A avançada Edite Fernandes partilhou, com O JOGO, histórias de uma carreira cheia e feita pelos quatros cantos do Mundo. Arrancava a cabeça às bonecas para jogar à bola e lamenta não ter estado num Europeu
Corpo do artigo
Há mais de 20 anos que resume a sua vida aos relvados, Edite Fernandes, 41 anos, é umas das maiores referências do futebol feminino em Portugal. Com passagens pela China, Espanha, EUA e Noruega, a avançada contou a OJOGO onde deu os primeiros passos e o que ambiciona para o futuro.
Quando é que descobriu esta paixão pelo futebol?
-Costumo dizer que este bichinho nasceu porque os meus pais se conheceram num estádio de futebol. Mas a verdade é que não tive influência de ninguém, acho que nasceu comigo. E até tenho histórias engraçadas por causa desta paixão. Lembro-me, por exemplo, de tirar a cabeça às bonecas para jogar futebol. E lembro-me ainda de um episódio caricato quando tinha cerca de 5/6 anos. Andava às compras com a minha mãe e fiz uma birra para ela me dar uns sapatos de futebol. Lembro-me que dizia sapatos porque nem sequer sabia o que eram umas chuteiras, mas eram estes os meus pensamentos.
utebol Benfica Edite Fernandes, nome emblemático do futebol feminino, está com 41 anos e continua a marcar
Há 20 anos a realidade era outra. Sempre teve o apoio da família?
- A minha mãe sempre foi o meu pilar, mas obviamente que naquela fase ela queria que eu prosseguisse os estudos. Mas eu nunca quis saber dessas coisas e só pensava em jogar futebol. E com o tempo, o apoio acabou por vir, claro. E aliás até acho que esse apoio sempre existiu.
Começou a jogar em 1996, no Boavista, como é que surgiu essa oportunidade?
-Eu sabia que o Boavista era a melhor equipa nacional, mas não tinha grandes conhecimentos. Não conhecia a história do Boavista nem ninguém do clube. Sabia que eram as melhores, mas não conhecia. Até que um dia um professor meu de Educação Física falou com o meu tio e disse-lhe que eu tinha queda para isto e aconselhou o Boavista, por ter equipa principal e os escalões. Um dia surgiu a oportunidade, fui lá treinar e nunca mais saí. Foi chegar e vencer.
Inicialmente, que sacrifícios fazia para conseguir treinar?
-Eu ainda andava a estudar. Quer dizer, ia às aulas. (risos) A partir do momento que quiseram ficar comigo e assinei contrato, passei a ter ajudas do clube. Lembro-me que a primeira vez que abri uma conta bancária foi no Boavista, para me pagarem as despesas, porque eu ia de Vila do Conde para o Porto de comboio. Fazia o sacrifício de ir muitas vezes sozinha, de chegar tarde, mas valia a pena porque estava a fazer aquilo que gostava. Estava a viver um sonho.
Depois do Boavista seguiram-se vários clubes. Qual o que a marcou mais?
-O que me marcou mais foi quando tive a oportunidade de me tornar profissional e isso aconteceu quando fui para a China. Não consigo encontrar experiência que tenha sido melhor, por estar a realizar um sonho.
"Lembro-me que a primeira vez que abri uma conta bancária foi quando comecei a jogar no Boavista, com contrato. Na altura para me pagarem todas as despesas"
Como é que foi essa passagem pela China?
-Tinha 21 anos. Era um sonho, era tudo uma novidade. Sabia de todas as barreiras que existiam, mas foi fácil a adaptação porque era aquilo que eu queria e a experiência não podia ter sido melhor. Conquistei o titulo da Liga Chinesa e fui a melhor jogadora da final.
De todas as experiências no estrangeiro qual é que a cativou mais?
-Adorei a experiência na China por ser a primeira e por viver um sonho, mas os EUA foi onde me senti melhor. Feliz e em casa. Apesar das saudades.
No meio de tantos jogos, qual é o que nunca vai esquecer?
-O meu primeiro jogo que me lançou para o futebol: o Boavista-Lobão, que acabou por ficar 2-1, com dois golos meus. Esse jogo decidia o campeonato, e havia muita gente a ver. Entro a 13 minutos do fim, quando estávamos a perder e marquei os golos da vitória: um de cabeça e outro de pé esquerdo. Festejamos o campeonato. Fui muito feliz. Lembro-me de no dia seguinte até sair no jornal. Foi inesquecível.
"Fiz uma birra para a minha mãe me dar uns sapatos de futebol. Dizia sapatos porque nem sabia o que eram chuteiras"
Atualmente está no Futebol Benfica, como tem sido a experiência?
-É um clube histórico. Neste momento, também estou a trabalhar no clube como coordenadora da formação do futebol feminino e a experiência está a ser ótima. Estamos a passar por um período de mudança e as coisas vão melhorar na segunda fase. O nosso lugar é nos de cima e é para isso que vamos trabalhar.
Há algum sonho que ficou por cumprir?
- Sim... o sonho de representar a Seleção Nacional no Europeu. Fiz a qualificação toda, mas depois por opção não fui convocada para o play-off em outubro de 2016. E isso fez-me parar e pensar um bocado e em fevereiro de 2017 decidi encerrar esse capitulo. Ficou esse sonho por cumprir, mas já está ultrapassado. Não realizei esse sonho, mas realizei outros.
O que perspetiva para o futuro?
- Estou a tirar agora um curso de especialização de formação de futebol. E depois vou tentar fazer o curso de treinadora, tenho o nível I vou tentar tirar o II. Mas sim, pretendo ficar ligada ao futebol. Porque é isso que eu realmente quero.