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Soube-se ontem que, na Primavera de 2004, havia em Espanha dois Jorges de acordo a respeito de Mourinho. Jorge Andrade, ao tempo defesa-central do Corunha, escapou agora de sete anos de recalcamento para finalmente desentalar da traqueia a eliminação do Depor, nas meias-finais da Liga dos Campeões, às mãos de "uma equipa inferior que só jogava para o resultado". Jorge Valdano escreveu semelhante logo na altura e desde então foi repetindo a epístola quando teve oportunidade, na qualidade de evangelista do bom futebol, a meias com Cruyff, incumbidos ambos pelo Altíssimo da missão de maradonizar e messianizar os bárbaros. São os jesuítas do século XXI, mas à moda de Santo Tirso, cobertos por uma camada de açúcar. Falam do Barcelona, falam de Messi, falam de Maradona, falam de poesia ("Os poetas têm sido misteriosamente silenciosos quanto ao tema do queijo", já constatava Chesterton) e, assim enlevados, ninguém repara que procuram instituir, no futebol, o que hoje ninguém aceita em mais nenhuma área da sociedade: estipular pecados e mandamentos, decidir qual é o caminho bom e qual é o mau e, claro, o que é moral e imoral, baseados apenas em gostos pessoais. O que houve em Espanha esta época, com Mourinho, não foi um conflito de ideologias; foi uma tentativa de excomunhão. Que redundou, ontem também, na queda do aiatola Valdano pela mais bela das razões: o direito que os demais têm de pensar o contrário.