No passado fim de semana, o Havai recebeu o mundial de triatlo Ironman, uma das provas mais duras do mundo. Aos 41 anos, o padre Ismael Teixeira sonha um dia chegar a essa prova, mas por agora já conquistou o título do primeiro padre a completar um Ironman. É o verdadeiro "Iron Priest".
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Sempre sentiu o apelo do desporto?
Quando era pequeno, jogava à bola com os meus amigos na minha aldeia, em Canaveses, Valpaços, em Trás-os-Montes. Fugia às minhas responsabilidades, de levar os touros a pastar, para ir jogar um bocadinho à bola. Depois, já em Braga, no seminário, um professor quis-me levar a treinar para ser guarda-redes no ABC, pois eu não tinha medo das bolas; pudera, tinha perdido o medo a amansar os touros bravos com o meu pai. Em Lisboa, já padre, quando estava a tirar o curso de Psicologia, joguei râguebi de sevens durante alguns anos. E gostei imenso. Tive pena de ter experimentado tão tarde, já quase com 30 anos.
E o triatlo, quando apareceu?
Sempre tive o bichinho do triatlo, mas não sabia nadar decentemente. Tinha aprendido a nadar como os cachorros, na aldeia. Então fazia duatlo. Mas um amigo, no Natal de 2013, ofereceu-me uma inscrição para o Triatlo de Lisboa, e foi a motivação de que eu precisava para entrar numa piscina e aprender a nadar.
E como foi a primeira experiência?
Terminei, em maio de 2014, o triatlo olímpico, mas gostei tanto que no ano seguinte fui fazer o dobro da distância, o half-ironman. No final da prova, esse meu amigo, o Nuno España, disse-me que se eu treinasse, poderia tornar-me no primeiro padre ironman do mundo. E isso motivou-me muito.
E confirma-se? Foi o primeiro padre Ironman do mundo?
A marca Ironman diz que sim. A 21 de agosto deste ano, em Copenhaga, terminei o meu primeiro triatlo de 3,8 km a nadar, 180 km de bicicleta de 42 km a correr. Superei todas as minhas expectativas e medos.
Medos?
Nos meus tempos de râguebi fiz uma rotura de ligamentos e tenho alguns problemas numa perna, que voltaram um mês antes da prova.
Foi preciso rezar muito para ultrapassar tudo isso?
Rezei muito, sim. Quando estava na bicicleta, onde tenho sempre um terço, rezava para agradecer tudo. Estava na Dinamarca, com paisagens lindíssimas, pelo que rezava para agradecer. Depois, na maratona, rezei para ganhar forças e para aguentar as dores que tinha na perna. Rezei uns três terços nesse dia. Aos 33 quilómetros da corrida final, a dor adormeceu. Terminei a prova em 11h13m; tinha previsto fazê-la na casa das 12 horas.
E os outros triatletas em prova, pediram-lhe ajuda espiritual?
Alguns. Naquele período antes de a prova arrancar, em que estamos todos concentrados antes da natação, alguns perceberam que eu era padre e pediram-me para rezar por eles. Havia vários com medo e nervosismo e acharam que eu tinha mais fé e poder que eles.
Depois de tantos desportos, porquê a paixão pelo triatlo?
Para quem é mais velho, é um desporto bom e completo. E costumo dizer que é o melhor desporto para um padre. Acredito no mistério da Santíssima Trindade, que Deus é Pai, Filho e Espírito Santo, e eu chamo-lhe o Santíssimo Triatlo; ofereceu cada modalidade ao Pai, ao Filho e, depois, ao Espírito Santo.
Como gere o dia a dia, com todas as exigências da profissão e os treinos pelo meio?
Essa é a maior dificuldade, pois além de padre, sou também professor universitário. Tenho de inventar tempo e esticar a agenda. Levanto-me às seis da manhã para correr ou pedalar antes da primeira missa, às 8h30, na igreja de Nossa Senhora da Conceição, no Largo do Rato.
E dentro da sua comunidade na igreja, como é recebida esta sua paixão?
Toda a gente sabe que sou um padre diferente, que gosta de desporto, que muitas vezes chega à missa já depois de correr ou andar de bicicleta. E foram-me apoiando e apadrinhando de várias maneiras. Há uma senhora que duas vezes por semana me leva bananas para eu comer; outra, frutos secos porque sabe que eu gosto.
Há mais padres em Portugal a fazer triatlo?
Creio que não. Há um português, mas em Espanha, e que já fez um triatlo olímpico. Este é também um triunfo meu, inspirar outros a proporem-se a cumprir sonhos que tenham, que vençam as barreiras. É a lição que tiramos daqui e passamos aos outros. Temos de dar o primeiro passo para lutar pelos nossos sonhos.