"O meu pai disse-me que não ia ser ninguém na vida. Mas continuei por causa dele"
A guarda-redes Chiamaka Nnadozie destacou-se no jogo diante do Canadá, depois de ter defendido uma grande penalidade de Christine Sinclair, impedindo-a de chegar ao 191.º golo à 324.ª internacionalização.
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Chiamaka Nnadozie é capitã da seleção nigeriana e está habituada a fazer história. No último Mundial, por exemplo, tornou-se na mais jovem guarda-redes a manter a baliza a zero num jogo do Campeonato do Mundo, com 18 anos e 186 dias. Agora, no Mundial da Austrália e da Nova Zelândia, voltou a deixar marca, depois ter sido a figura do jogo diante do Canadá e ainda ter defendido uma grande penalidade de Sinclair, que chegaria ao 191.º golo à 324.ª internacionalização. "Na última vez que joguei contra elas, ela marcou-me um golo. Fiquei muito chateada. Disse para mim mesma: 'esta é a oportunidade para corrigir as coisas. Por isso, agora está 1-1'", disse a guarda-redes no final do encontro. Mas até conseguir estar entre as melhores, a vida foi tudo menos fácil para Nnadozie, agora com 22 anos.
Chiamaka nasceu numa família humilde, sem grandes posses. Estudar estava fora de questão - não havia dinheiro - e começou a interessar-se por futebol ao ver e jogar com outras crianças na rua. Cresceu com a certeza que queria ser jogadora mas, quando revelou o sonho profissional à família, o pai e o irmão não reagiram bem, vincando que o futebol não era vida para uma mulher, incentivando-a a procurar um trabalho. Mas, mesmo com a má reação, a agora guarda-redes quis continuar. "Continuei por causa do meu pai. A certa altura, ele disse-me que eu não seria ninguém na vida. Ele concluiu que eu seria uma pessoa inútil. E expulsou-me de casa", contou Nnadozie em entrevista ao jornal "Eagles Tracker". E nesse momento, fez uma promessa: se até aos 20 anos não conseguisse singrar no futebol, voltaria atrás e pediria desculpa ao pai. Mas não foi preciso.
Lutou e tentou vários clubes. Foi testada para ser avançada ou lateral até descobrir que tinha grande talento entre os postes. Treinou muitas vezes descalça, com fome. E com a ajuda da mãe, que fazia o que podia às escondidas e tirava dinheiro ao marido para dar à filha. "Às vezes, tínhamos de implorar por comida na rua", recordou. Valia também a ajuda de amigos e de familiares de amigos para conseguir comer.
Com 14 anos, o pai da guarda-redes acabou mesmo por dar o braço a torcer. Nnadozie foi chamada para a seleção sub-17 e convenceu a família. "Quando o meu pai me viu na televisão, chamou-me de volta a dizer que eu era filha dele", relembrou a guarda-redes. Depois desta convocatória, foi sempre a somar: disputou o Mundial de sub-17 e sub-20, em 2016 e 2018, e a Taça das Nações Africanas no final de 2018. E atingiu o topo no último Campeonato do Mundo. Hoje, a jogadora do Paris FC, é uma das referências da seleção nigeriana. Também tem talento para a música e dança - partilharam as companheiras de equipa - e o selecionador da Nigéria, o norte-americano Randy Waldrum, considera-a uma das melhores guardiãs jovens do mundo. A teimosia compensou.