Corpo do artigo
É na época de Natal que a saudade do emigrante se torna mais profunda e intensa, e a distância geográfica em relação ao país de origem é quase insuportável. A magia natalícia mantém o encanto e a proximidade familiar, mas também atrai memórias de solidão e sacrifício numa luta em prol de uma vida melhor. Portugal tem sido porta de saída e de entrada de fluxos migratórios provocados por crises económicas, embora o futebol seja forte motivação para quem chega em busca da tal oportunidade que fará sorrir o futuro. Neste capítulo, o Feirense é um exemplo pela diferença, não apenas por ser um dos plantéis mais portugueses da Liga ZON Sagres, mas porque concentra um número anormal de filhos de emigrantes portugueses. Em 27 jogadores, há quatro que conhecem bem a sensação de estar longe da pátria e a necessidade de adaptação a outra cultura e valores sociais.
Mika, Ludovic, Hélder Castro e André Fontes são intervenientes de histórias de mala de cartão. Emigrar para cada um deles é um verbo que indica dificuldades e um exercício exigente de aprendizagem de uma língua estranha. Se nos casos de Hélder Castro e André Fontes o processo de transição foi duplo, pois nasceram em Portugal e, de certa forma, decorreu pacificamente; já para Mika e Ludovic, que nasceram em França, o suplício foi tremendo. Para eles, o regresso dos pais a Portugal fê-los sentir estrangeiros inadaptados perante uma linguagem e uma realidade totalmente diferentes. "Foi muito complicado, por causa da língua, porque os meus pais não falavam comigo em português e tive de aprender com os meus avôs", recorda Ludovic. Um dilema semelhante ao de Mika, cujos pais conversavam em português mas ele respondia em francês.
Sendo uma linguagem universal, o futebol facilitou o processo de integração dos quatro. Mas todos ficaram com uma certeza: não é fácil a vida de emigrante. Se André Fontes gostava "mais de Portugal", já os restantes lamentaram ter de virar costas às excelentes condições do país, onde os pais "ganharam dinheiro e uma situação estável".
Um na gestão, outro nas oportunidades
Eram poucas as palavras que dominava em português, ainda assim, Mika orgulha-se de "nunca ter reprovado" na escola desde que chegara de Lyon, graças às aulas de apoio e agora está nas novas oportunidades para complementar o 12º ano. André Fontes é o mais velho dos quatro e o que mais longe chegou a nível académico. A licenciatura em Gestão de Empresas permite-lhe analisar a actual conjuntura económica com um olhar de especialista; e Ludovic superou a barreira da língua e lá se foi "safando no liceu" até largar os estudos no 12º ano. No início, Hélder Castro sentiu "receio pelo regresso a Portugal", mas agora gosta "mais de estar cá", só lhe faltando a acrescentar o último ano na área do Desporto do liceu.
André Fontes - Verão português
Nasceu em Tábua e partiu aos quatro anos para Paris, onde viveu até aos 13 anos. André Fontes manteve uma ligação permanente a Portugal. "Sempre gostei mais de cá estar; e vinha todos os anos passar as férias de Verão. A adaptação a França foi fácil porque fiz logo amizade com os filhos de outros emigrantes", conta.
Mika - Natal solitário
Deixou Lyon aos 14 anos, abandonando
o projecto de carreira no clube local. Mika teve de refazer tudo em Santa Maria da Feira e superar o impacto "do primeiro Natal solitário" e distante dos amigos em França. "Senti-me mesmo um emigrante, nessa altura, pois tenho mais família lá do que aqui", recorda.
Hélder Castro - Amigos da bola
Tinha cinco anos quando viajou com a mãe para se juntarem ao pai em Sion, na Suíça, onde ficou até aos 15 anos. Na bagagem levou o segredo que o ajudou a integrar-se ao novo ambiente. "Lembro-me do primeiro dia em que fui para um grande jardim com uma bola, e ganhei logo amigos", contou.
Ludovic - De Paris até à aldeia
Aos 11 anos, Ludovic viu-se perante o um grande desafio: quebrar o vínculo a Paris, cidade natal, para aprender a viver em Vila Nova de Paiva (Viseu). "Estranhei o primeiro Natal, por ter pouca gente. Senti-me deslocado, pois vivi muito tempo numa cidade grande e depois tive de me adaptar a uma aldeia", sublinhou.