Diana Gomes e o golo no derradeiro duelo de acesso ao Mundial: "Estava destinado"
Numa longa entrevista ao O JOGO, a central da Seleção Nacional mostra-se convicta de que, na primeira aparição num Campeonato do Mundo, Portugal vai surpreender tudo e todos. Fala ainda da temporada de estreia no futebol espanhol, a defender o escudo do Sevilha.
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Aos 24 anos, Diana Gomes já é um dos símbolos da Seleção Nacional de futebol feminino, somando 32 internacionalizações A. A central das tranças icónicas foi a segunda melhor marcadora da equipa das Quinas na histórica qualificação para o Mundial deste ano (apontou quatro golos, tal como a avançado Diana Silva) e a quarta jogadora com mais minutos de utilização (930").
Perante a Islândia, no último jogo do play-off europeu (vitória lusa por 4-1, após prolongamento), que se disputou em Paços de Ferreira, a sua terra natal, vi-a emocionada na altura em que tocava o hino nacional. Foi um encontro muito especial para si?
- Só de falar no assunto, até já me estão a vir as lágrimas aos olhos. Jogar na minha terra natal e fazer história por Portugal, com a minha família e os meus amigos a assistirem no estádio... foi dos dias mais felizes da minha vida e nunca o vou esquecer. O público do Norte também proporciona um ambiente especial. Está sempre a gritar por nós, do início ao fim, e esse apoio faz muita diferença. O futebol não é nada sem os adeptos. Nós, jogadoras, ficamos extremamente felizes quando vemos as bancadas cheias.
Lesionou-se em meados de dezembro do ano passado e ficou dois meses sem competir. Como foi esse contrarrelógio para conseguir recuperar a tempo da final do play-off intercontinental de acesso ao Mundial?
- Lesionei-me a 15 de dezembro, fiz uma ressonância e as coisas estavam feias. Três dias depois, fui para Portugal, por causa do Natal e da passagem de ano, e dei início ao tratamento, com a ajuda do João Beiramar e da Rita Fernandes. Em janeiro, voltei para Sevilha e, nessa altura, colocaram a possibilidade de ter de ser submetida a uma intervenção cirúrgica. Caiu-me tudo. Então, o clube levou-me a dois especialistas em tornozelos e ambos disseram que não havia necessidade de fazer a cirurgia, que dentro de três semanas estava apta. Dei seguimento à recuperação, sempre acompanhada pelo departamento médico do Sevilha, e comecei a treinar com a equipa uma semana antes de sair a convocatória da Seleção. Quando vi o meu nome na lista, foi uma alegria indescritível.
Na Nova Zelândia, na preparação para o duelo do tudo ou nada, tiveram de enfrentar um ciclone. Como é que o grupo reagiu a esse imprevisto?
- A mensagem do professor Francisco Neto foi sempre a mesma: "Venha o que vier, podemos não treinar, mas vamos chegar ao jogo e dar a vida. Seja de que maneira for". Durante uns dias, tivemos de treinar dentro do hotel por causa do ciclone tropical Gabrielle. Contudo, o nosso grupo de trabalho é muito forte e, independentemente das circunstâncias, o único pensamento de todos era vencer o derradeiro encontro e carimbar o passaporte para o Mundial.

Na partida decisiva, frente aos Camarões, abriu o ativo no histórico triunfo de Portugal (2-1). O que sentiu quando marcou?
- Eu nem estava a acreditar. A bola bateu no poste, após o livre da Kika Nazareth, e veio ter aos meus pés. Não consigo explicar a emoção que senti naquele momento. Só me passava pela cabeça o seguinte: há umas semanas, encontrava-me a recuperar de uma lesão grave e, agora, estou a marcar no jogo mais importante da história do futebol feminino português. Estava destinado.
Recebeu muitas mensagens depois do encontro?
- Sim, imensas. Muitas pessoas que não conheço deram-me os parabéns. Passados dois dias, ainda estava a responder às mensagens. É sempre bom ver o nosso trabalho ser reconhecido, senti-me muito orgulhosa e feliz. Isto também demonstra que os portugueses nos acompanham cada vez mais, que o futebol feminino está em constante evolução e que nós, jogadoras, estamos a atingir o patamar que sempre ambicionamos.
No dia a seguir ao apuramento, publicou, nas "stories" do Instagram, uma foto a enaltecer a capa de O JOGO. Como é que analisa o destaque mediático que foi dado ao feito que conseguiram?
- Nós fizemos história por Portugal e julgo que tínhamos de ser o principal destaque das capas dos jornais desportivos. Era só uma vez, o futebol masculino não ia acabar por causa disso. Necessitamos que nos promovam para o futebol feminino continuar a crescer e para as pessoas ficarem a saber mais sobre nós. Se não nos dão o devido destaque com este feito, quando é que vão dar? Temos de começar a mudar mentalidades.

Portugal vem de oito triunfos consecutivos e, neste momento, ocupa o 21º lugar do ranking da FIFA, a melhor classificação de sempre. Considera que estes registos comprovam o crescimento do futebol feminino português nos últimos anos?
- Sim, sem quaisquer dúvidas. Isso mostra a qualidade que existe em Portugal. Nós trabalhamos arduamente nos clubes para depois chegarmos à Seleção Nacional e representarmos o país ao mais alto nível. O professor Francisco Neto também não promove muitas alterações nas convocatórias e isso é importante para fortalecermos a nossa conexão. Já são vários anos juntas, conhecemo-nos todas muito bem. Temos um grupo muito unido, dentro e fora de campo. Mais do que uma equipa, somos uma família.
Esteve presente nas fases finais dos Europeus de 2017, nos Países Baixos, e 2022, em Inglaterra. Como descreve esses momentos?
- No primeiro Europeu, inicialmente, fiquei de fora. Entretanto, a Jéssica Silva teve a infelicidade de se lesionar e eu fui chamada. Era a mais nova do grupo, tinha 18 anos, fiz 19 durante o torneio e, apesar de não ter jogado qualquer minuto, foi um grande passo para a minha carreira. No segundo, fui titular nos três jogos e até marquei um golo, no empate a duas bolas diante da Suíça. Obviamente, espero estar presente em mais fases finais de grandes competições, é isso que enriquece o nosso trajeto.
Na fase final do Campeonato do Mundo, Portugal está inserido no Grupo E, com Estados Unidos, que venceram as edições de 1991, 1999, 2015 e 2019, Países Baixos, vice-campeões mundiais, e Vietname. O que podemos esperar?
- No seio da Seleção, todos acreditamos que é possível passar a fase de grupos. Estamos cada vez melhores e vamos estar preparadas para o Mundial. Estou com um "feeling" de que vamos surpreender pela positiva.
A aventura por terras andaluzas

Após cinco épocas ao serviço do Braga, onde conquistou os quatro títulos do futebol português, Diana assinou pelo Sevilha no início da presente temporada, abraçando um desafio aliciante no país vizinho, entre a elite.
Diana Gomes ainda está à procura de se impor, definitivamente, na formação nervionense, que ocupa o sexto lugar da tabela classificativa da liga espanhola, a seis jornadas do fim da prova.
Como e quando surgiu o futebol na sua vida?
- Desde que tenho noção das minhas memórias de infância, sempre tive o sonho de jogar futebol. Tenho dois irmãos mais velhos e eu tinha mais paixão pelo futebol do que eles, era mesmo obcecada. Ia para a escola e levava sempre a bola na mochila. Quando era mais pequena, eu e os meus irmãos jogávamos no meio da estrada e colocávamos paralelos a fazer de balizas. Depois mudámos de residência e a estrada à frente de nossa casa era a principal, passavam muitos carros. Desta forma, era impossível jogar lá. Então, passei a jogar na varanda e houve um vizinho, o senhor Freitas, que me viu e disse à minha mãe para me meter a jogar futebol num clube porque eu tinha qualidade. Ela não achou muita piada, mas o meu pai gostou da ideia e convenceu-a. Comecei nas escolinhas do Citânia de Sanfins com os rapazes, fiz meio ano de futsal e outro meio de futebol de 7. Depois subi aos infantis e tive mais dois anos a jogar com os rapazes. Nos iniciados, já não podia jogar com eles e tive de mudar de clube. Fui para o Freamunde, que tinha uma equipa principal de futebol feminino e, aos 13 anos, já jogava com as seniores.
Está a viver a primeira temporada no estrangeiro. Como é que tem sido este período de adaptação a uma nova realidade?
- Quando vim para cá, estava receosa. Lembro-me perfeitamente de vir no carro, sozinha, do Porto para Sevilha, a chorar e a pensar na escolha que tinha feito, porque esta é a minha primeira experiência fora de Portugal e longe da família. No entanto, as coisas correram muito bem e todas as pessoas que fazem parte do clube foram impecáveis comigo, ajudaram-me na adaptação. A cidade é lindíssima e as pessoas passam boas energias. Estou a gostar imenso.
Tem contrato com o Sevilha até junho de 2024. Uma vez chegada a uma das ligas mais competitivas e exigentes do futebol europeu, quais são os seus objetivos pessoais?
- Eu pretendo chegar o mais longe possível no futebol, desejo estar nos grandes palcos. Um dia, gostava de ter a oportunidade de jogar no Barcelona, que, neste momento, é a melhor equipa do mundo no futebol feminino. É um sonho que tenho. Ambiciono ainda competir na Liga dos Campeões e disputar o título do campeonato espanhol, que seria algo espetacular. A liga inglesa também me atrai. Contudo, por agora, o meu foco está totalmente no Sevilha. Quero fazer duas boas épocas pelo clube e continuar a evoluir como jogadora.

Costuma acompanhar a Liga BPI?
- Sim, costumo. Não consigo ver muitos jogos, mas sigo a página da Liga BPI no Instagram e procuro sempre manter-me informada sobre aquilo que está a acontecer. Espero que, cada vez mais, as pessoas possam acompanhar e valorizar o futebol feminino em Portugal.
Quais são as principais diferenças entre o futebol feminino espanhol e o português?
- Em Espanha, os jogos são muito mais intensos e, no geral, há mais qualidade, uma vez que todas as jogadoras são profissionais. O resultado de cada encontro é, à partida, completamente imprevisível e as condições que os clubes oferecem às atletas são de excelência. Já em Portugal, algumas equipas só treinam à noite. As jogadoras chegam ao treino exaustas, depois de um dia de trabalho, e, obviamente, não conseguem ter o melhor rendimento. Estes fatores acabam por fazer toda a diferença.
Que características a definem como jogadora?
- Sou uma jogadora raçuda. Gosto de ser dura, no bom sentido, e ir ao duelo. Procuro analisar o jogo constantemente para me antecipar às adversárias e ganhar os lances. Acho que o jogo aéreo é um ponto forte que tenho, tal como os passes curto e longo. Julgo possuir as características essenciais para uma boa central.

Como é a Diana fora das quatro linhas?
- Sou uma pessoa que tenta estar sempre alegre e na brincadeira. Não tenho duas caras, não escondo aquilo que sou. Posso dizer que, hoje, continuo a ser a mesma Diana que era há dez anos. Gosto de estar com os meus amigos e de ter um ambiente positivo no balneário.
Quais são as suas maiores referências dentro do futebol?
- Para mim, o maior exemplo para todos os futebolistas é o Cristiano Ronaldo. Da minha posição, aprecio imenso o Rúben Dias, que chegou ao Manchester City e tornou-se logo um líder; o Pepe, que é uma máquina e, aos 40 anos, faz ver aos mais novos; o Sergio Ramos, que é muito semelhante a mim na forma de jogar. No futebol feminino, a minha jogadora favorita é a Irene Paredes, central do Barcelona. Também gosto muito da Julie Ertz, internacional norte-americana. Na Seleção Nacional, existem várias, como a Andreia Norton, a Carole Costa ou a Kika Nazareth, que tem um talento inexplicável, aquilo já é de nascença.
Passa pelos seus planos um dia regressar ao futebol português?
- Neste momento, voltar a Portugal não é a melhor opção para as metas que quero alcançar. Porém, algum dia vou regressar, espero que para uma equipa grande para tentar conquistar mais títulos. São eles que marcam a nossa história. Quando for mais velha, quero olhar para trás e ter boas recordações sobre o meu percurso no futebol.
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