Constituição sul-africana, lembrou, em entrevista à agência Lusa, "o ambiente muito agradável" em Lisboa por aqueles dias da Revolução dos Cravos.
"As pessoas estavam a dançar e a cantar na rua 'Grândola, Vila Morena'", recordou Albie Sachs, que, anos mais tarde, voltou a Portugal, sem parte do braço direito e sem visão no olho esquerdo, para prosseguir a recuperação do atentado que sofreu em abril de 1988, em Maputo, Moçambique.
No retorno a Lisboa, para um restabelecimento "organizado até ao pormenor mais pequeno", o sul-africano não voltou a experimentar as vivências de abril de 1974.
"Voltei após atentado, foi uma recuperação do corpo, de espírito e alma. Foi uma recuperação magnífica. Obrigado, Portugal! Mas o espírito de 'Grândola, Vila Morena', da nossa luta, de amizade, de solidariedade foi muito forte" aquando da Revolução dos Cravos.
Recuperando a memória de quando foi perseguido, torturado, preso e isolado pelo regime sul-africano do 'apartheid', Albie Sachs, considerado terrorista pelo Governo da África do Sul, declarou que, como "combatente da liberdade", o 25 de Abril de 1974 o "inspirou".
A quada do regime do 'apartheid' - sistema que perdurou de 1948 a 1994 - permitiu o regresso de Albie Sachs à terra natal, depois de um exílio prolongado - 11 anos em Londres e 12 em Maputo.
Durante esse tempo, que recordou por ter sido "um período ", manteve-se sempre ativo na defesa dos direitos humanos e no trabalho no Congresso Nacional Sul-africano (ANC), tendo trabalhado com Oliver Tambo, presidente daquela força política no exílio.
Nelson Mandela convidou-o para o Tribunal Constitucional da África do Sul em 1994 e Albie Sachs passou de terrorista a legislador, o que, disse, "não foi nada difícil".
Até 1994, "a lei era racista, violenta para a população e naturalmente estava contra isso", lembrando que a elaboração da Constituição, na qual interveio, permitiu "fazer uma lei a favor da população, contra um poder totalitário do Estado, a favor da liberdade de expressão, da democracia e da justiça social".
"Foi uma decisão muito alegre e senti-me muito confortável com a transição" do regime do 'apartheid' para "uma democracia", com um texto constitucional imbuído "do espírito da Constituição portuguesa".
Albie Sachs referiu que, na altura da redação da Constituição da África do Sul, se consultou o texto fundamental da República Portuguesa, que, "depois da ditadura", tinha "um aspeto social muito importante, não só para os ricos e intelectuais, mas para todos".
"Olhámos para a Constituição de Portugal e esse foi o elemento da Constituição portuguesa que aproveitámos. As palavras não, mas o espírito", realçando o caráter "abrangente".
Para Albie Sachs, a Constituição portuguesa "é para toda a gente, com linguagem aberta, com valores muito bem registados, os valores de solidariedade e dignidade humana, muita mais justa contra a discriminação e o 'apartheid' e a favor da igualdade".
A Constituição da África do Sul é uma das recordações que Albie Sachs contou o filho, Oliver, de 11 anos, que "desde os quatro começou a fazer perguntas sobre a vida do pai".
Fruto do casamento de Albie em segundas núpcias com Vanessa, Oliver, cujo nome foi-lhe atribuído em homenagem a Oliver Tambo, "é um rapaz de grande sensibilidade".
"Ele fez perguntas sobre a minha vida", afirmou Albie Sachs, que, um dia, teve de responder à questão por que não tem parte do braço direito e visão no olho esquerdo.
"Fui com ele a Maputo, ao sítio do atentado, para contar ao meu filho o que tinha acontecido. Fizemos num filme. Falei sobre o momento. Foi muito importante para o nosso relacionamento ir àquele sítio em Maputo", disse
Relatos ao filho sobre uma vida de luta constante contra as injustiças do 'apartheid', pela igualdade, é bem mais complicado.
"Não falo muito diretamente sobre a luta. A única parte em que eu tenho dificuldade em explicar é o racismo, para lhe dizer que a sua mãe e eu não podíamos ser casados naquela altura, teria sido contra a lei. Não quero falar-lhe sobre aquela vida racista. Ele pode aprender por ele próprio, foi duro demais para mim para lhe contar sobre o sistema do apartheid'", concluiu.
