Não tem a ver apenas com cáries, infeções, mau posicionamento ou mau encaixe dos dentes; um sorriso bonito aumenta também a autoconfiança e os contratos publicitários, diz Miguel Stanley, o médico dentista que trata futebolistas e famosos
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Não revela a identidade dos futebolistas ou atletas que já tratou, mas diz que isso é o que menos interessa. O que Miguel Stanley, médico dentista, quer mesmo é alertar o público, em geral, e os agentes desportivos, em particular, para a importância da saúde oral no rendimento dos atletas. Uma inflamação nas gengivas pode reduzir entre 15% a 20% o rendimento, segundo dados comprovados cientificamente, garante o responsável da clínica White, conferencista, autor e apresentador de programas de televisão, também conhecido como o dentista dos famosos.
Porquê essa preocupação em torno da medicina dentária aplicada ao desporto?
-Não é, de todo, uma preocupação recente, já ando a falar disto há cerca de uma década. Ainda existe uma discrepância entre a medicina desportiva e a dentária, e não é apenas um fenómeno português, mas global. É preciso sensibilizar as pessoas de que uma infeção ou um mau encaixe nos dentes, por exemplo, afeta o rendimento desportivo, seja de futebolistas ou atletas de outras modalidades.
De que forma?
-Se temos uma infeção na boca, o sangue passa pelos olhos, pelo coração, pelo cérebro, pelas articulações, pelos músculos, e leva com ele proteínas específicas que dificultam a regeneração. Dou um exemplo: há uns anos, um jogador de um clube grande português tinha sido operado a um pé e estava com dificuldades de recuperação. Passava a vida no banco de suplentes, até percebermos, numa consulta de rotina aqui na clínica, que tinha um quisto na raiz de um dente da frente. Foi tratado, a infeção desapareceu e ele rapidamente voltou a ser opção regular na equipa.
Quem era?
-Isso é algo de que nunca falo: nem da identidade dos meus clientes, nem dos procedimentos de que são alvo.
Mas é conhecido que já passaram pelo seu consultório futebolistas como Cristiano Ronaldo e Ricardo Quaresma.
-Isso é algo que foi escrito pela comunicação social, mas que eu nunca comento. O que me interessa é que as pessoas percebam que uma boca saudável, para um atleta, é tão importante como a nutrição ou a preparação física. Além disso, existe ainda o mito de que só quando há dor é que há um problema. E não é assim. Uma infeção pode não causar dor, como uma posição incorreta dos dentes não causa dor, no entanto tem um efeito direto no rendimento dos atletas. Um mau encaixe, por exemplo, a que chamamos oclusão, cria uma alteração nos músculos junto às têmporas, no músculo masseter, que é o que faz mais força no corpo todo. Se há uma destabilização, percorre o pescoço, a coluna e cria uma descompensação ao nível do corpo. Ter uma oclusão adequada pode aumentar o rendimento de um atleta cerca de 20% a 30%.
De uma forma geral, acha que os clubes e os futebolistas portugueses já se preocupam mais com a sua saúde oral?
-Há sempre alguma preocupação, mas não é algo que esteja ainda 100% assente na hora de fazerem um check-up. Gostaria que fizessem um exame médico mais completo. Um atleta que tenha todos os seus dentes mastiga melhor e tira melhor proveito da mastigação, engolindo e digerindo melhor os alimentos. Além de que um sorriso bonito dá mais confiança e permite a realização de mais contratos publicitários.
Já tinha entrevistado nutricionistas, fisioterapeutas, fisiologistas, psicólogos do desporto, preparadores físicos, mas é, de facto, a primeira vez que entrevisto um médico dentista neste âmbito...
-Pois, ninguém se lembra dos dentistas [gargalhada]. Muitas pessoas ainda olham para o dentista como o médico que trata as cáries, mas vai muito além disso. A medicina dentária pode melhorar a saúde de uma pessoa em muitos aspetos. E não digo isto para arranjar mais clientes, felizmente tenho lista de espera, mas pela paixão e sentido de responsabilidade que tenho.
Seria importante o Estado ter uma maior intervenção e comparticipação nos cuidados de saúde básica dentária?
-Antes de se falar nisso, interessa falar em coisas básicas como lavar os dentes, passar fio dentário ou não ingerir açúcar em excesso. São cuidados de higiene oral básicos que não tem de ser o Estado a ensinar. Muitas pessoas continuam a ir ao dentista só em último caso.