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À entrada para a sala de Imprensa, Domingos nem sequer reparou que a taça destinada ao vencedor da Liga Europa se encontrava no local. Mas isso não significa que não pense dela dia e noite. Aliás, ontem confessou que há dias que não tem dormido devidamente por causa do jogo com o FC Porto, um adversário para o qual já tem uma estratégia preparada e do qual pretende desligar-se de uma vez por todas.
Acredita que Portugal está novamente dividido?
O país está muito dividido entre os três clubes grandes, mas há gente que está sempre do contra. Por isso, acredito que muitos adeptos de outros clubes estejam a torcer pelo Braga. As pessoas também gostam de ver os pequeninos a bater os grandes. A presença na final perde algum significado se não a levar para Braga?
Temos consciência do que nos tem acontecido e sabemos perfeitamente que, para vencer esta taça, teremos de jogar nos limites e ser uma equipa perto da perfeição. Orgulhámo-nos do nosso percurso, pois eliminámos equipas importantes, que chegaram a alterar a forma de jogar para nos bater e não conseguiram. Amanhã [hoje] é um jogo em que tudo pode acontecer, mas também temos consciência de que teremos de ser muito fortes para estar no mesmo patamar do FC Porto. Muitas das perguntas que foram feitas aos jogadores têm que ver com o favoritismo do FC Porto e isso já aconteceu com o Sevilha, o Liverpool, o Benfica... Isto dá força aos jogadores?
Sabem quantos jogadores internacionais temos? Poucos. Apenas o Sílvio, o Rodriguez, o Meyong e ainda alguns jovens da formação. Logo, quando defrontamos estas equipas, sabemos que estamos perante adversários recheados de grandes internacionais. As condições financeiras desses clubes são bastante superiores às do Braga e, portanto, é natural que se atribua o favoritismo a essas equipas. Agora, acredito que os meus jogadores podem equilibrar a balança, pois na final da Taça dos Campeões Europeus em 1987 o favoritismo também era do Bayern e o FC Porto ganhou. Tendo em conta as dificuldades que o Braga teve de ultrapassar para chegar à final, estar agora em Dublin tem um significado mais especial?
As dificuldades foram muitas e foi isso que fez desta equipa bastante forte. Por isso, estar aqui hoje é um prémio curto para o que os jogadores têm feito. Acho que eles ainda podem fazer mais e é essa capacidade de superação e mentalidade forte que me leva a acreditar que posso ganhar qualquer jogo. Como é que a sua família e os seus amigos portistas estão a viver esta final?
As pessoas que gostam de mim e os meus amigos, por muito portistas que sejam, gostariam que eu ganhasse. Por ironia do destino, foi o FC Porto que me apareceu na final da Liga Europa, mas ainda bem para a minha carreira, pois apaga determinadas críticas e insinuações de que, por ter jogado no FC Porto, estaria sempre ao serviço do clube. O Braga é o clube que defendo neste momento e aquele que quero que vença amanhã [hoje]. O Braga poderá atingir níveis ainda mais elevados ou a final será o culminar de uma jornada incrível?
Não pensava que isto pudesse acontecer, mas todos nós temos direito a sonhar. É verdade que a partir de agora o Braga nunca mais será o mesmo em termos internacionais, pois a visibilidade é muito maior. Em vários jogos da Liga Europa conseguiu conter ataques muito fortes. O que vai fazer para conter o do FC Porto?
Já tivemos oportunidades de jogar duas vezes com o FC Porto e na primeira assistiu-se a um dos melhores jogos do campeonato, em que estivemos a vencer por duas vezes e acabámos por sair derrotados na fase final devido a duas ou três situações. Espero que isso não aconteça amanhã [hoje]. Agora temos de abordar este jogo de forma diferente da que fizemos no campeonato. Estamos numa final, trata-se apenas de um jogo e a nossa mentalidade passa por explorar as nossas virtudes e anular as do FC Porto, que tem um meio-campo de grande mobilidade e gosta de fazer chegar a bola ao Hulk, Varela e Falcao.
"Levo os adeptos e o clube no coração"
A final da Liga Europa marcará o adeus de Domingos do Braga. Por isso, a pergunta impunha-se: como será a despedida? O treinador não quis adiantar, mas lá foi admitindo que todos os momentos passados na equipa arsenalista terão um lugar no seu baú de memórias, com especial destaque para a presença em Dublin. Resta saber se esta será a primeira e a última vez que experimente a sensação de disputar a final de uma competição europeia. O técnico, como é óbvio, espera que não.
Já anunciou que vai deixar o Braga depois da final. Pode explicar as razões que o levam a mudar e qual será o seu próximo passo?
Estou focado naquela taça que está ali. Sei que vai custar muito, que será necessário muito suor e muito sacrifício, mas quero ver os jogadores a erguê-la no final. Quando vai anunciar o futuro?
A minha cabeça está tão ocupada com o que temos de fazer na final, que já não durmo muito bem de há uns dias para cá. Já imaginou como será a despedida do Braga?
Aconteça o que acontecer daqui para a frente, ficarei no coração dos adeptos e do clube, assim como eles ficarão no meu, por todos os momentos vividos esta época. Portanto, não será bem uma despedida. Este é o momento mais alto da sua carreira como jogador e treinador?
Se conseguir fazer com que a minha carreira de treinador apague o que de bom fiz como jogador, não ficarei triste. Vivi grandes momentos como jogador também, mas sinto que a minha carreira como treinador tem sido sempre a subir e nunca o inverso. Para mim estar na final é uma experiência única e ajudar-me-á muito para o futuro. Espero que um dia possa repetir a presença numa final.
"Villas-Boas tem mérito na época do FC Porto"
O facto de duas equipas portuguesas estarem numa final de uma prova europeia, ainda por cima orientadas por treinadores lusos, suscitou uma enorme curiosidade na Imprensa. O que faz Portugal para ter tanto sucesso? Domingos acha que é tudo uma questão de momento, embora tenha lembrado que quem trabalha em clubes como FC Porto, Benfica e Sporting tem mais condições do que os restantes para alcançar esta proeza. No entanto, sublinhou que isto não significa que André Villas-Boas não tenha uma boa dose de responsabilidade na excelente época dos dragões. Antes pelo contrário.
O que significa para o futebol português ter na final duas equipas, ainda por cima orientadas por treinadores portugueses tão jovens?
É um grande orgulho. Ao contrário do Braga, que está a aparecer agora, o FC Porto está mais habituado a estas andanças, pois já se impôs há muitos anos no futebol internacional, e é natural que seja uma equipa mais conceituada e admirada. De certeza que os portugueses sentem que o nosso futebol está melhor, que os nossos jogadores estão melhores, que temos melhores equipas e isso incentiva a que continuemos a trabalhar para que cada vez sejamos mais fortes e marque presença em finais, como agora. Só temos a lucrar com isso. Por que razão Portugal está a produzir tão bons treinadores?
O sucesso de um treinador também depende do momento. Estar neste momento no Braga com estes jogadores, com este presidente e com estes adeptos só podia resultar numa coisa como esta [presença na final]. Há treinadores que conseguem aproveitar isso e a mim deixa-me feliz. Como encara o sucesso de André Villas-Boas em tão tenra idade?
O André é jovem, tem pouco tempo de experiência, mas todo o mérito na época que está a realizar o FC Porto. É evidente que estamos a falar em treinar uma grande equipa, com grandes jogadores e, nesse caso, as dificuldades são menores quando comparadas com aqueles treinadores que treinam nas segundas ou terceiras ligas; aí é muito mais complicado. Quando o André Villas-Boas deixava informações na caixa do correio de Bobby Robson, ele queria-o sempre como titular. Como é enfrentar um treinador que sempre o defendeu?
Ele também podia colocar um envelope na minha caixa do correio para ver se também ganhávamos este jogo [sorrisos]. Já me cruzei várias vezes com o André e realmente isso aconteceu quando ele fazia parte da equipa de Bobby Robson. Tive de lutar bastante para jogar naquela equipa, mas felizmente consegui dar a volta e ser opção para o treinador. Fiquei contente por saber que ele gostava da minha forma de jogar.
Domingos entre poucos e muitos quilómetros
O FC Porto de André Villas-Boas e o Braga de Domingos Paciência protagonizam a final "mais curta" de toda a história das provas europeias. As cidades dos dois clubes estão separadas por apenas 47,4 quilómetros, o que contrasta por exemplo com a diferença de quilómetros entre Lisboa e Moscovo (3911 quilómetros), capitais representadas, faz hoje precisamente seis anos, por Sporting e CSKA de Moscovo, na final da Taça UEFA no Estádio de Alvalade. Presente na mais "curta" das finais, Domingos esteve quase a viver a eliminatória mais "longa" das provas da UEFA, quando em 1996/97, um ano antes da sua chegada a Tenerife, o clube espanhol o Maccabi Haifa, de Israel defrontaram-se apesar de separadas por 4874 quilómetros.
Até no Sudão querem saber o futuro do técnico
Talvez pelo facto de o Braga não ter a notoriedade de um Liverpool ou um Villarreal, os jornalistas estrangeiros presentes na conferência de Imprensa concedida por Domingos Paciência eram poucos. A maioria deles de nacionalidade brasileira, cujo grande interesse era questionar o treinador bracarense sobre a importância dos jogadores canarinhos ou quais os que poderiam ficar conhecidos no Brasil além de Mossoró (vencedor de uma Copa Libertadores em 2006). A pergunta mais curiosa, no entanto, foi colocada por um jornalista do... Sudão. E foi muito simples: "Já anunciou que vai deixar o Braga depois da final. Pode explicar as razões que o levam a mudar e qual será o seu próximo passo?" Domingos sorriu, mas desenvencilhou-se bem, confessando-se unicamente concentrado em sair com a taça de Dublin, cidade que aprecia bastante. Pelo menos, foi o que confidenciou a um repórter irlandês.
