Colts-Giants 1958: O dia em que o futebol americano conquistou a liderança definitiva
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No fim, grande parte do mérito esteve no trabalho do "quarterback" (ou lançador) Johnny Unitas e na relação deste com os atacantes. Primeiro, houve dois passes falhados, mas logo a seguir um passe certeiro das 14 para as onze jardas, apanhado pelo "halfback" (ou corredor) Lenny Moore. Depois L. G. Dupre não conseguiu segurar a bola, mas o "split end" (ou recetor) Raymond Berry sim, o que lhe permitiu progredir um total de 25 jardas. Derrubado Berry, Unitas voltou a encontrá-lo junto à linha lateral do lado esquerdo, para mais 15 jardas de progressão. Tombado Berry novamente, Unitas descortinou-o mais uma vez ainda, agora para outras 22 jardas de território. Por esta altura já os Colts estavam na linha de 13 jardas dos Giants. Havia apenas sete segundos de jogo pela frente. As bancadas deliravam. Por todo o país, assistindo em direto pela televisão, milhões e milhões de americanos refulgiam de gozo e ansiedade. E, quando entrou o "kicker" (ou pontapeador) Steve Myhra, já parecia certo a toda a gente que não falharia aquele pontapé de 22 jardas, como realmente veio a acontecer.
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E isto foi apenas para empatar o jogo no tempo regulamentar. Na morte súbita, jogada pela primeira vez na história na final da National Football League (um método a que, aliás, só foi preciso recorrer mais uma vez, incluído todos os Super Bowl), foi ainda mais dramático. Chamam-lhe "O Melhor Jogo Alguma Vez Jogado" e a ele se atribui o nascimento da hegemonia de que desde então o futebol americano goza, nos Estados Unidos, sobre os desportos concorrentes. Foi depois daquele New York Giants-Baltimore Colts, ganho derradeiramente pela equipa do Maryland (23-17), que o futebol americano se popularizou, ganhou uma liga suplementar (a American Football League, fundada pelo milionário texano Lamar Hunt) e, já nos anos 1960, criou a figura do Super Bowl (o jogo de apuramento do campeão das duas ligas fundidas), ainda hoje a mais vista e cobiçada final de uma "major league". Johnny Unitas fez 15 passes para Raymond Berry, autor de 12 receções, mas, no total, 17 jogadores, treinadores e até árbitros envolvidos no evento integram hoje o Football Hall Of Fame.
Já deu vários documentários aquele jogo (incluindo "The Greatest Game Ever Played", que Marc Kinderman realizou em 2008 para a Televersemedia), mas, quando der um filme de ficção, não se vai centrar mais numa equipa do que na outra. Na verdade, tanto os Giants como os Colts dominaram de um modo quase avassalador as respetivas conferências, pelo que a vitória de uma das equipas na final chega a ser encarada como uma infeliz inevitabilidade. De resto, a modalidade mobilizou todos os recursos para propiciar um espetáculo em grande. Primeiro, foi escolhido um dia logo a seguir ao Natal (28 de Dezembro), com muita gente de férias e uma certa magia do Boxing Day ainda no ar. Depois, foi selecionado o estádio dos Yankees, um dos marcos do Bronx e da cidade de Nova Iorque. E, finalmente, foi mantido o acesso ao jogo à cadeia de televisão NBC (representada pelos narradores Chris Schenkel e Chuck Thompson), que desde 1955 se juntava na tribuna às três rádios autorizadas (NBC, WBAL e WCBS).
37% dos americanos invocam o futebol americano como a sua modalidade desportiva favorita. 11% escolhem o basquetebol, 9% o basebol, 7% o futebol e 4% o hóquei no gelo. O ténis, o golfe ou as corridas de automóveis são muitas vezes citados como preferências secundárias
Nem tudo correu bem com a transmissão. Os percalços foram muitos e, quando um técnico pisou inadvertidamente um cabo, chegou a haver uma pausa de quase sete minutos no direto, para desespero dos 45 milhões de espectadores que seguiam o jogo a partir do sofá. Felizmente para estes, outro técnico da equipa montou uma manobra de diversão que forçou os juízes a suspenderem a própria partida vários minutos, assim se reduzindo o tempo de jogo perdido pelos telespectadores. E, então, aconteceu. Primeiro, uma fase de estudo em que ambas as equipas acumularam erros e más opções. Depois, um período de estabilização em as equipas se encaixaram uma na outra, substituindo a estratégia pela tática. A seguir, um período louco com sucessivas alternâncias no marcador ou na vantagem territorial, e que colocou os Giants em superioridade mesmo sobre o fim da partida. Finalmente, a reta final louca dos Colts e, já na morte súbita, o golpe de misericórdia aplicado pelo conjunto de Baltimore.
Tão em drama como em glória, mais uma vez. Porque, na moeda ao ar, até foram os Giants a ganhar a bola. Mas perderam-na. E, então, veio ao de cima mais uma vez Unitas, que organizou 13 jogadas - de que resultaram 80 jardas - e, enfim, colocou a bola no "fullback" (ou corredor de posse) Alan Ameche para um "touchdown" fácil.
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Os Colts ganharam várias vezes nos anos seguintes (até serem humilhados pelos New York Jets, dirigido pelo seu antigo treinador, Weeb Eubank, no Super Bowl III, em 1968), enquanto os Giants passaram por uma seca prolongada, chegando várias vezes à final mas só a ganhando em 1981. Os Giants conquistaram pela última vez o Super Bowl em 2012, enquanto os Colts - agora Indiana Colts - já não vão lá desde 2010, ano em que saíram derrotados. O futebol americano nunca mais parou de crescer desde aquele ano glorioso, mas, bem à americana, tem sempre respeitado a origem do seu triunfo e investido na sua mitografia.