Maryam Yektaei, guarda-redes internacional pelo Irão, que já renunciou à seleção, fala dos sonhos comuns a muitas mulheres iranianas, exalta o poder e talento apesar das poucas oportunidades e recorda trabalho fundamental da treinadora portuguesa, que comandou as persas entre 2011 e 2012
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No Irão, o destino futebolístico de qualquer mulher não é fácil, longe está de ser um cenário plausível, compreendido socialmente. Mas há cada vez mais atletas a procurarem as suas insígnias na alta competição, nem que para isso sejam forçadas a encontrar amparo para o seu talento e acolhimento para os seus sonhos na Europa. Foi também em 2021 que partiu do país Maryam Yektaei, guarda-redes internacional pelo Irão, hoje, com 30 anos, figura importante na baliza do Besiktas.
"Não nasci num berço de atletas, mas é claro que a minha família me apoiou muito nesta trajetória. Desde que comecei a jogar, sempre se repara no efeito surpresa que gera uma mulher a praticar futebol. Por vezes até perguntavam: existe futebol para mulheres? Mas, posso dizer, que nunca fui julgada pela minha família, pelo contrário, sempre torceram para que eu fosse boa nesse ramo. Os nossos pais têm um enorme impacto nos nossos objetivos", valida Maryam, lendo a essência da posição que abraçou. "A minha alma sempre foi direcionada para desportos individuais, mas, simultaneamente, era sociável e adorava praticar em grupo. Por isso, acho que encontrei a vocação na baliza. Ser guarda-redes significa treinar individualmente, mas competir em equipa, pelo que consegui cumprir as minhas aspirações", reconhece, afastando qualquer restrição pelo contexto geográfico. "Nasci num país islâmico, mas sempre me considerei cidadã do mundo. Ser muçulmana não me impede de realizar os meus sonhos nem me impede de me adaptar a todas as circunstâncias", regista.
"Não posso dizer que encontrei ótimas condições. A começar pelas instalações, pois os equipamentos eram muito limitados para as jogadoras de futebol do Irão. Posso dizer que estes problemas continuam, de facto. Se olharmos bem para isso, o futebol feminino apenas, agora, começou tornar-se popular em todo o mundo, exceto em alguns países desenvolvidos, ao nível de condições salariais", explana Maryam, recuando ao momento em que forjou a sua carreira. "Aos 15 anos percebi que precisava de fazer uma boa carreira e que necessitava de me desenvolver ainda mais. Tive muita sorte, fui promovida à seleção A ainda jovem. E trabalhei com treinadoras muito boas, mais que tudo a Helena Costa. Foi ela que me agregou muito, tanto no conhecimento do futebol como no caráter. Mas a falta de oportunidades impediu o meu desenvolvimento no Irão e fez-me partir para fora. Alcancei boas experiências e melhorei muito", atesta, aprofundando a devoção pela técnica portuguesa. "Conheci-a na seleção principal, tive muita sorte nessa oportunidade, pois deu-me a chance de fazer parte de um grupo especial e aprendi muito sobre o que era ser profissional. Isso não é só a qualidade, é a disciplina, o treinar com vontade, encontrar motivação regular. Aprendi essas coisas. Ela tinha uma personalidade tão calma que dava confiança como treinadora", confessa Maryam Yektaei, desbravando a sua felicidade a partir da Turquia, mesmo já tendo renunciado à seleção do Irão. "Ser feliz significa ter uma carreira de sucesso. Para o alcançar luta-se por oportunidades, caso contrário, tens de encontrar um outro lugar para o fazer", defende.
"Mulheres iranianas são criaturas poderosas, em talento e trabalho"
Maryam mantém o espírito altruísta, não se conseguindo separar das raízes e de quem hoje ostenta os sonhos que já foi ela a carregar. "É preciso sair da zona de conforto para que nos possamos aprimorar. Foi isso que fiz e desenvolvi-me. É assim que penso e que julgo poder ser útil no futuro no meu país, lidando com jovens que queiram jogar, passando-lhes o meu conhecimento e experiência", sustenta, afastando da sua mente a dor por se ter afastado da família e prosseguir a carreira longe de casa. "Como profissional, não devo reger-me por essas emoções, mais ainda no posto específico que ocupo. Sinto falta de muita gente mas este é um mundo moderno e consigo chegar a todos com facilidade", destaca Maryam, elogiando a vontade de muitas compatriotas, ainda jovens, traçarem o seu rumo no futebol. "O número de jogadoras no Irão tem aumentado de dia para dia. É algo incrível e temos visto um sucesso muito evidente a nível nacional. Devemos estar todas orgulhosas", confidencia, enfatizando a força de quem supera imensas barreiras para triunfar. "As mulheres iranianas são criaturas cheias de poder, talento e trabalho árduo e todos os desafios que surjam não as afastam de quererem tornar reais os seus sonhos", clarifica Maryam, necessariamente cuidadosa, alheando-se do pulsar político num país onde a mulher tarda a ter voz quanto aos desejos desportivos e sociais. "Não me devo envolver em política, mesmo que possa desejar muitas coisas para mim e para as meninas do Irão. O foco é a carreira e o que devemos melhorar", sublinha Maryam, retirando objeções culturais da equação. "Espero que as nossas mulheres talentosas tenham todo o sucesso que merecem e que o mundo inteiro tenha oportunidade de as ver. Usar hijab não é algo restritivo, o sucesso muçulmano no mundo do desporto está à vista com atletas de craveira olímpica a participarem em grandes eventos. As preocupações estão mais relacionadas com infraestruturas e oportunidades", identifica a guarda-redes, realizada na Turquia. "É uma honra estar num grande clube onde tenho progredido. E aposto em melhorar todos os dias, ultrapassar os meus limites. Nunca estarei desiludida pelo que atingi, apenas orgulhosa do que fiz", invoca Maryam Yektaei, naturalmente também conhecedora do papel de Taremi, através do FC Porto, no reforço do prestígio iraniano pelo mundo globalizado.
"É alguém que se tornou exemplo, que nos enche de orgulho e confiança pelo que fez em Portugal. Temos muitos Taremis no Irão, que só precisam de oportunidades de mostrar o seu talento."