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A dias do clássico com o Sporting, a expressão de Fernando não é uma declaração de guerra. Em conversa com O JOGO, a primeira desde que está em Portugal, o médio falou sem pruridos sobre a imagem que tem de si próprio e sobre o que quer para a sua carreira. É desse auto-retrato que extraímos o título desta entrevista, um ditado brasileiro que reflecte a sua inquietação e a sua ânsia de ser mais jogador. Um objectivo que está finalmente a cumprir com Vítor Pereira, o treinador que lhe deu liberdade para se desvincular da imagem de um trinco convencional.
Está em Portugal há mais de quatro anos. Sabe quantas entrevistas deu desde que chegou?
Assim sentado como estou agora? É a primeira vez.
Há alguma explicação para isso?
Não sei. Vocês convidaram-me e aqui estou eu...
Mas não acha estranho? Prefere passar despercebido?
Sinceramente, prefiro passar despercebido sim. Não sou de querer aparecer, gosto de estar na minha, sou reservado e preservo isso.
Porquê?
Porque eu sou assim. Desta vez sinto-me à vontade, mas na maioria das vezes não é algo que aprecie muito. Sou reservado, tímido e um pouco envergonhado.
É uma personalidade que corresponde àquilo que o Fernando é em campo?
Não, é totalmente diferente. Quem me conhece e convive comigo diz que eu sou totalmente diferente quando estou em campo. No campo fico chateado facilmente, seja por alguma decisão do árbitro, por alguma situação de jogo que me leve a falar alto com um companheiro. Fora de campo eu não sou assim, sou calado e envergonhado, quase não falo com ninguém.
Com quem é que costuma falar mais alto em campo?
Com todos. Quando sinto que algo está errado nem olho a nomes.
Tem noção de que é um dos jogadores mais difíceis de substituir neste FC Porto?
Acho que é difícil adaptar alguém à minha posição. É uma posição muito complicada e foi muito difícil a minha adaptação. Fazer o que o FC Porto exige para esta forma de jogar é muito difícil, requer tempo.
Desde que cá está, foram testados vários jogadores nessa posição e nenhum ganhou raízes. Isso não reforça o seu estatuto de insubstituível?
Fico feliz porque o meu trabalho é reconhecido. Antes de mim, também o Paulo Assunção era insubstituível. Todos diziam, quando ele saiu, que o FC Porto não conseguiria encontrar outro jogador assim. A verdade é que eu cheguei e dei conta do recado. O mesmo acontecerá comigo, daqui a um ano, ou dois, ou cinco ou dez. Quando eu sair, vai chegar alguém igual ou melhor. É sempre assim no FC Porto.
Falou no Paulo Assunção. Jesualdo Ferreira chegou a dizer, numa entrevista, que o Fernando seria melhor jogador do que o Paulo Assunção alguma vez foi. Acha que já cumpriu essa previsão?
Temos características diferentes. Não me posso colocar acima dele, porque ensinou-me muito. No Brasil não jogava assim, não fazia ideia do que era jogar assim e aprendi com ele. Está acima de mim pela sua maturidade em campo.
Se pudesse mudar algo no seu jogo, o que acrescentava?
Quando vejo os meus vídeos, penso que estou na forma que sempre ambicionei. Estou muito feliz, antes eu achava que ficava muito recuado, que não tinha hipóteses de chegar à área, fazer um remate. Sempre fui feliz, mas aquilo que faço neste FC Porto permite-me dizer que este é o melhor momento que estou a viver neste clube.
Não respondeu à minha pergunta. Ainda tem margem de progressão?
Sim, preciso de melhorar. Eu cobro algo de mim a cada treino que faço. O futebol é assim, sei que tenho de matar um leão por dia.
Disse que vê os seus vídeos. Quais? De épocas anteriores? Dos jogos que acaba de fazer?
Vejo sempre o que faço de bom e de mau. Sempre fiz isso. Às vezes sou elogiado, as pessoas dizem-me que estive muito bem, mas chego a casa a pensar que podia ter dado um pouquinho mais. Sempre me cobro muito.
Tem dificuldade em desligar quando sai de um jogo?
Depois de um jogo adormeço sempre muito tarde, é a adrenalina. Penso sempre no jogo, no que fiz de bom e de mau. Se tenho um jogo às 21 horas só adormeço às 4 da manhã. Fico com o jogo na cabeça.