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A primeira prelecção aos 14 anos
Portugal-Croácia, Euro'96. Ruud Gullit, grande estrela do futebol holandês, fala a jornais, rádios e televisões sobre a técnica fantástica do português Domingos, que ofereceu o pé a uma bola chutada pelo guarda-redes Vítor Baía e a redondinha obedeceu-lhe. O multicampeão europeu pelo Milan e pela Holanda refere a capacidade invulgar, a escola. Quase acertou, faltou-lhe só um bocadinho: a intuição. Domingos meteu o pé àquela bola sem pensar no que fazia, um gesto natural. Queria a bola no pé e estendeu o pé à bola. Tudo simples. Como simples se lhe afigura a leitura de um jogo agora que já entrou na ternura dos 40. Estuda o adversário à exaustão, prepara os treinos, trabalha pormenores e pormaiores, faz o seu plano para o jogo, mas de repente pode mudar tudo. As incidências o ditarão, a rara intuição para ler o jogo fará o resto. Também foi assim quando tinha 14 anos e jogava o Torneio do Guifões pelos iniciados da Académica de Leça, no futebol popular. Já estava vinculado ao FC Porto mas só iria para as Antas na época seguinte. A Académica precisava que o Freixieiro empatasse com o Monte Xisto, porque na última jornada defrontava o mesmo Freixieiro e, se ganhasse, vencia a série e ia à final. Fernando Santos, o treinador da Académica (que o levou para o FC Porto), estava ocupado (ou disse que estava) e deu dinheiro ao capitão de equipa para se meter no autocarro e ir assistir ao Freixieiro-Monte Xisto. Deu empate. Antes do jogo que poderia valer a final, Domingos deu a prelecção aos companheiros, contou o que tinha visto e explicou o que era preciso para que a Académica de Leça ganhasse. Foram à final. Domingos limitou-se a ser melhor jogador e melhor marcador do torneio. Não deu a última prelecção. Perderam a final.
