"Trauma do Benfica com o FC Porto é um pouco como o do FC Porto com decisões a penáltis"
Do trauma da águia, derrotada nos últimos quatro confrontos com o dragão, à importância de Luis Díaz nos portistas mesmo saltando do banco, nada ou quase ficou por dissecar nesta antevisão do clássico operada pelos três intervenientes do programa "Visão de Jogo", da TSF e d"O JOGO Online, e feita especialmente para esta edição.
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João Ricardo Pateiro - Que terá de fazer Jorge Jesus para anular, ou no mínimo atenuar, a diferença para o FC Porto, que foi notória no jogo da Supertaça?
-Luís Freitas Lobo - Equilibrar melhor a equipa na relação entre os três sectores, sobretudo a meio-campo, evitando que ela se "parta" nesse espaço e com isso perca o controlo do jogo no local onde o FC Porto é hoje claramente mais forte (sobretudo nos equilíbrios defensivos pós-perda da bola). O problema do Benfica não é da qualidade dos jogadores. É da sua organização e interligação nos diferentes momentos do jogo.
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JRP - O FC Porto não terá Manafá e o Benfica não conta com André Almeida. Deverão jogar Nanu e Gilberto. Manafá e André Almeida não são estrelas, mas a ausência deles pode ser um problema para as duas equipas?
-José Manuel Ribeiro - Tanto Nanu como Gilberto são jogadores em crescimento. A ausência é mais relevante no caso do Benfica, porque, para além de ser eficiente como lateral, o André Almeida é uma fonte de maturidade e liderança. Nestes jogos conta muito.
JRP - Concordam que existe um trauma do Benfica de jogar contra o FC Porto?
-JMR - Sim, um pouco como o que o FC Porto tem com as decisões a penáltis. Quando as coisas correm mal umas quantas vezes, nasce a dúvida. E acho que o Jesus também tem um ele próprio. Mas não tem a ver com místicas: uma equipa que não enfrenta jogos deste calibre com a faca dos dentes não pode ser levada a sério.
"O trauma do Benfica com o FC Porto é um pouco como o do FC Porto com as decisões a penáltis"
-LFL - Não. Os clássicos têm sentimentos especiais que não existem noutros jogos e os jogadores sentem isso. Sentindo isso, o trauma pode mudar de época para época em função de algo muito simples que os jogadores, estando dentro do campo, sentem melhor do que ninguém: o adversário estar mais forte. Por isso, já vi clássicos de todas as formas em que a "sensação de trauma" estava em locais diferentes. Pura ilusão sensorial.
JRP- É mais fácil prever o onze inicial do FC Porto? E quanto ao Benfica, JJ apostará numa dupla de avançados ou optará por jogar apenas com Darwin?
-LFL - Para conseguir o melhor equilíbrio no sector táctico-nuclear do meio-campo, a questão deve alargar-se a todo o ataque, no sentido de se deve jogar com dois extremos puros ou não. Nesse sentido, Pizzi pode jogar desde a ala para dentro se não for o "terceiro médio" de origem. Como nenhum dos pontas-de-lança tem características de jogar em largura (desde a ala), o mais indicado é apostar só num n.º 9, Darwin.
JRP - Pepe será titular e Mbemba vai regressar ao onze inicial do FC Porto. Que importância tem este regresso de Pepe, que não se apresentou ao melhor nível na Choupana, frente ao Nacional, para a Taça de Portugal?
-JMR - É um veterano com muitas batalhas, que assume sempre estes jogos. Em teoria, estando bem, será o melhor defesa em campo, para além de ser uma espécie de garantia de que a equipa permanece focada no jogo. E uma arma nas bolas paradas.
JRP - Como se pode analisar o facto de um jogador com a qualidade de Luís Díaz, previsivelmente, não ser titular?
-LFL - Pode-se analisar à luz básica do que é um plano de jogo e a convicção do treinador do momento certo em que esse tipo de jogadores pode ser (mesmo) decisivo. Luis Díaz está, de certeza, pensado como peça-chave potencialmente decisiva para o jogo, mas isso não significa que tenha de estar no onze inicial. Significa que tem de entrar no jogo no momento decisivo. É, como gosto de dizer, "titular sem jogar de início".
JRP - Otamendi vai regressar ao Dragão, agora com a camisola do Benfica. Que prestação/resposta se espera do central argentino?
-JMR - Já se viu na final da Supertaça, quando ele aproveitou todos os momentos de conflito para se assumir como, mais do que um defesa, o defensor da equipa perante os adeptos. Sentiu o toque. É outro jogador para dias como o de hoje.
"Otamendi sentiu o toque. É outro jogador para dias como o de hoje"
JRP - Concordam com a minha leitura, segundo a qual um Benfica/FC Porto é um jogo de 50%-50%, mas um FC Porto/Benfica não é?
-JMR - São os números que o dizem. As equipas fortes costumam ter em comum o facto de cederem poucas vezes em casa. É quase um princípio base dos campeões: em casa não se perdoa. O próprio Pinto da Costa diz que equipa que não perca pontos no seu estádio é sempre campeã.
LFL - Sim e não. O valor das equipas é que pode, em concreto, mudar a sensação de percentagens antes dos jogos. O 50-50 não significa equilíbrio, significa... conflito. Para o resolver, só desequilibrando uma das percentagens mas isso faz-se no jogo. É verdade que a carga histórica-emocional deste jogo se faz sentir mais no FC Porto e tal pode levar, no "trincar da língua", a essa sensação. No final, porém, quando o jogo desce à relva, em geral ganham os que o abordam melhor e, nesse sentido, o peso mental pode cair para qualquer lado.
JRP - O FC Porto venceu os quatro últimos clássicos frente ao Benfica. Que peso tem isso no subconsciente dos jogadores das duas equipas?
-LFL - Tem um peso que, se bem trabalhado, devia tornar-se em incentivo. No caso do Benfica, o desejo interior de revolta que pode impulsionar mais os jogadores para desafiar esse registo que coloca em causa o seu valor. Para quem está por cima, saber "gerir o entusiasmo" e pensar como estivesse no... local oposto. Nada disto é fácil, mas para isso é que estão os treinadores e sua "tática emocional". Ganha quem conseguir fazer melhor cada uma dessas duas coisas.
-JMR - Psicologia variável. Do alto da minha ignorância da matéria, acho que pode dar tudo. Deslumbramento do FC Porto, revolta do Benfica ou paralisia do Benfica e confiança do FC Porto. Parece-me mais complicado jogar com as prioridades. Imaginemos que o Jesus acha o empate suficiente, como é que se revolta uma equipa para empatar?
JRP - Quem poderá ser o jóquer, de um e de outro lado, no onze inicial?
-LFL - Pensar em jogadores imprevisíveis leva-nos sempre para o "campo oculto" da cabeça dos treinadores que querem fazer algo que ninguém espera e, ganhando assim, adquirirem a aura iluminada de mestres. Raramente corre bem esse exercício (e há muitos exemplos da hecatombe tática dessas invenções). Não acredito no "poder do jóquer" neste jogo em concreto.
JRP - Pode afirmar-se que Jorge Jesus tem dificuldade nos clássicos? Ou essa é uma perceção errada?
-JMR - Outro facto. Não são apenas os resultados a dizê-lo, é a própria trajetória de Jesus ao longo das épocas. Foi ficando cada vez mais cauteloso, e isso nem sempre é o caminho adequado. E para além das finais que perdeu dentro dos 90 minutos, também perdeu três campeonatos em jogos destes, em momentos finais das épocas.
JRP - O esforço suplementar a que a equipa do Porto foi sujeita na Choupana pode notar-se neste clássico?
-LFL - Pode. É inevitável que uma equipa sujeita poucos dias antes a maior desgaste competitivo-físico do que outra, possa refletir essa diferença no jogo. Não no seu início, mas a partir, aproximadamente, do meio da segunda parte. Nada disto é "científico" pelo que a utilização hábil dos jogadores, na "gestão de esforço" no jogo, pode subverter o mais lógico. Na origem da questão, porém, essa possibilidade existe.
JRP - Taremi já é um indiscutível no 11 inicial do Porto?!
-JMR - Indiscutível e uma das duas mais-valias do FC Porto relativamente à época anterior. Traz requinte e fiabilidade a um ataque que antes era só músculo e potência. A outra mais-valia é o meio-campo mais integrado na ofensiva, se calhar também porque agora há um avançado que consegue devolver-lhes a bola.
"Taremi traz requinte e fiabilidade a um ataque que antes era só músculo e potência"
JRP - Pizzi não jogou a Supertaça, mas está disponível para este jogo. Qual a importância deste trunfo?
-JMR - Muita. O Benfica tem sido uma equipa confusa. Pizzi nunca parece confuso. Traz critério aos últimos 30 metros, quer jogue no meio-campo ou a partir da direita. Um jogador que aproveita bem todas as chances é sempre fundamental em jogos que vão ter um número reduzido delas.
JRP - Se já houvesse Lucas Veríssimo quem sairia? E se já houvesse Rodrigo Pinho, seria titular? E se já houvesse Hulk ou Pepê?
-LFL - No caso do Lucas Veríssimo, não acredito que Jesus fizesse já alguma substituição da sua dupla de centrais habitualmente titular. Acredito mais em Rodrigo Pinho para o colocar a jogar atrás do n.º 9 fixo (tem características para isso e encaixa no que Jesus gosta de ter, desde Saviola a Jonas, com as devidas proporções) e não lado a lado como jogam actualmente as suas duplas atacantes. Do lado do FC Porto, muito menos mexeria de imediato Conceição num onze que está a jogar bem.