"Não tenho simpatia clubística, é ponto assente"
Desde 2013 que presta declarações na Televisão, Rádio e Imprensa como presidente da Associação Portuguesa de Árbitros de Futebol (APAF). José Fontelas Gomes, 38 anos, foi árbitro na II divisão nacional e internacional de futebol de praia.
Foi difícil marcar a entrevista com José Fontelas Gomes. O presidente da Associação Portuguesa de Árbitros de Futebol (APAF) andou numa roda-viva as últimas semanas. Está a abrir mais uma pastelaria, desta vez no Porto. Segundo me explicou depois, a sua vida é mais ou menos sempre assim: uma correria constante.
Tentei fazer o trabalho de casa e pesquisar um pouco sobre si na Internet, mas só encontrei notícias onde presta declarações na condição de presidente da APAF, sobre assuntos de arbitragem. Não encontrei sequer presença sua nas redes sociais.
Não tenho efetivamente contas nas redes sociais. Tento ser o mais reservado possível. Quando era árbitro, e mais por curiosidade, tive algumas contas, mas acabei por fechá -las.
Mais por causa do cargo na APAF ou devido à sua personalidade mais reservada?
Um bocadinho das duas: pela função que ocupo, mas também não sou muito de expor a minha vida pessoal.
De qualquer forma, aceitou dar esta entrevista, sabendo que serviria mais para conhecê-lo do que para falar de arbitragem...
Tenho visto a revista e tenho curiosidade de conhecer um pouco mais sobre algumas das personalidades que tem entrevistado. Dentro desta perspetiva, decidi partilhar algumas curiosidades, no sentido de as pessoas poderem conhecer um pouco mais o presidente da APAF. Normalmente os árbitros são associados a algo negativo, e defendo uma maior abertura, para que as pessoas entendam que não somos o que normalmente pensam de nós. Os árbitros fazem parte do espetáculo de futebol e devem ser tratados com respeito. Ao longo de muitos anos, a arbitragem fechou-se e, do meu ponto de vista, tem de expor-se mais, para que a sua atividade seja encarada como normal. Os árbitros erram da mesma forma que os jogadores, os treinadores ou os dirigentes. Somos pessoas normais.
A questão passa sempre por saber se os erros são ou não premeditados, mas nunca haverá maneira de saber, só usando máquinas no lugar das pessoas.
Sim, é uma luta muito difícil, e por isso é importante a transparência e a abertura, para que não sejamos encarados como algo desconhecido. Normalmente as pessoas criticam o que não conhecem e, na maioria das vezes, são injustas.
Calculo que muita gente não saiba que foi árbitro. Já abandonou?
Deixei há pouco tempo. Fui árbitro dos 19 aos 35 anos e estive na II divisão nacional durante nove anos. Entretanto, como alteraram para 36 anos a idade para se poder subir à I divisão, entendi que, já não tendo essa possibilidade, estava na altura de abandonar. Até porque era difícil de conciliar com o trabalho aqui na APAF. Também era árbitro internacional de futebol de praia e o último torneio que fiz, em Barcelona, passei o tempo todo a correr para o telefone. Decidi abraçar de um modo mais fiel a parte de dirigente e sinto-me um pouco mais aliviado.
Mas não é presidente da APAF a tempo inteiro, pois não?
É um hobby, um cargo que não é remunerado (só pagam as despesas de representação), ainda que o faça de forma profissional porque estou 24 horas disponível. Como sou empresário na área da restauração, consigo conciliar as duas coisas, abdicando um pouco da minha vida pessoal.
Que negócios tem na área da restauração?
Tenho duas pastelarias em Lisboa e estou a abrir uma terceira no Porto.
Todas com o mesmo nome?
Não. São coisas separadas, onde vou investindo conforme as oportunidades. Em Lisboa já existiam e recuperei-as.
Como foi parar a dono de pastelarias?
Trabalhei na área da aviação dos 18 aos 34 anos, primeiro na TAP, como empregado administrativo e responsável de documentação, depois como diretor de logística em outras companhias, a última das quais espanhola. Comecei a tirar o curso de Recursos Humanos na faculdade, mas deixei ao fim de dois anos, porque começou a ser incompatível trabalhar, estudar e arbitrar ao mesmo tempo.
Começou a trabalhar cedo por opção ou necessidade?
Por opção. Queria ter a minha independência. Os meus pais incentivaram-me para os estudos e, sem querer fugir à ideia deles, mas também à minha, acabei por trabalhar e estudar durante algum tempo.
Qual foi o seu primeiro trabalho remunerado?
Trabalhei como técnico de informática na Triudus. As tecnologias sempre me atraíram. Estou sempre a par das últimas tendências.
Onde viveu a sua infância?
Onde ainda vivo hoje: na Amadora. Os meus pais são de Vila Real, mas vieram para Lisboa com 16 anos. O meu pai era chefe de armazém na Portugal Telecom e a minha mãe sempre foi doméstica. Ainda hoje não quer deixar de trabalhar, por muito que os filhos tentem. Continua com as suas patroas de há 40 anos e não as quer deixar. Quando me casei, vivi quatro anos no Pinhal Novo, mas com o divórcio, há cerca de cinco, voltei à zona da Amadora e acabei por reencontrar os meus amigos de infância.
Era um puto rebelde?
Não. Sempre fui um miúdo tímido, calmo, pacato. Sempre pertenci ao grupo que acalmava os mais rebeldes.
Era aluno de boas notas?
Estudava o suficiente para passar o ano. Sempre achei que o razoável era o suficiente, terminei o 12.º ano com média de 14. Para quem não estudava não foi mau!
Jogava à bola na rua?
Sim. A seguir à escola, íamos para os campos de terra ali à volta, para os prédios que tinham um espaço grande, fugíamos muitas vezes das porteiras.
Na altura o Estrela da Amadora devia estar na I divisão. Era adepto do clube?
Não. Nunca tive grande afinidade. As pessoas não acreditam nisto, mas, com a arbitragem, a afinidade que possamos ter por um clube acaba por esmorecer. O nosso clube passa a ser a arbitragem. As pessoas não conseguem compreender isto, mas é a mais pura das verdades.
Alguns árbitros têm assumido a sua simpatia clubística...
É a tal transparência que defendo e que, na maioria das vezes, é incompreendida. Muitos desses árbitros acabam por ser criticados por isso. As pessoas não conseguem compreender que um árbitro possa ser simpatizante de um determinado clube e isento ao mesmo tempo, acham sempre que vão beneficiar ou prejudicar. E as coisas não são assim.
Já que defende a transparência, qual a sua simpatia clubística?
Não tenho mesmo. É ponto assente. É-me indiferente. Nunca me identifiquei com qualquer clube.
Era bom jogador de futebol?
Sim. Normalmente jogava a médio e uma vez, num torneio popular, convidaram-me para ir para uma equipa de futsal da I divisão. Andaram atrás de mim mais de um mês, mas já era árbitro na altura.
Por que se tornou árbitro?
Um amigo do meu pai era árbitro nos distritais e disse-lhe que eu, já que gostava de futebol, devia tirar o curso de árbitro. Aos 18 anos, acabei por me inscrever na Associação de Futebol Lisboa e tirar o curso. Tive a sorte de ter tido um bom acompanhamento, que me passou a paixão pela arbitragem e pelo espírito de grupo.
Aturou muitas namoradas a queixarem-se de não poder estar com elas ao fim de semana?
Um bocadinho, mas nunca tive grandes problemas. Quando me conheceram, já sabiam que eu era árbitro [risos].
Voltando um pouco atrás na conversa, como saltou da área da aviação para dono de pastelarias?
Tive um árbitro assistente que já estava no ramo e começou a entusiasmar-me, ainda sem que eu percebesse nada do assunto. Fomos à procura de um espaço, começou a dar-me umas luzes e resolvi investir numa pastelaria que já existia, mas tinha tido uns problemas familiares. Foi algo pensado e ponderado. Se as coisas resultassem investia mais. E assim foi.
Chegou a estar ao balcão e a servir às mesas?
Sim, gosto de perceber a atividade onde estou inserido. O atendimento ao público é um trabalho complicado, não é a parte que mais me atrai, mas gosto de a gerir.
Quantos funcionários tem atualmente nas várias pastelarias?
Sete. E a minha família ajuda-me na gestão dos vários negócios
E quais as suas prioridades quando tem de recrutar alguém?
A simpatia, a competência, alguma experiência nessa área, mas principalmente lealdade e honestidade. Quando se faz algo mal, deve-se dizer e tentar resolver os problemas da melhor forma. É a mensagem que passo no recrutamento.
Este número de funcionários inclui um pasteleiro?
Não. Os bolos vêm todos de fora. Implicava encargos que ainda não quero.
O que gosta de comer quando vai a uma das suas pastelarias?
Tomo só o pequeno-almoço: um galão e uma sandes de fiambre.
Nada de bolos?
Não. Não sou muito de doces.
Como passa os seus dias?
Passo-os a correr, a andar muito de carro, de um lado para o outro. A atividade da APAF tem eventos todos os dias, vai sendo altura de pensar em ter um presidente a tempo inteiro.
E ainda treina?
Hoje, treino menos, por causa desta azáfama que é a minha vida. Umas vezes consigo ir correr com uns amigos ao sábado de manhã, outras vezes vou ao Estádio Universitário ao fim da tarde, onde encontro, muitas vezes, outros árbitros.
E como passa o fim de semana?
A ver jogos de futebol. Tanto do distrital como da I Liga.
Por prazer ou obrigação?
Um pouco dos dois. Quero estar a par de tudo, pois quero saber dar resposta caso seja interrogado sobre alguma questão.
Não lhe apetece de vez em quando desligar do futebol?
Sim. Às vezes quero ter tempo e espaço para mim, desfrutar da casa e da família durante o fim de semana. Sempre que sinto essa necessidade, tento-o fazer, pois tenho de estar equilibrado, para poder fazer as coisas em condições.
Sempre que lhe liguei para alguma questão sobre arbitragem, atendeu...
Tento estar sempre disponível. Acho que ninguém deve ficar sem resposta, mesmo que seja um não. As pessoas não devem ignorar os outros. Também não gosto que me deixem sem resposta.
Se pudesse agora ir 15 dias de férias, que destino escolheria?
Praia. Estive em Cabo Verde há três anos, acho que foram as últimas férias que tive. Costumo ir à neve todos os anos e também não fui nos últimos.
Ser presidente não remunerado da APAF interfere, pelo que diz, tanto na sua vida, que é difícil acreditar que seja só por paixão.
Tudo aquilo a que me entrego, faço de uma forma profissional, seja remunerado ou não. Foi um desafio que me coloquei a mim próprio e tento ser o melhor, mesmo que para isso ponha em défice a minha vida pessoal.
Já se diz por aí que é o sucessor do presidente do Conselho de Arbitragem da FPF, Vítor Pereira.
Não, não... Gosto de fazer o meu trabalho o melhor que sei e tenho muito esta máxima: quando nos desviamos do objetivo, acabamos por não fazer o nosso trabalho bem feito. Enquanto não acabar este, não penso noutro.
Mas estaria disponível para avançar para o Conselho de Arbitragem numas futuras eleições da FPF?
Não penso nisso ainda.
FILHO QUER SER JOGADOR
José Fontelas Gomes tem apenas um filho, o Alexandre, de 14 anos. Não quer ser árbitro, antes jogador de futebol. "Joga no campeonato nacional de iniciados pelo Clube Atlético e Cultural da Pontinha", diz o presidente da APAF. "O clube é muito perto da nossa casa, já teve oportunidade de ir para outros clubes, mas não quis sair", explica, elogiando o filho por ser "bem comportado, super bem educado e ter boas notas na escola". "Desde os oito anos, quando começou a jogar, só o chamei à atenção uma vez. Ele consegue perceber que já está a ultrapassar o limite", acrescentou José Fontelas Gomes, que, com a idade do seu filho, ainda só jogava na rua e ia à bola com os amigos apenas quando entrar nos estádios era de borla.