Benfica-Porto na final da Taça de Portugal: dobradinha ou desforra?

Benfica-Porto na final da Taça de Portugal: dobradinha ou desforra?

A história está completamente do lado do Benfica em termos de finais de Taça frente ao Porto (embora desta vez a final não seja em Lisboa), enquanto os portistas têm a a vantagem anímica da conquista do campeonato, após recuperação improvável à custa dos encarnados. Veremos o que vale mais, este sábado à noite, na grande final de Coimbra.

Na final da 80ª Taça de Portugal defrontam-se os dois primeiros do campeonato recém-terminado, os clubes que têm dominado por completo o futebol em Portugal nas últimas décadas. Este é o superclássico português dos nossos tempos, até porque a rivalidade entre os dois emblemas, também fora de campo, não tem parado de crescer, com os seus responsáveis de há muito em conflito aberto.

Um Porto mais competitivo perante um Benfica mais motivado?
A grande dúvida é se um Benfica ferido pela perda do campeonato e pela forma como o perdeu - desperdiçando uma vantagem de 7 pontos sobre o Porto, à jornada 20, caindo a pique com uns inacreditáveis 22 pontos perdidos em 12 jogos, ou seja, em 36 possíveis -, pode estar mais motivado para esta final do que um Porto que cumpriu já o seu grande objetivo da temporada: ser campeão e garantir o milionário acesso direto à fase de grupos da Liga dos Campeões.

Os jogadores do Benfica terão consciência de que fracassaram perante um adversário alegadamente inferior em termos de qualidade de plantel (o do Benfica avaliado em 300 milhões de euros e o do Porto em 228 milhões, pelo site alemão Transfermarkt), e quererão pelo menos emendar um pouco a mão. Além de aproveitarem para mostrar a Jorge Jesus que têm valor para trabalhar com ele na próxima época.

Do lado do Porto, haverá alguma superioridade mental/moral sobre o Benfica, dado que conquistou o campeonato, ainda para mais recuperando uma grande desvantagem pontual, vencendo o rival nos dois confrontos diretos. Resta saber se a eventual motivação-extra dos encarnados pode compensar o seu propalado deficit de competitividade e intensidade face a este Porto de Conceição.

Mas não deixa de ser também um fato que, embora a equipa portista pareça ser mais competitiva e intensa do que a lisboeta, os números dos dois rivais no campeonato são muito semelhantes: o Porto com 74-22 em golos e o Benfica com 71-26; o Porto com 5.8 oportunidades de golo em média por jogo contra 5.7 do Benfica; sendo que o equilíbrio se estende aos remates no alvo (5.6 do Porto; 5.5 do Benfica), aos remates na área (9.4 do Benfica; 8.3 do Porto), e a quase todos os principais dados estatísticos da liga portuguesa.

É verdade que os portistas foram mais eficazes em termos ofensivos, no aproveitamento das ocasiões de golo, na parte final do campeonato, designadamente nos lances de bola parada (chegam quase aos 50% de golos apontados neste tipo de jogadas, incluindo 13 golos na sequência de pontapés de canto).

Por sua vez, o Benfica foi durante toda a liga uma equipa que criou muitas oportunidades e marcou muitos golos em ataque rápido: cerca de metade das suas ocasiões e golos de bola corrida surgiram neste tipo de jogadas, quase sempre pelo corredor central.

Aliás, os encarnados criaram a maior parte das ocasiões de golo pelo corredor central - quase 45% -, dividindo as restantes equilibradamente pelo flanco direito e pelo esquerdo. Isso representará com certeza trabalho acrescido para Danilo e, provavelmente, Sérgio Oliveira, menos vocacionado para defender do que o Uribe (que não deverá recuperar para o jogo). Além disso, registe-se que o Porto sofreu a maioria dos golos no campeonato na sequência de jogadas pelo corredor central.

Já o Porto, embora crie mais ocasiões e marque mais golos pelo meio, é igualmente muito forte pela direita, sendo que aponta quase tantos golos a partir deste corredor direito (16), como a partir do corredor central (19). Conceição tentará com certeza explorar as debilidades defensivas do lado esquerdo do Benfica, com o jovem Nuno Tavares (ou Tomás Tavares) e Jardel (ou com Ferro). Foi por este corredor que os encarnados sofreram quase 60% dos golos de bola corrida consentidos na liga.

Terá sido mesmo na dimensão da consistência defensiva que o campeonato se decidiu, mais especificamente entre a jornada 26 e a 30: após sofrerem 2 golos em Famalicão no encontro da retoma, os dragões não concederam qualquer tento nos 5 jogos seguintes e apenas 1 nos 2 jogos posteriores a estes (face a Tondela e Sporting), o que muito contribuiu para a melhor série do Porto na prova.

Pelo contrário, o processo defensivo do Benfica colapsou na retoma: após sofrer 14 golos nas primeiras 25 jornadas do campeonato, as águias concederam 10 golos em 5 jogos consecutivos (2 do Portimonense, 1 do Rio Ave, 4 do Santa Clara, 2 do Marítimo e 1 do Boavista), 5 dos quais de bola parada.

Como consequência destes 5 jogos, os encarnados perderam o estatuto de melhor defesa do campeonato e enquanto o Porto se manteve nos 18 golos sofridos desde a 26ª jornada até à 30ª, o Benfica passou de 14 golos concedidos para 24, neste período. Este terá sido o "momento" decisivo da luta pelo título.

Claro que todos estes dados de uma prova de regularidade poderão ser menos significativos em apenas um jogo, ainda para mais uma final.

Que heróis para Coimbra?
Também na antevisão dos possíveis destaques individuais para final de Coimbra não será seguro fazer apostas em função do que os jogadores fizeram no campeonato. Mas são esses dados de que temos que partir para a análise, até porque a liga é a única prova em que as duas equipas defrontaram os mesmos adversários.

Não é novidade para ninguém que há meia dúzia de nomes que foram decisivos no desempenho de Porto e Benfica no campeonato. Do lado encarnado, não é possível fugir a Pizzi, Vinicius e Vlachodimos: Pizzi teve influência direta (como goleador, assistente ou participante direto em jogada de golo) em 38 golos dos 71 do Benfica no campeonato; Vinicius marcou 18 e fez 6 assistências; Vlachodimos não falhou em qualquer lance de golo sofrido e realizou 38 defesas decisivas.

Do lado portista, o defesa-esquerdo Alex Telles esteve envolvido em 29 dos 74 golos do Porto, seguindo-se Corona e Otávio com participação decisiva em 23 golos e Marega em 22.

O "Superclássico" agora na 80ª final da Taça
Tendo em conta que Porto e Benfica venceram todos os títulos de campeão nacional na década de 2010 (5 cada um, sendo que só por uma vez um terceiro clube lutou pelo título até ao fim - o Sporting, em 2015/16), e um total de 18 no século XXI (11 o Porto e 7 o Benfica), não deixa de ser anormal que esta seja apenas a segunda final da Taça de Portugal entre os dois no novo milénio (a outra aconteceu em 2004).

Até porque mesmo na Taça de Portugal, os dois clubes são os que mais ganharam neste período temporal: 6 troféus para o Porto, 3 troféus para o Benfica (tantos quantos o Sporting).

De qualquer forma, é um domínio conjunto de dragões e águias muito menos significativo do que acontece na prova maior do calendário, o campeonato nacional, aquela competição que, naturalmente, reflete de forma mais rigorosa o equilíbrio de forças.

Benfica e Porto são, sem margens para dúvidas, os dois grandes rivais do futebol português, não só do século XXI mas dos últimos 40 anos: os dois clubes conquistaram 37 campeonatos entre si (o Porto 22, o Benfica 15) apenas deixando 2 para o Sporting e 1 para o Boavista.

Neste período de 40 anos, também a contabilidade dos vencedores da Taça de Portugal é clara: o Porto venceu 12 vezes e o Benfica 11 (seguindo-se o Sporting, com 5 troféus da prova).

Vale ainda a pena acrescentar que não é apenas em finais de Taça de Portugal que se têm registado poucos confrontos Porto-Benfica: em todo o século XX as duas equipas apenas se encontraram em 4 finais: Taça de Portugal 2004; Supertaça 2004; Taça da Liga 2010; Supertaça 2011.

A "goleada" benfiquista em finais da Taça
O Porto até tem superioridade sobre o Benfica tanto nos troféus conquistados no novo milénio como nos últimos 40 anos, mas em termos de finais da Taça de Portugal disputadas entre as duas equipas, é autenticamente "goleado" pelos encarnados. Em 5 finais nas últimas 4 décadas, 5 vitórias do Benfica (1980, 1981, 1983, 1985 e 2004).

Se a isto juntarmos um parcial de 3-1 também favorável às águias em finais envolvendo os dois clubes entre 1939 e 1979 (nos primeiros 40 anos da Taça de Portugal), fica claro que a história está completamente do lado do Benfica na antecipação do jogo deste sábado. O Porto apenas venceu a segunda final entre as duas equipas (1959), perdendo em 1953, 1959 e 1964.

Claro que deve notar-se que das 9 finais de Taça anteriores disputadas entre Porto e Benfica, 8 realizaram-se no Estádio do Jamor, na Grande Lisboa. A única exceção aconteceu em 1983, no Estádio das Antas, mas isso de nada valeu aos portistas, batidos por 1-0, golo de Carlos Manuel. Veremos o que acontece agora na primeira final disputada fora das metrópoles dos dois rivais.

A esmagadora superioridade do Benfica na Taça de Portugal perante o Porto fica também patente no total de eliminatórias (incluindo finais) da prova, ganhas aos azuis e brancos: 20, contra somente 6 que sorriram aos nortenhos. E convém lembrar que o Porto é a única equipa portuguesa com vantagem sobre o Benfica no total de confrontos diretos: em 243 partidas, 95 vitórias do Porto, 60 empates e 88 triunfos do Benfica.

Mas, tal como acontece no campeonato nacional, no que respeita a títulos conquistados o Benfica é o grande dominador da Taça de Portugal, com um total de 26 vitórias (em 36 finais), seguindo-se o Sporting, com 17 conquistas (em 30 finais) e do Porto, com 16 troféus (em 31 finais). Os grandes venceram 75% das taças de Portugal realizadas (3/4), um total de 59 em 79.

Muito curioso é ainda o fato dos encarnados costumarem ser implacáveis nas finais perante os outros grandes. Como já vimos têm um score de 8-1 em finais perante o Porto, sendo que frente ao Sporting o saldo é de 8-2 em vitórias nas finais da Taça de Portugal. Ou seja, em 19 jogos decisivos desta prova contra os grandes rivais, venceram 16.

As finais de Coimbra
Como já referimos esta é a primeira final da Taça de Portugal disputada por Porto e Benfica fora da Grande Lisboa e do Grande Porto. Aliás, em resultado da pandemia que afeta todo o mundo, está será mesmo a primeira final da competição realizada fora das duas maiores áreas metropolitanas do país.

No entanto, portistas e benfiquistas já disputaram finais de competições nacionais em Coimbra. A primeira aconteceu em 1931, no já desaparecido Campo do Arnado, na final do Campeonato de Portugal, a prova percursora da Taça de Portugal, disputada entre 1922 e 1938 (e que muitos defendem que seja integrada no palmarés da Taça de Portugal). Então, o Benfica venceu por 3-0, com 2 golos do seu mais famoso avançado da altura, Vítor Silva.

Muitos anos depois, na década de 1990, por 2 vezes o Municipal de Coimbra serviu de palco a finalíssimas da Supertaça Cândido de Oliveira opondo Porto e Benfica. Em ambos os casos, 1992 e 1994, os portistas venceram no desempate por penáltis.

Finalmente, em 2004, já no Estádio Cidade de Coimbra, o Porto voltou a vencer o Benfica na Supertaça, desta vez por 1-0, com o golo apontado no primeiro jogo oficial de Ricardo Quaresma com a camisola azul e branca.

Dobradinha ou desforra?
Já lá vai o tempo em que se dizia que a conquista da Taça de Portugal salvava a época a um grande que não tivesse conquistado o campeonato. Quase como se tivesse passado a ser uma vergonha insuportável perder um campeonato, uma desgraça impossível de ser apagada com a vitória na prestigiada Taça de Portugal.

Por isso, se os intervenientes assim preferem, vamos antes dizer que para quem perde o campeonato a conquista da Taça pode ser uma...desforra.

Na época passada, foi o Sporting que compensou a perda do campeonato com o troféu da Taça, à custa do Porto, que procurava igual compensação.

Agora, é o Benfica que além de procurar a desforra tentará ainda impedir a dobradinha (Campeonato + Taça) do Porto, que já não consegue esse objetivo desde 2011, ano em que, aliás, venceu a sua última Taça de Portugal (6-2 na final, perante o Vitória de Guimarães).

Os portistas vão lutar pela oitava dobradinha da sua história, perante o rei das dobradinhas em Portugal, o Benfica, que tem 11. Nas grandes ligas europeias há apenas um clube com mais: o Bayern de Munique, com 13.

Os encarnados são ainda os maiores especialistas em Portugal a salvar a época com a conquista da Taça...perdão, a desforrarem-se da perda do campeonato com a conquista da Taça. Já o fizeram em 14 ocasiões, num total de 19 finais em que tal estava ao seu alcance. Em 3 dessas 14 ocasiões bem-sucedidas o adversário no Jamor foi o Porto: 1959, 1985 e 2004. E em todos estes casos, simultaneamente, os benfiquistas impediram dobradinhas portistas.

Já o Porto nunca conquistou uma dobradinha à custa do Benfica, numa final da Taça, perdendo tal possibilidade exatamente nos anos acima referidos (1959, 1985 e 2005). Algo que o Benfica conseguiu em 3 finais perante o Porto (1964, 1981 e 1983). Deve mesmo dizer-se que os portistas nunca conseguiram a dobradinha em finais perante os dois grandes rivais de Lisboa...

Para terminar, será interessante saber que na história de finais da Taça de Portugal entre grandes, em que o cenário fosse semelhante (um a procurar a dobradinha e outro a tentar a desforra), as contas estão muito equilibradas: em 9 casos venceu quem se queria desforrar, em 8 situações ganhou quem queria "dobrar".

Eis as desforras graças à vitória na Taça de Portugal: 1952 (SLB), 1959 (SLB), 1970 (SLB), 1971 (SCP), 1978 (SCP), 1985 (SLB), 2000 (FCP), 2004 (SLB) e 2008 (SCP).

E as dobradinhas graças à conquista da Taça de Portugal: 1955(SLB), 1964 (SLB), 1972 (SLB), 1974 (SCP), 1981(SLB), 1983 (SLB) e 1987 (SLB).

Como seria de esperar, o Benfica saiu vencedor em 11 finais do tipo referido (perdendo apenas 2), o Sporting ganhou 4 (e perdeu 5) e o Porto venceu 1 (e perdeu 8).

Taças: o trauma recente do Porto...e de Sérgio Conceição
Após a dobradinha de 2011 (a que juntou, nessa época, a conquista da Liga Europa e da Supertaça), o Porto, que vencera antes a Taça de Portugal também em 2009 e 2010, entrou num ciclo terrível em competições a eliminar.

Retirando a Supertaça (que nem sequer é propriamente uma competição, mas apenas um jogo), em que ganhou sempre que participou (2012, 2013 e 2018), os portistas não voltaram a vencer qualquer prova em eliminatórias, falhando em 5 finais consecutivas: 2 da Taça de Portugal e 3 da Taça da Liga.

O problema começou com Vítor Pereira (perdeu a Taça da Liga 2013 para o Braga), continuou com José Peseiro (Taça de Portugal 2016 para o Braga) e tem-se aprofundado com Sérgio Conceição (Taça de Portugal 2019 e Taça da Liga 2019, ambas para o Sporting, e Taça da Liga 2020 para o Braga).

Igualmente relevante, 3 destas 5 finais foram perdidas no desempate por penaltis (Taça de Portugal 2016, Taça de Portugal 2019 e Taça da Liga 2019).

Enquanto treinador, Sérgio Conceição vai para a sua quinta final, tendo perdido as 4 anteriores: às 3 ao serviço do Porto, junta-se ainda a final da Taça de Portugal 2015 (a sua primeira na carreira) ao serviço do Braga, também no desempate por penaltis frente ao Sporting.

Conceição apenas ganhou uma Supertaça, em Aveiro, em 2018, com a vitória (3-1) do Porto frente ao Desportivo das Aves.

Um cenário bem diferente daquele que viveu como jogador, com conquistas de uma Taça de Portugal (Porto), uma Taça das Taças (Lazio) e 2 Taça de Itália (Lázio).

Por sua vez, o Benfica ganhou as últimas 5 finais nacionais em que participou: 2 vezes a Taça de Portugal (2014 e 2017) e 3 vezes a taça da Liga (2013, 2014 e 2016).

O confronto recente
Convém lembrar que os portistas venceram os dois confrontos diretos com as águias esta temporada, acabando também por fazer o pleno de triunfos nos 4 jogos da liga contra os grandes de Lisboa, algo que até hoje em toda a história dos dragões só Mourinho conseguira, em 2002/03. Antes, em toda a existência da liga, esta proeza somente se registara uma vez: em 1971/72, protagonizada pelo Benfica de Jimmy Hagan.

Esse Benfica de 1971/72 conseguiu ainda vencer o Porto nas meias finais da Taça de Portugal e o Sporting na final da competição, pelo que Sérgio Conceição pode-se tornar apenas no segundo treinador a fazer o pleno de vitórias sobre os grandes rivais na mesma temporada.

Para isso, o Porto terá que vencer a final deste sábado, repetindo o triunfo no único jogo a eliminar entre as duas equipas desde que Conceição se tornou treinador portista: o 3-1 nas meias-finais da Taça da Liga da temporada passada, em Braga, quando era Bruno Lage o treinador dos encarnados.

De resto, o histórico do Porto de Conceição (nas últimas 3 temporadas, portanto) perante o Benfica é positivo: em 7 jogos, 4 vitórias, 2 derrotas e 1 empate.

Já nos últimos 10 jogos entre as duas equipas, em todas as competições, temos uma vantagem clara do Porto: 5 triunfos, 3 empates e 2 derrotas.

PROBABILIDADES NR: 30% BENFICA / 40% EMPATE / 30% PORTO