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Sala cheia, com dezenas de jornalistas, grande parte estrangeiros. André Villas-Boas manteve-se fiel ao discurso de sempre, cauteloso e sereno, para além de ter respondido à curiosidade dos ingleses, brasileiros, irlandeses, colombianos e até de um japonês. Esses estavam naturalmente mais interessados na eterna comparação com Mourinho. Saiu a resposta de sempre.
Há nove meses disse que queria ganhar a Liga Europa. Vai ser um parto difícil?
Disse algo que era natural, tendo em conta as expectativas do clube, o seu palmarés e história. Foi uma frase que saiu naturalmente, até porque um clube com esta grandeza joga sempre para vencer troféus. É uma obrigação nossa, temos esse compromisso e foi assim que abordámos todos os jogos desta competição. Estamos com esperança de vencer o Braga e acreditamos na nossa competência. O Braga provoca-nos um desafio aliciante, vai ser superdifícil; deixaram para trás grandes equipas, com uma enorme reputação. Teremos de estar no nosso nível máximo e estamos confiantes. Considera que a sua equipa é favorita, como referiu Domingos?
Nos últimos tempos, o Domingos tem dito algumas coisas contraditórias; diz que quer ganhar, mas atribuiu-nos o favoritismo. Mas isso, do favoritismo, não interessa a ninguém. São duas equipas com organizações distintas, mas bastante eficazes. O Braga tem atingido, durante os últimos dois anos, resultados alucinantes, completamente fora do normal, que mostra a qualidade do plantel, mas também do Domingos. O favoritismo não nos interessa para nada, até porque o Braga eliminou todas as equipas que defrontaram nesse papel. Chega a esta final com inteiro mérito e com uma identidade muito forte. Como preparou a sua equipa para este jogo?
Jogámos no sábado e não tivemos muito tempo para treinar. Fizemos duas sessões de recuperação, domingo e segunda-feira, mas isso não é nada de novo para nós, uma vez que estamos habituados. Teremos duas conversas com os jogadores, uma esta noite [ontem] e outra amanhã [hoje]. Ou seja, o normal. Estudamos sempre bem os adversários, mas queremos, sobretudo, manter a nossa identidade. Já disse que não vai fugir à forma habitual de o FC Porto jogar. Isso pode ser uma vantagem para o Braga?
Não. Foram as identidades das duas equipas que as trouxeram até esta final. Haverá os pormenores, as nuances tácticas, os detalhes que podem ser decisivos, mas estou certo de que nenhuma equipa vai alterar a sua forma de jogar. Seria como remar contra a maré. Esta identidade trouxe-nos aqui e com ela fizemos um campeonato que, acredito eu, não se voltará a repetir na era moderna. Por tudo isto, acho que nenhuma das duas equipas desvirtuará a sua forma de estar em campo. Como se evita o relaxamento dos seus jogadores, tendo em conta os mais de 30 pontos de diferença para o Braga no campeonato?
É fácil: basta referir as equipas que o Braga eliminou ou derrotou nas competições europeias; Celtic, Liverpool, Sevilha, Benfica, Arsenal ou Shakhtar. São todas grandes potências do futebol europeu que foram caindo e isso, por si só, comprova a qualidade dos jogadores do Braga. Vai preparar a equipa para a eventualidade de sofrer um golo primeiro?
Não preparo a minha equipa para sofrer golos. Estamos confiantes, animados, e encaramos este jogo com o objectivo de o vencer. Podemos sofrer primeiro, um golo, ou até dois, como até pode acontecer o contrário. Até podemos ir a penáltis. Esse é o lado imprevisível . Temos a equipa preparada para marcar golos e não para os sofrer, mas, se isso acontecer, teremos de ser competentes para reverter o resultado. Como explica o facto de haver duas equipas portuguesas na final?
É apenas o reflexo do que se passa no futebol português. Temos imenso talento e há imensos jogadores que crescem lá. Mourinho conseguiu isso em 2003; eu e o Domingos temos essa oportunidade agora. Sei que não é um campeonato muito mediático no estrangeiro, mas se olharem para as maiores equipas europeias, encontram quase sempre lá um ou dois jogadores portugueses. Quem é melhor no discurso: você ou o Domingos?
Não vivo o dia-a-dia do Braga para saber o que ele faz... Nem sei se ele vê o futebol da mesma forma que eu. Também não sei as mensagens que ele passa aos seus jogadores. Para nós, o importante é que os jogadores acreditem no trabalho que é feito. Felizmente, as vitórias têm confirmado isso. É mais fácil motivar uma equipa que é considerada favorita?
Isso não me interessa minimamente. Não quero saber.
Pela segunda vez em Dublin
Pura curiosidade britânica: quais foram as sensações que a cidade de Dublin provocou em André Villas-Boas? "Estamos num hotel longe da cidade, mas sei que tem um campo de golfe com 18 buracos", respondeu o treinador com humor. Mas, depois, lá confessou uma visita antiga, por culpa de um ex-internacional irlandês. "Estive cá uma vez, há uns anos, quando ainda trabalhava no Chelsea, para ver um jogo do Damien Duff pela selecção irlandesa. Esta é a minha segunda vez, mas estou certo, tendo em conta o momento que estou a viver, que será uma cidade que recordarei para sempre."
"Vencer a Champions? Não, não acredito"
Agora na versão internacional, André Villas-Boas voltou ontem a repetir que vai continuar no FC Porto na próxima temporada, até para jogar a... Champions. No entanto, e ao contrário do que aconteceu com Mourinho, avisa desde já que não acredita na vitória na próxima Champions.
Quais são as diferenças e as semelhanças com a equipa de José Mourinho que ganhou a Liga Europa em 2003?
São equipas diferentes, com treinadores diferentes. Estive com essa equipa, embora com outro cargo, e foi importante para o clube ter vencido a Liga Europa, depois de ter estado muitos anos afastado de uma final europeia. Foi um grande acontecimento para o FC Porto e que permitiu que o clube crescesse. Nesse momento, o FC Porto voltou a construir uma história na Europa. Como conseguiu ter tanto sucesso em tão pouco tempo?
Não gosto de responder a essa pergunta. As pessoas centram muito a atenção nos treinadores, mas o treinador está dependente da estrutura do clube e da qualidade dos jogadores. Felizmente, no FC Porto tenho ambas. Temos jogadores com grande qualidade e uma grande competência à minha volta. Isto não é um "one man show". O futebol é um desporto colectivo. Pensa em sair para procurar novos desafios?
Já disse e volto a repetir: estou muito contente no FC Porto. Nasci na cidade do Porto e este é o meu clube de sempre. Não sinto necessidade de sair. Pode ser o mais jovem treinador de sempre a conquistar uma competição europeia...
Não vejo as coisas desse modo. Isso, para mim, não tem importância. O que fez para conquistar os jogadores no início da época?
Têm de perguntar isso aos jogadores. São eles que têm de dizer de que forma vêem o seu líder. Não vejo o futebol tão táctico como fazem crer. Acredito, sobretudo, na transcendência dos jogadores, na motivação, na organização, no treino... Mas, no futebol chega-se ao sucesso de várias formas: sendo um mau líder e a treinar bem ou até o contrário. Dou muita liberdade de escolha aos meus jogadores, não só nos jogos, mas também nos treinos, porque acredito que isso potencia o seu talento. A nossa equipa técnica defende este princípio até à morte. Não somos ditadores da lei e de comportamentos em campo. A história está a repetir-se: acredita que o FC Porto vai vencer a Liga dos Campeões na próxima época?
Não, não acredito. O que aconteceu no passado foi especial e dificilmente se repetirá. Estamos focados em vencer a Liga Europa, sabendo que no próximo ano estaremos na Champions. Mas sabemos a posição que ocupamos nessa competição; não é por eventualmente vencermos a Liga Europa que depois vamos vencer a Liga dos Campeões. Para o ano, queremos passar a fase de grupos, chegar aos quartos-de-final, ou até um pouco mais longe.
Mourinho, Robson e duas histórias para contar
Inevitável. André Villas-Boas e José Mourinho. José Mourinho e André Villas-Boas. Os jornalistas entrangeiros, sobretudo os britânicos, não se cansaram na procura de pontos comuns. Afinal, perguntou um, o que aprendeu Villas-Boas com o actual treinador do Real Madrid? "Estive sete anos com ele, com uma equipa técnica composta por grandes treinadores, em clubes de topo, com jogadores fantásticos e pessoas de sucesso. Na altura, respeitei a posição que tinha naquele grupo e tentei desempenhar o meu papel sempre com grande profissionalismo. No entanto, chegou um momento em que decidi seguir o meu caminho", explicou Villas-Boas, que fez questão de fugir sempre com diplomacia às questões sobre Mourinho. Depois, falou-se da importância que Bobby Robson teve na carreira do treinador portista. "Ele foi decisivo. Se não fosse ele, provavelmente hoje seria jornalista. Não tinha grande ideia sobre o futebol profissional, mas fui com ele a alguns treinos e, depois, estive a aprender em Inglaterra e Escócia. Se não fosse ele, seria impossível estar aqui hoje. Aliás, não estaria de certeza."
A metamorfose de Hulk, segundo um japonês
Costuma dizer-se que se encontra sempre um japonês, para onde quer que se vá. Ontem, lá estava um, na sala de Imprensa, a perguntar sobre Hulk. Disse ele que o avançado está muito melhor agora, no FC Porto, do que quando jogava no Japão. André Villas-Boas tentou explicar porquê. "Ele foi muito cedo para lá e terá encontrado algumas dificuldades, não só a nível social, mas também nos comportamentos que tinha em campo. Depois, quando se mudou para um ambiente europeu, encontrou vários brasileiros e ter-se-á sentido mais à vontade. No entanto, recordo que também passou por dificuldades no primeiro ano. Aos poucos, foi-se integrando no estilo de jogo europeu, mas isso é mais mérito dele do que dos treinadores, porque ele tomou as escolhas certas para potenciar as suas qualidades. Ele merece tudo o que está a viver", referiu o treinador.
