Nasceu no Canadá, vive em Los Angeles, tem mais de 10 milhões de seguidores na internet e ganha a vida a fazer vídeos humorísticos. Mas no passado esteve ligado ao futebol, nomeadamente ao Sporting. Viveu em Alvalade com Cristiano Ronaldo, de quem se tornou amigo. Falou, em exclusivo, a O JOGO
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Com mais de oito milhões de fãs no Facebook, três milhões no Vine e 1,7 milhões no Instagram, Jon Paul Piques, de 30 anos, é um fenómeno da internet nos Estados Unidos. Nascido no Canadá, largou uma carreira no ramo dos seguros, mudou-se para Los Angeles e dedica-se a cem por cento ao humor. Para trás ficou uma carreira de futebol que o podia ter levado a voos bem altos. Com passagem por Portugal. "O meu pai é português e fui a primeira vez a Portugal em 2000, durante umas férias em família. Já jogava no Canadá, como guarda-redes, e levei todo o material comigo, pois o meu pai conhecia alguém na formação do Sporting. Fui um pouco à sorte, mas o que é certo é que o meu pai foi perguntar se eu podia fazer testes no clube e uma hora depois estava a treinar com a equipa." A sorte saiu mesmo a Jon Piques, que deve ter guardado tão bem as redes durante o treino que foi logo convidado a ficar. "Ainda não tinham passado 20 minutos e já estavam a dizer ao meu pai que queriam que eu ficasse. Mas eu ainda estava em período escolar, no 9.º ano, creio, e a minha mãe não deixou. Regressei ao Canadá, acabei esse ano escolar e depois voltei para Lisboa."
De novo em Portugal, Piques podia finalmente dedicar-se ao que mais gostava, o futebol. E a seu lado para essa aventura tinha alguns nomes que hoje todos conhecemos bem. "Vivia no antigo Estádio José de Alvalade e o meu companheiro de quarto era o Yannick Djaló. Também lá estavam o Rui Patrício, o Varela ou o João Moutinho, por exemplo. Ao início, a coisa não correu bem, pois eu não falava português. Era um pouco posto de lado, mas depois tornei-me bom amigo de todos." Um em especial e que ainda hoje recorda. "O Miguel Veloso. Tornei-me grande amigo dele. A família dele acolheu-me algumas vezes em casa, lembro-me. A minha mãe visitava-me e também ficou amiga da mãe do Miguel." O internacional português, jogador do Génova, confirma, a O JOGO, a história e lembra os momentos passados com o canadiano. "Ficava algum tempo lá em casa, nos fins de semana, por exemplo. Era simples, tímido, mas trabalhador e dedicado. E muito divertido. Não era fácil para um miúdo de 13 ou 14 anos sair do seu país, longe da família", lembra o antigo jogador do Sporting.
Miguel Veloso: "Era simples, tímido, mas trabalhador e dedicado. E muito divertido. Não era fácil para um miúdo de 13 ou 14 anos sair do seu país, longe da família"
O pai como motorista do melhor do mundo
Um nome completamente incontornável para quem passou tempo na formação do Sporting no início do séc. XXI é o de Cristiano Ronaldo. Jon lembra que nunca jogou com ele, mas vivendo ambos no estádio passavam muito tempo juntos. "Tornou-se um bom amigo, especialmente do meu pai, quando ele vinha a Portugal. Falava muito com ele, até porque eu não sabia falar português. Lembro-me de ele pedir ao meu pai para ir buscar amigos ao aeroporto, que vinham do Funchal visitá-lo. Ele não tinha dinheiro para o táxi, então ia o meu pai buscá-los. Agora tem um avião só para ele... As voltas que a vida dá." O melhor jogador do mundo só pensava em futebol e a dedicação era total. "Nós saíamos, queríamos ir ter com miúdas, ir aos bares. Ele nunca ia; ficava no quarto. Nunca esquecerei a dedicação dele. E compensou."
Em 2016, foi à distância de um oceano que Piques viu o amigo Ronaldo levantar a Taça do Euro"2016. Jon, canadiano de nascimento mas com Portugal no coração, viveu esse momento com muita emoção. "Chorei quando ele levantou a taça. Fiquei muito feliz. Portugal é muito importante para mim e sabia o quanto um troféu desses significava para ele. Sinto que ele o mereceu. Conhecendo-o pessoalmente e sabendo o que ele passou..." No rescaldo do Euro, Piques encontrou Ronaldo em Los Angeles, quando o português estava de férias, e recordaram tempos passados. "Ele disse que via os meus vídeos na internet. É bom, estarmos tão afastados fisicamente mas perto graças à tecnologia. Às vezes penso que podia estar a jogar com ele, no Real Madrid. Quase todos aqueles com quem joguei jogam hoje ao mais alto nível. Talvez também eu pudesse estar ali. Mas tudo acontece por um motivo. A vida corre-me bem graças aos meus vídeos."
Da Ellen à camisola do Chelsea
Voltando a 2000, a aventura de Piques em Lisboa durou apenas dez meses. As regras da FIFA ditaram que o guarda-redes tivesse de regressar ao Canadá, voltando quatro anos depois, já com 18 anos e maior de idade. "Fui jogar para o Desportivo de Beja e, depois, para o Braga B. O Eduardo era o guarda-redes da equipa principal dessa altura, mas ainda joguei com o Diego Costa, agora no Chelsea." Nova passagem por Portugal, mas outra vez curta. A mãe, doente no Canadá, motivou o regresso a casa, continuando Jon a jogar pelo Montreal Impact, da A-League, agora MLS.
Ao mesmo tempo entrava na faculdade, para estudar Gestão, e depois começou a trabalhar uma seguradora. Foi quando começaram os vídeos. "Andava muito de carro e estava sempre a viajar e era aborrecido. Comecei então a fazer vídeos no carro e depois partilhava na internet, principalmente no Vine, uma aplicação de vídeos de seis segundos. Em pouco tempo atingi os 1,5 milhões de seguidores nessa rede social. Ainda trabalhava a tempo inteiro, mas comecei a ganhar dinheiro e só me despedi da empresa quando os vídeos deram mais dinheiro que o meu emprego diário." Piques deixou o Canadá a meio de 2015 e vive agora em Los Angeles, dedicando-se por inteiro ao humor. Já passou pelo programa de Ellen DeGeneres e recentemente ganhou um prémio para a Personalidade Mais Influente na internet no Canadá. "A vida corre-me bem. Tenho trabalhado em alguns filmes, também em cartoons, e já fiz o episódio-piloto do meu próprio programa de televisão, que está à espera de aprovação. Tudo à custa dos vídeos da internet. Talvez já ganhe mais dinheiro que alguns futebolistas e não tenho de andar a correr quilómetros a treinar. Mas sinto muitas saudades - faz parte da minha vida."
Foi um desses vídeos que o pôs em contacto, ainda que de forma indireta, com Diego Costa. "O Chelsea é a minha equipa preferida e há uns tempos fiz um vídeo com a camisola do clube. Os responsáveis do Chelsea entraram em contacto comigo e mandaram-me mais camisolas e convidaram-me a ir a Londres conhecer o plantel. Espero ir em breve." E um vídeo com a camisola do Sporting? "Gostava muito. Falta-me uma camisola do Sporting atual. Talvez me enviem uma. Gostava de voltar a Lisboa um dia. O meu pai é adepto do Sporting e eu também sou. Ajudaram-me a tornar-me um homem. Não nos ensinam apenas futebol, mas sim coisas da vida. Em Portugal, tive de trabalhar por tudo."
Os livros na cama e Steven Vitória
Quando chegou a Portugal, Piques não viveu momentos fáceis. Longe de casa, chorava sozinho no quarto e nem a visita dos pais o animou. "Quando a minha mãe viu o meu quarto no estádio, chorou... A minha cama estava apoiada em livros. Ela não gostou, mas o meu pai via o momento como um investimento na minha carreira." O pai, João, ficou amigo de Leonel Pontes, treinador adjunto de Luís Martins, o técnico principal dos juvenis na altura. Foi o pai de Piques, aliás, quem levou também Steven Vitória para Portugal, na altura para o FC Porto. O central, nascido no Canadá e agora a jogar no Lechia Gdansk, da Polónia, vingou no Estoril, chegou ao Benfica e foi durante muito tempo o principal contacto de Piques sobre tudo o que se passava no futebol português.