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JOSÉ MANUEL RIBEIRO
Toda e nenhuma. A verdade é que, na filosofia, FC Porto e Braga partilham uma ideia comum: a do futebol completo, que domina todas as ferramentas e consegue adaptar-se ao maior número possível de obstáculos. Villas-Boas tem constrangimentos ideológicos, mas passam-lhe quando jogar com o Barcelona ou o Real Madrid e nessa altura o FC Porto também saberá ser cínico. Domingos experimentou o lirismo no início da época, quando tentou que o Braga jogasse sempre como um grande, mas foi o regresso ao sentido prático que lhe valeu a grande temporada. A superioridade da equipa do FC Porto é um pressuposto desta final. Se compararmos jogador a jogador, é mesmo assim?
Nalguns casos, talvez seja mais discutível do que parece. Sílvio, enquanto lateral-direito, talvez fosse até, com tempo, uma melhoria no onze do FC Porto, pelo menos na fase ofensiva, e Alan não está longe do nível da maioria dos extremos adversários. Incomparáveis são Fernando e Vandinho, por exemplo. Trocando-os, ambas as equipas ganhariam e perderiam qualidades. Em todas as outras posições, as diferenças são claras ou até abismais (Hulk, Falcao, Moutinho). Que cuidados devem ter FC Porto e Braga?
Os do Braga são evidentes: equipa fechada e recuada, mas não tanto que a impeça de interferir, vigorosamente, na posse de bola do FC Porto, ganhando ao mesmo tempo o desconforto do adversário (que se sente menos bem quando divide o jogo) e melhores situações de contra-ataque, com menos campo para correr. No FC Porto, o espaço nas costas de Álvaro Pereira, muito testado pelo Villarreal, e algum desbragamento (palavra a propósito) defensivo que a equipa ganhou nos últimos tempos, enlevada pelos golos que marca em catadupa, são os problemas. O desafio é impedir que o Braga interfira no processo, como já fizeram com êxito Benfica, Sevilha e Villarreal. Uma aposta: em cada uma das equipas, que jogador tem mais probabilidades de estar na decisão da partida?
A estratégia do Braga apontará a Lima e não é de supor que esteja muito acompanhado, pelo menos inicialmente. Nos planos de Domingos, na maioria deles, deve estar o nome do brasileiro, embora o Braga tenha outros recursos e bons desequilibradores, como Alan e Mossoró. No FC Porto, é uma questão estatística: entre golos e assistências, as probabilidades apontam todas para Hulk e já sabemos que será ele o avançado, das duas equipas, com mais bola para jogar. Mas Domingos está ao corrente, pelo que a pergunta inteligente pode ser: de quem vai o Braga esquecer-se para poder lembrar-se sempre de Hulk? Que treinador cometeu a maior proeza no crescimento da respectiva equipa?
São crescimentos diferentes. No FC Porto, terá sido mais uma expansão. Villas-Boas retirou a equipa das amarras das transições ofensivas de Jesualdo Ferreira, abriu-a a um mundo de outras possibilidades e ensinou-a a nunca abdicar de mandar, por mais sedutora e matreira que pareça a ideia de ceder o posto. Já o que Domingos fez foi monstruoso. Superou diferenças muito grandes e venceu muitos jogos apenas com cérebro e motivação. Em Janeiro, o mercado levou-lhe jogadores fundamentais, como Matheus, Moisés e Luis Aguiar. Nos dois primeiros casos, não houve substitutos à altura, mas pôs a equipa a ganhar sem eles. Nem há espaço nesta página para cartografar sequer metade das montanhas que trepou para chegar a Dublin.
É uma final europeia. Esperar hora e meia para começar a pensar no salário não é muito. A não ser assim, deve haver mais pressões, maiores e mais ofuscantes sobre os jogadores do FC Porto, porque estão num plano completamente diferente. Visto da Europa, o Braga não tem individualidades que se distingam; no FC Porto, há várias, duas delas neste momento em cima da mesa dos maiores clubes do mundo. Artur no Benfica? Se assinou, já está descansado.
ANTÓNIO TADEIA
Alguma haverá sempre, mas nem o FC Porto utiliza só a posse e o ataque posicional nem o Braga joga só em transições. Muito devido ao treinador e à troca de Meireles por Moutinho, o FC Porto passou a guardar mais a bola, mas continuou a fazer golos em transição. O Braga desenvolveu o momento da transição ofensiva muito porque defende mais atrás, convidando o adversário a dar-lhe espaço nas costas, mas também sabe jogar em ataque organizado. A superioridade da equipa do FC Porto é um pressuposto desta final. Se compararmos jogador a jogador, é mesmo assim?
É. Provavelmente até mais, porque sendo o Braga uma equipa bem organizada, conseguirá por obra e graça do colectivo mascarar algumas inferioridades individuais, como já fez contra mais equipas que, jogador a jogador, lhe eram superiores (o Sevilha, por exemplo). Mas a verdade é que dificilmente algum elemento do onze-base do Braga seria titular do FC Porto. Talvez Artur, Sílvio e Rodríguez se batessem por um lugar. Que cuidados devem ter FC Porto e Braga?
O FC Porto tem de gerir bem a bola, já que é provável que a tenha durante mais tempo. Deve igualmente evitar desorganizar-se em posse e definir muito bem a primeira zona de pressão, de modo a impedir que a transição ofensiva do Braga saia rápida. O Braga tem de ser capaz de juntar as suas duas linhas defensivas e evitar abrir espaços interiores, concentrando-se ainda no bloqueio dos passes para a linha lateral oposta, onde é suporto o corredor estar vago. Uma aposta: em cada uma das equipas, que jogador tem mais probabilidades de estar na decisão da partida?
No FC Porto, se tivesse de apostar num só jogador, diria Hulk. Falcao é o homem de área, a aposta mais provável para marcar num jogo que tenha mais de um golo, mas a chave do jogo para os portistas será a forma de colocar lá a bola em condições vantajosas. E aí precisam da capacidade rompedora que Hulk lhes proporciona. No Braga, aposto em Lima, porque se transcende ao defrontar o FC Porto (quatro golos em cinco jogos, tanto pelo Belenenses como pelo Braga). Que treinador cometeu a maior proeza no crescimento da respectiva equipa?
No crescimento, André Villas-Boas, que elevou o FC Porto a um patamar extraordinário (foi campeão nacional com mais 16 pontos na Liga do que fizera o FC Porto na época passada e marcou presença em duas de três finais, só falhando a da Taça da Liga, eventualmente por desinvestimento mental). Mas na chegada à final da Liga Europa, a maior proeza é de Domingos Paciência, que teve pelo caminho dificuldades maiores, sejam elas a dimensão dos adversários ou sobretudo a mentalização de jogadores que vivem um sonho e para tal tiveram que ultrapassar montanhas inimagináveis para eles e para o clube. As vozes de mercado podem ter influência nesta final? Se tiverem, que equipa pode sair mais prejudicada?
Julgo que não, porque numa final, a este nível, ninguém vai estar a pensar em contratos. No FC Porto, além do mais, há a ideia de que esta é uma equipa de Champions, pelo que quase toda a gente quererá ficar e testar a sua força na prova a sério. Mais complicada será a tarefa para quem defende a camisola do Braga, que até já sobreviveu a um processo de desagregação em Janeiro e pode ter de enfrentar outro, com um magote de saídas, assim que acabar o jogo.
