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O planeta aproveitou uma cuspidela e um desabafo mal medido para dar uma valente tacada em Cristiano Ronaldo, acusando-o de ser uma desilusão. O seleccionador nacional abre-lhe a porta de saída da Selecção, mas ao mesmo tempo mostra-se disponível para o receber de volta. Incondicionalmente ao lado do jogador e defendendo-o do mundo e de... Carlos Queiroz, até agora só mesmo José Mourinho, o seu futuro treinador no Real Madrid.
Cristiano Ronaldo não sai com o prestígio intacto deste Mundial. Em primeiro lugar, pelo desempenho desportivo: esperava-se mais daquele que é considerado um dos dois melhores jogadores do mundo na actualidade. Depois, pela forma pouco diplomática como, logo após a eliminação frente à Espanha, apontou ao dedo ao comandante do barco (Carlos Queiroz) e, finalmente, pelo desagradável episódio da cuspidela aos pés de um operador de câmara em pleno relvado do Green Point. Publicado em milhentos sítios de internet, da China ao Brasil, de Israel à Coreia do Sul, o vídeo deste incidente foi o pretexto para muitos questionarem o valor do atleta: "Mas, afinal, Cristiano Ronaldo é ou não um futebolista de eleição?"
Carlos Queiroz não chegou a tanto. Não coloca em causa a qualidade do seu capitão, afirmando até que Portugal "não se pode dar ao luxo" de desperdiçar os seus recursos. De qualquer forma, não deixa de dar um recado. "Se o tamanho de alguma camisola for pequeno de mais para algum corpo, ele não precisa de estar aqui", disse o seleccionador, como se estivesse a dar uma no cravo, outra na ferradura. Ou seja, o seleccionador deixa entender que está disposto a esquecer a aparente insubordinação de Ronaldo, estendendo-lhe a mão, ao garantir que pretende contar com ele no futuro. Para tanto, basta que o CR7 aprenda a esfriar um pouco as suas emoções. "Temos sempre tempo de aprender a controlar as nossas emoções e, sobretudo, pensar primeiro e falar depois."
José Mourinho foi o único a colocar-se pública e incondicionalmente ao lado de Cristiano. O novo treinador do astro no galáctico Real Madrid começa já a trabalhar para a nova época, menorizando possíveis efeitos negativos da psique do jogador. "Sou treinador do Real Madrid e, por isso, o Cristiano Ronaldo é meu jogador. E por ser meu jogador, tenho o direito de fazer o que não fiz desde o início do Mundial, um único e simples comentário: nas minhas equipas, quando ganhamos, ganhamos todos, e quando perdemos... perco eu", lembrou El Especial aos microfones de uma rádio espanhola (Onda Cero), deixando entender que esse seria o discurso que Queiroz deveria ter tido. "O Ronaldo pode estar tranquilo a desfrutar das suas férias, porque na próxima época não deixarei que ninguém ponha sobre ele as responsabilidades de uma equipa", concluiu, atacando implicitamente o esquema táctico de uma equipa que alguns, durante a prova, acusaram de depositar nos ombros do CR7 as principais esperanças ofensivas da equipa. "É bola para a frente, e o Cristiano que resolva", chegou a escrever um cronista. Mas como reconhecido especialista em esquemas defensivos que é, Mourinho apressou-se a colocar um muro de protecção à frente da sua nova pérola. Ele que, noutro tempo, até chegou a andar de candeias às avessas com o CR7.
Cuspir contra o vento
Pela primeira vez, Ronaldo não gostou de ser filmado. Enquanto o tal operador de câmara o seguia a caminho dos balneários, o avançado virou-se para a objectiva e escarrou. A cuspidela caiu mal e serviu de pretexto para o mundo lhe estender o dedo acusatório. Nos Estados Unidos, escreveram que se trata de "um impostor" e que até Nelson Mandela, aos 91 anos, se conseguiria mexer mais dentro do campo. Na China, dizem que "não é digno de ser capitão" de uma selecção nacional; em Espanha, apontam o seu mau perder; e, no Canadá, até questionam se ele não "estará já acabado". Outros colocaram a hipótese de a FIFA vir a castigar o atleta, mas a organização logo veio a terreiro desvalorizar a situação. "Não dispomos de informação sobre o incidente", limitou-se a afirmar o porta-voz Nicolas Maingot, revelando abertura a que seja colocado um pano quente sobre o assunto.
Na conferência de Imprensa-surpresa do seleccionador português, este não comentou o episódio, limitando-se a abordar o tom crítico de Ronaldo perante a sua figura. Queiroz considera que tudo foi fruto do mal-estar resultante da eliminação do Mundial. "É natural e compreensível que, após jogos com esta intensidade, apareçam algumas frustrações", disse, não se mostrando propriamente aborrecido com isso. "Estou mil por cento ao lado de jogadores que tiverem alguma frustração de linguajar, porque queriam ganhar e queriam oferecer essa vitória a Portugal."