Artista Grada Kilomba evoca o passado colonial para "chegar ao presente e futuro"
A artista Grada Kilomba sublinhou hoje a importância de evocar o passado colonial português "para chegar ao presente e ao futuro", uma temática que está no centro do seu trabalho, pela primeira vez exposto em Portugal.
Em duas exposições, a inaugurar hoje, em Lisboa - "Secrets to Tell", no Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia (MAAT), e "The Most Beautiful Language", na Galeria Avenida da Índia - a artista apresenta o conteúdo de um trabalho assumidamente político.
"O meu objetivo é sempre apropriar os espaços com novas configurações de conhecimento. É um trabalho político, paralelamente ao meu trabalho artístico. A intenção é descolonizar o discurso", disse, durante uma visita guiada para jornalistas, na exposição que inaugura a programação do Project Room do MAAT.
Pensada a partir da vídeo-instalação "The Desire Project", obra especialmente concebida para a 32.ª Bienal de São Paulo (2016), que é também uma das mais recentes aquisições da Coleção de Arte da Fundação EDP, segundo o museu.
Nascida em Lisboa e com raízes em São Tomé e Príncipe e Angola, Grada Kilomba tem vindo a pesquisar as ideias de género, raça, trauma e memória, no âmbito das problemáticas atuais sobre o colonialismo e pós-colonialismo, no início do século XXI.
Em "Secrets to Tell" - que envolve um vídeo com texto e uma instalação - foi buscar as memórias da escravatura, que lhe vêm da infância: na casa da avó havia uma imagem da escrava Anastácia, que a família evocava como um símbolo de dor e resistência.
"Anastácia foi uma escrava que viveu com uma mordaça. Era uma forma de os proprietários calarem os escravos que falavam palavras de emancipação", explicou.
A mordaça, que impedia de falar, também impedia os escravos de comerem alimentos quando trabalhavam nos campos, ou de ingerirem lama para se suicidarem.
"O passado está sempre a influenciar o presente e esse presente muitas vezes não nos deixa chegar ao futuro. Esta pesquisa da memória tem a ver com a História, uma identidade do passado, para compreender o presente", salientou a artista, que vive há mais de uma década em Berlim, onde tem desenvolvido o seu trabalho como artista e professora universitária.
O facto de ter vivido no Brasil também lhe proporcionou condições para uma reflexão profunda sobre os vestígios e marcas do colonialismo na sociedade atual: "É tão curta a distância temporal e histórica entre nós e o nosso passado colonial. E estamos ainda tão agarrados ao que sobra do edifício do colonialismo e do imperialismo ocidental. Daí e urgência e importância de debater estas temáticas".
Grada Kilomba escreveu o livro "Plantation Memories" em 2008, publicada pela alemã Unrast Verlag, no qual recolheu um conjunto de depoimentos de pessoas que vivem na diáspora relacionados com o racismo no quotidiano.
A obra, cuja quarta edição se encontra esgotada, vai ser agora editada em português.
Embora seja mais conhecida pelo seu percurso como escritora, Kilomba tem vindo a explorar práticas artísticas experimentais e interdisciplinares, utilizando e combinando diferentes meios de expressão, desde a performance e a vídeo-instalação, até leituras de palco e palestras que criam uma interface entre texto e imagem, linguagem artística e linguagem académica.
"The Most Beautiful Language" é outra exposição da mesma artista que é inaugurada hoje na Galeria Avenida da Índia, em Lisboa, Belém, organizada pelas Galerias Municipais de Lisboa/EGEAC (Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural), com curadoria de Gabi Ngcobo.
Neste espaço, a artista usa a instalação de vídeo, a leitura encenada, a performance, a colagem de texto e a instalação de som para questionar como os corpos podem representar a língua.
A par das exposições, vão decorrer conversas a partir da obra de Grada Kilomba no Teatro Maria Matos, no sábado, 18:30, e no espaço Hangar, a 03 de novembro, às 19:00.
