27 de maio: Papel histórico de Agostinho Neto é para investigadores -- Associação M27
Luanda, 27 mai 2019 (Lusa) - A Associação 27M escusou-se hoje a comentar o papel histórico do primeiro Presidente de Angola, Agostinho Neto, no "Caso 27 de Maio" de 1977, salientando que esse trabalho cabe aos investigadores e historiadores.
Corpo do artigo
Em declarações à agência Lusa, à margem de uma mesa-redonda sobre "Liberdade e Memória: O 27 de Maio em Angola", em Luanda, organizada pela Universidade Católica angolana, João Van-Dúnem, um dos membros da Associação 27M, salientou que, enquanto parte integrante dos órfãos das vítimas da alegada tentativa de golpe de Estado, apenas pretende "reabilitar a honra" dos pais.
"O papel histórico que Agostinho Neto teve durante o período em que assumiu a presidência do MPLA (1975-1979) tem de ser avaliado pelos investigadores, pelos historiadores. Nós, enquanto órfãos, o que queremos é honrar a memória dos nossos pais", destacou João Van-Dúnem, filho de José Van-Dúnem, um dos "braços direitos" de Nito Alves, o alegado comandante, e da portuguesa Sita Valles, todos mortos pelo regime de então.
Com a morte dos pais, João Van-Dúnen foi criado pela atual da ministra da Justiça portuguesa, Francisca Van-Dúnen, que em Luanda, onde esteve em meados abril, disse não querer comentar o "Caso 27 de Maio", alegando estar a exercer funções governativas, garantindo, porém, que, assim que as terminar, voltará a analisar o assunto.
"A pergunta que faço é muito simples, 42 anos depois: tem mal nós, enquanto órfãos, querermos reabilitar a honra dos nossos pais? Tem mal algum de nós, enquanto órfãos, querermos saber em que circunstâncias em que os nossos pais viveram e morreram? Esse é que é o ponto central para nós, enquanto órfãos, e é por isso que criámos esta associação. Queremos devolver a dignidade dos nossos pais e é por isso que nos vamos bater", afirmou.
Em 27 de maio de 1977, passam hoje 42 anos, uma alegada tentativa de golpe de Estado, numa operação aparentemente liderada por Nito Alves - então ex-ministro do Interior desde a independência (11 de novembro de 1975) até outubro de 1976 -, foi violentamente reprimida pelo regime de Agostinho Neto.
Seis dias antes, em 21 de maio, o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA, no poder) expulsara Nito Alves do partido, o que levou o antigo ministro e vários apoiantes a invadirem a prisão de Luanda para libertar outros simpatizantes, assumindo, paralelamente, o controlo da estação da rádio nacional, ficando conhecido como "fracionistas".
As tropas leais a Agostinho Neto, com apoio de militares cubanos, acabaram por estabelecer a ordem e prenderem os revoltosos, seguindo-se, depois, o que ficou conhecido como "purga", com a eliminação das fações, tendo sido mortas cerca de 30 mil pessoas, na maior parte sem qualquer ligação a Nito Alves, tal como afirma a Amnistia Internacional em vários relatórios sobre o assunto.
Após 41 anos de silêncio, o Presidente angolano, João Lourenço, num decreto publicado em 26 de abril passado, ordenou a criação de uma comissão para elaborar um plano geral de homenagem às vítimas dos conflitos políticos que ocorreram em Angola entre 11 de novembro de 1975 (dia da independência) em 04 de abril de 2002 (fim da guerra civil).
No decreto, João Lourenço inclui entre os conflitos a "intentona golpista do '27 de Maio' ou eventuais crimes cometidos por movimentos ou partidos políticos no quadro do conflito armado".
A decisão do chefe de Estado surgiu depois de, em novembro de 2018, o ministro da Justiça angolano, Francisco Queirós, ter anunciado a "Estratégia do Executivo de Médio Prazo para os Direitos Humanos 2018/2022", em que o Governo de Luanda reconhece, pela primeira vez, que, após o "27 de Maio", registou-se um "cortejo de atentados aos Direitos Humanos", considerando-o "um dos mais relevantes" da História do país.
